Marxismo e a crise do imperialismo

Via Line of March: A Marxist-Leninist Journal of Rectification, traduzido por Lucas Alves Buettner.

O colapso de qualquer ordem social é inevitavelmente precedida pela falha das instituições normalizadoras no ato de comandar a autoridade ideológica costumeira. Valores de longa data, títulos, sinais de respeito, códigos morais e normas de comportamento são repentinamente questionados. Incerteza substitui a “verdade”. Caos substitui a ordem. A gritante distância entre o modo de vida das grandes massas populares e o estilo de vida dos ricos e poderosos ao qual estavam acostumados se destaca nitidamente como um comentário sobre o que é mais percebido com uma situação social injusta. 

Na raiz desse fenômeno, está o amadurecimento das contradições inerentes no modo de produção da sociedade que, agora, amadureceram ao ponto onde as relações de produção vigentes se opõem e, de fato, retardam o desenvolvimento das forças produtivas. 

Cada vez mais, as massas populares expressam seu descontentamento com a ordem de coisas vigente (status quo) — mesmo onde suas alternativas não são nem aparentes nem ainda consideravelmente aceitáveis. Cada vez mais os governantes da sociedade conduzem seus negócios com um sentimento de desespero sobre sua habilidade de controlar o curso dos eventos ou suas perspectivas de futuro. 

Identificando seu destino com aquele da humanidade em geral e identificando a faísca de sua própria ruína com o triunfo da barbárie, os mestres desenvolvem uma visão apocalíptica de suas agonias. Como o Wall Street Journal tão sucintamente publicou, a não tanto tempo assim, contemplando o desenvolver dos dilemas do imperialismo, tem-se “um colapso geral dos valores estabelecidos e convenções de conduta; ao redor do mundo, a civilização está retrocedendo diante de nossos olhos”. Os mestres do Império Romano não viam sua queda de um jeito similar? 

Entretanto, os deslocamentos ideológicos que diariamente corroem as normas aceitas de valores e de conduta são apenas a orquestra para o sofrimento de origem material. A irracionalidade da ordem econômica da sociedade torna-se, dia após dia, mais aparente e, com isso, tem-se a erosão na percepção de legitimidade das instituições políticas da sociedade. 

Uma época revolucionária tem um personagem adicional, no entanto. As forças capazes de resolver as contradições percebidas já estão no palco da história. A velha ordem está morrendo, mas não somente por atrito. Ela (a morte da velha ordem), é acelerada pela autorrealização revolucionária das classes e forças cujo destino flui das contradições que a geraram. É tempo de escolhas, um tempo onde a “neutralidade” e seus parceiros ideológicos, cinismo e ceticismo, tem o efeito objetivo de reforçar a velha ordem social. 

Uma época revolucionária é, como Charles Dickens notou, “O melhor e o pior dos tempos.” Não podemos dizer o mesmo da nossa própria época? 

Comunismo — o espectro que assombrava a Europa em 1848 quando o marxismo propriamente dito surgiu — se tornou uma força material que, agora, está moldando o mundo todo. O modo de produção comunista foi introduzido, e mais de um terço da população mundial vive sob seu domínio. (Falamos aqui do comunismo e do modo de produção comunista no sentido utilizado por Marx e Lenin, que percebiam o socialismo como um longo período de transição que constitui o “estágio inferior” do comunismo). 

O capitalismo nos tempos de Marx, que já tinha assumido dimensões econômicas sem precedentes históricos, se desenvolveu ainda mais e se tornou o behemoth do capitalismo monopolista que atualmente caracteriza o capitalismo global. Todavia, o enorme crescimento industrial e a concentração de capital não fizeram nada para aliviar a contradição fundamental do modo de produção capitalista. Na verdade, a contradição — entre produção socializada e apropriação privada — se intensificou conforme o capitalismo completou sua jornada sobre a face da terra e introduziu suas relações de produção e apropriação com todas as suas ramificações brutalizantes para as massas produtoras em todo lugar em que se assentou. 

Nos tempos de Marx, os primeiros comunistas conseguiam observar que o capitalismo estava gerando seus próprios coveiros — o proletariado. Mas, à medida que o capitalismo assumiu sua forma imperialista hegemônica, a maioria esmagadora da humanidade foi atraída para a luta com o objetivo de eliminar esse sistema de exploração massiva e opressão brutal em escala mundial. 

As massas de pessoas oprimidas e exploradas da Ásia, África e América Latina uniram-se ao proletariado de países de capitalismo avançado no papel de coveiros do capitalismo. Esse slogan profundo, “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” foi modificado com precisão para “Trabalhadores de todo o mundo e pessoas oprimidas, uni-vos!” 

O século XX foi inaugurado como a época do imperialismo, resumido por Lênin como o “estágio superior” do capitalismo — e também seu estágio “moribundo”. Nos primeiros anos do século, o imperialismo aparentava ser uma força invencível. Os poderes capitalistas dominaram o planeta de uma maneira muito além do que poderiam imaginar Alexandre, César ou Napoleão. Exércitos bem equipados com milhões de soldados estavam disponíveis para lutar suas guerras de conquista e rivalidade, incitados pela demanda do livre mercado, indústria capitalista, ciência e tecnologia quase diariamente, parecia, quebrar barreiras existentes desde que tem-se registros. 

Mas todo “avanço” feito pelo imperialismo simultaneamente o aproximava do dia de sua destruição. Em 1914, a inerente anarquia e irracionalismo do imperialismo engolfou o mundo em uma guerra cuja carnificina superou qualquer guerra na história. Em quatro anos, a insaciável busca por lucro que é, inexoravelmente, o coração do sistema imperialista descartou dezenas de milhões de vidas e destruiu tanta riqueza acumulada que é quase impossível calcular. 

E, em 1917, a classe trabalhadora da Rússia czarista se ergueu e levou a cabo uma revolução, anunciando com um manifesto que o reinado de pilhagem da burguesia havia chegado ao fim. 

O século que se iniciou com o nascimento do imperialismo moderno se tornou o século da revolução proletária, da libertação nacional e da construção do socialismo. A nova ordem social chegou ao mundo de formas nunca antes vislumbradas pelos pioneiros na descoberta das leis do desenvolvimento histórico pelas quais seu aparecimento foi predito. Em vez de ter surgido nos países de capitalismo mais avançado, o fez em um país de capitalismo atrasado e, desde então, obteve seus maiores ganhos nas secções economicamente atrasadas do mundo. Em vez de triunfar em uma escala mundial ou em uma série de países mais ou menos simultaneamente, o socialismo veio à existência em um país por vez, cada vitória paga em sangue pelas massas trabalhadoras. 

Contrariamente aos sonhos utópicos daqueles que imaginam o socialismo como um paraíso na terra, o socialismo teve de lidar com uma variedade de problemas — econômicos, políticos e culturais — que constituem o legado de sua ascendência complicada. Socialismo veio a um mundo cujas hostilidades não se mantiveram restritas ao reino das denúncias retóricas. Ele (o socialismo) lutou para existir neste mundo e luta para sobreviver nele. 

No entanto, o socialismo cresce no século XX tão certeiramente quanto a queda do capitalismo. Povos inteiros — e até continentes — sentem o impacto revolucionário de nossa época. 

O imperialismo tem constantemente tentado conter a maré da história, mas todas as tentativas falharam. 

De frente com as crises econômicas da década de 1930, do tipo não conhecido anteriormente, as “democracias” capitalistas adotaram novas teorias econômicas — como o keynesianismo — como meio de manejar sua economia essencialmente irracional com uma medida de racionalidade. Mas o resultado lógico do keynesianismo, o Estado de bem-estar social, não consegue resolver as contradições subjacentes do modo de produção capitalista mesmo que, por um tempo, as suavizasse. Em última análise, o keynesianismo tornou-se o modelo econômico pelo qual o Estado capitalista moderno assumiu sua presente vastidão burocrática e parasitismo endêmico. 

Fascismo, como meio de impor mais arregimentação à classe trabalhadora, racionalidade à economia e poder concentrado em sua rivalidade com outros países capitalistas, também foi tentado, particularmente pela burguesia alemã. Foi derrotado, em primeiro lugar, pelo poder socialista da União Soviética. 

A dominação capitalista do mundo colonial e semicolonial — uma vez apontada pelos ideólogos do imperialismo como a “solução” para os problemas da luta de classes em casa — voltou para assombrar o sistema capitalista na forma de luta por libertação nacional e pelo controle sobre recursos naturais. Em todos os lugares do “terceiro mundo” subjugados pelo colonialismo e neocolonialismo, as chamas da luta anti-imperialista brilham mais intensamente. Do sul da África ao sudeste da Ásia, do Oriente Médio à América Latina, os imperialistas não conseguem saber, de um momento a outro, de onde ou quando acontecerá o próximo ataque. Em um primeiro momento, o imperialismo conseguia vencer ou defletir esses ataques. No entanto, suas vitórias nunca conseguiram acabar com o problema, ao passo que suas derrotas se tornaram permanentes. E dentre todas essas lutas, a mais crítica ocorreu no Vietnam, onde a guerra popular prolongada derrotou o imperialismo americano altamente armado e destruiu, de uma vez por todas, o mito da invencibilidade do imperialismo. O impacto da revolução vietnamita com relação aos ataques contra o imperialismo americano ainda é sentido mundo afora. 

Falando de maneira ampla, estas são as condições históricas objetivas que determinam a natureza e a direção da onda que agora está abaixo de nós. Como um todo, elas mostram que o século XX foi a mais profunda validação do marxismo. 

Mas a ironia do presente momento é que a crise do imperialismo amadureceu junto com — e, de fato, até certa extensão, foi mitigada por — uma crise na revolução. Essa crise, que é mais claramente visível na prevalecente disputa no movimento comunista internacional, define as condições para a atual tarefa para os comunistas dos EUA. Esse ponto não pode ser enfatizado forte o bastante em um tempo em que o movimento comunista dos EUA sofre profundamente de sua histórica descontinuidade e quando o legado do pragmatismo se manifesta em uma glorificação das mais estreitas formas de trabalho político prático como o elixir mágico que resolverá os dilemas contemporâneos. A menos que os comunistas dos EUA se situem no movimento internacional e tomem responsabilidade por isso, eles nunca construirão um partido revolucionário com a amplitude de visão obrigatória para liderar a classe trabalhadora ao poder do coração do imperialismo global. 

Como devemos, mais concretamente, identificar e caracterizar a presente crise? Politicamente, o movimento comunista internacional, hoje, é dominado por uma disputa entre duas linhas teóricas oportunistas. 

A linha do revisionismo moderno, sediada no Partido Comunista da União Soviética (PCUS), abandonou os princípios fundamentais do marxismo-leninismo relativizando o caráter revolucionário da classe trabalhadora e legitimou a perspectiva de que a classe trabalhadora pode cumprir seu destino como classe utilizando um processo parlamentar pacífico. O efeito objetivo dessa perspectiva é abandonar as metas revolucionárias da classe trabalhadora completamente. 

A linha oportunista “de esquerda”, sediada no Partido Comunista Chinês (PCCh), é mais francamente expressa na Teoria dos Três Mundos. Seu erro político é, acima de tudo, negar que o imperialismo americano é o principal inimigo das pessoas. Na realidade, o PCCh propõe uma aliança entre forças revolucionárias e o imperialismo americano para se contrapor à União Soviética a qual denomina uma “superpotência social-imperialista”, uma sociedade fascista cujo capitalismo restaurou-se por inteiro. 

A essência de ambas as linhas é a conciliação de classes. A linha revisionista promove a colaboração entre o proletariado e a burguesia amarrando os interesses da classe trabalhadora à ilusão de que uma classe capitalista “responsável” entregará as rédeas do poder político — e junto com ele a sua propriedade — em respeito às suas próprias instituições de democracia burguesa, ou de alguma aparente relutância em afundar o mundo em caos. Do outro lado, a linha oportunista “de esquerda” promove conciliação de classes de maneira ainda mais direta, tentando alistar a classe trabalhadora e todos os oprimidos na defesa dos interesses imperialistas dos EUA contra a “ameaça” de agressão soviética. 

É evidente que ambas as linhas são moldadas por conceitos nacionalistas estreitos sobre quais as políticas que servem os melhores interesses imediatos dos respectivos Estados. As principais variações dessas linhas não quebram com sua essência oportunista. O eurocomunismo, que é uma variação da linha revisionista geral, abandonou ainda mais o marxismo (o Partido Comunista da Espanha parou de se autodenominar “leninista” e todos os eurocomunistas abdicaram o princípio da ditadura do proletariado) enquanto demonstrava vários graus de “independência” nas questões que dialogam diretamente com as políticas de Estado do PCUS. O Partido do Trabalho da Albânia (PTA) é crítico à teoria chinesa dos Três Mundos, mas também serve objetivamente aos interesses do imperialismo ao igualar a União Soviética aos EUA como uma superpotências capitalista e advogando em prol de uma “frente unida contra as duas superpotências.” 

A crise política do movimento comunista internacional torna-se evidente pelo fato de que a principal disputa no presente momento não é entre o marxismo-leninismo e uma linha que desvia destes princípios, mas entre duas linhas oportunistas rivais. Cada uma clama falar em nome do marxismo-leninismo, porém avançam, em níveis distintos, as políticas de conciliação de classes. 

Organizacionalmente, o movimento comunista internacional atualmente é caracterizado pela divisão. Não há, sequer, um ponto central dentro do movimento. Em uma porção de países, partidos adversários representando as linhas opostas disputam a hegemonia no seio da classe trabalhadora. Em outros países, a principal organização comunista se baseia em um ou outra linha oportunista. 

Ideologicamente, o movimento comunista internacional — considerado como um todo — abandonou sua responsabilidade de “compreender claramente a linha de março, as condições e os resultados gerais finais do movimento proletário” e de orientar esse movimento. O materialismo mecânico e o idealismo, o empirismo e o dogmatismo, substituíram o materialismo dialético e histórico como a metodologia científica básica empregada por aqueles que estabeleceram o padrão teórico para o movimento. Tendências retrógradas previamente derrotadas — anarquismo, social-democracia e trotskismo — conseguiram novamente penetrar no movimento comunista e hoje exercem uma influência nunca imaginada por seus proponentes anteriores. 

A teoria marxista-leninista fez certos avanços nos últimos 25 anos, especialmente ao extrair lições das lutas revolucionárias de libertação nacional. No entanto, em sua essência, ela estagnou. Ela fica para trás em relação às demandas urgentes da luta de classes e, assim, constitui uma força material que amarra o desenvolvimento mundial da revolução proletária. O papel indispensável da teoria dentro da tradição marxista-leninista é elucidar o significado de novos fenômenos e experiências do proletariado no curso da luta de classes. 

Aqui destacamos duas questões para indicar o descaso do movimento com suas tarefas teóricas e as consequências políticas negativas resultantes. 

A primeira é a ausência de uma construção teórica científica para analisar a economia política do imperialismo no período desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Vários fenômenos novos clamam por serem compreendidos e colocados em contexto histórico. 

Nunca antes o sistema capitalista mundial foi caracterizado até o ponto em que está hoje pela dominação política, econômica e militar de um país imperialista. Por 35 anos, a hegemonia do imperialismo dos EUA no sistema mundial tem sido tão invasiva que a rivalidade inter-imperialista inerente ao sistema capitalista não se manifestou em uma nova guerra mundial; e as perspectivas para algum outro país capitalista ou grupo de países montar um desafio militar aos EUA no futuro próximo não parecem de forma alguma prováveis. 

Certamente, a contradição inter-imperialista não desapareceu, como evidenciado pelas rivalidades comerciais e monetárias e pelos conflitos sobre políticas políticas que constantemente surgem entre os EUA, os países da Europa Ocidental e o Japão. No entanto, a contradição opera em um novo contexto, com as contradições entre o imperialismo e a libertação nacional e entre o imperialismo e os países socialistas dominando a política mundial. Esse novo contexto requer uma reexame do funcionamento das contradições inter-imperialistas no sistema capitalista mundial contemporâneo. 

Outro importante fenômeno não explicado da economia política contemporânea é o método preciso pelo qual o imperialismo domina e explora as nações oprimidas do mundo. Claramente, qualquer esquema simplista que limite sua análise a generalizações sobre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, ou países imperialistas e o terceiro mundo, é totalmente inadequado para explicar os fenômenos das relações econômicas e políticas entre os EUA e países como Chile, Brasil, Índia, África do Sul, Israel ou Irã. 

Os marxistas-leninistas, é claro, recorrem à obra clássica de Lenin, “Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, como ponto de partida para entender o imperialismo. Mas Lenin examinou o crescimento do capital monopolista e a dinâmica do imperialismo principalmente dentro dos maiores países imperialistas, e escreveu em um período em que as contradições inter-imperialistas dominavam a política mundial. Os marxistas-leninistas de hoje devem construir sobre uma base estabelecida por Lenin e desenvolver um arcabouço teórico baseado no marxismo-leninismo que explique as realidades contemporâneas. 

A falha da teoria marxista em explicar adequadamente novos fenômenos deixou a porta aberta para que teses não marxistas prevalecessem. A teoria soviética atual sustenta que os imperialistas, cada vez mais confrontados com um balanço de forças desfavorável, concordarão com sua própria queda. Conceitos retrógrados como um “mundo sem guerra” sob o imperialismo e um “caminho não capitalista de desenvolvimento” para os países da Ásia, África e América Latina derivam da perspectiva revisionista. 

Por outro lado, o Partido Comunista da China argumenta que não há problema teórico, uma vez que a URSS é ela mesma um país capitalista e, portanto, o imperialismo hoje parece o mesmo que na época de Lenin, com duas “superpotências capitalistas” rumando para a guerra mundial. Ao mesmo tempo, a Teoria dos Três Mundos, com sua notória distorção das categorias marxistas, transforma uma análise da economia política em um catálogo do tamanho dos países em vez de uma análise de seus modos de produção. Será necessário um esforço teórico e político substancial para repudiar essas linhas retrógradas e desenvolver uma análise marxista-leninista científica do imperialismo contemporâneo. 

A segunda área em que a teoria marxista não acompanhou os novos fenômenos é na falha em resumir de maneira científica e abrangente as experiências históricas da construção socialista. Na época da revolução bolchevique, não havia experiência com as realidades do socialismo e apenas algumas proposições teóricas inevitavelmente gerais sobre isso. Nos últimos 60 anos, no entanto, essa situação mudou qualitativamente e um vasto corpo de experiência histórica, a maioria das quais não poderia ter sido prevista, foi acumulado desde então. Esta é a base para enriquecer nossa compreensão teórica das leis e contradições que caracterizam a construção socialista e a ditadura do proletariado. 

O PCUS, como o primeiro partido a deter o poder estatal, tem uma responsabilidade particular nesse sentido. Operando, mesmo quando era um partido genuíno, com a premissa incorreta de que uma sumária franca e abrangente de suas experiências, especialmente o reconhecimento e análise de linhas incorretas e outros erros, apenas forneceria material para o moinho imperialista, o PCUS estabeleceu a tradição negativa de declarar que todas as linhas, decisões e ações tomadas em nome do socialismo estavam sempre corretas. Não duvidamos que teria havido dificuldades em agir de outra forma. O imperialismo desenvolveu toda uma escola de erudição burguesa para obscurecer e distorcer a experiência soviética e reforçar o anticomunismo entre as massas. O trotskismo tornou-se habilidoso em explorar cada erro cometido pelo PCUS e inventando outros em sua defesa interminável de sua linha desacreditada. No entanto, a perda de rigor teórico, a deterioração dos princípios coletivos de trabalho, os abusos de crítica e autocrítica e a abordagem comando da luta interna do partido tiveram enormes consequências negativas que superam em muito aquelas que teriam resultado se o movimento tivesse sido franco sobre suas deficiências. O “Problemas Econômicos do Socialismo” de Stálin, escrito nos últimos anos de sua vida, foi um esforço tardio para iniciar o processo de retificação desse erro, mas veio tarde demais. E desde meados da década de 1950, o PCUS não produziu nenhuma teoria séria da construção socialista, apenas racionalizações para suas políticas pragmáticas. 

O PCCh parece ter dedicado mais atenção à questão das contradições enfrentadas pelo socialismo, mas se as teorias avançadas — especialmente as de Mao sobre a natureza da luta de classes sob o socialismo — foram contribuições científicas para a teoria socialista ou polêmicas inspiradas em facções contra rivais na liderança do partido, pelo menos, devem ser consideradas uma questão em aberto à luz dos desenvolvimentos nos últimos anos. 

O resultado desse vácuo teórico é que os marxistas-leninistas carecem de uma teoria rigorosa e científica da construção socialista e da ditadura do proletariado. Em vez disso, absurdidades teóricas, como a noção de que a União Soviética é uma sociedade “no limiar do comunismo”, são apresentadas como avaliações científicas. Por outro lado, concepções idealistas do socialismo não são desafiadas, os “defensores” de um país socialista não reconhecendo erros, seus “acusadores” declarando o socialismo nulo e sem valor ao descobrir que existem contradições reais e são frequentemente tratadas incorretamente. Isso explica por que a tese completamente não científica da restauração do capitalismo na União Soviética recebe amplo apoio entre os comunistas. 

A estagnação teórica dentro do movimento internacional sobre essas e outras questões levou a uma desorientação ideológica generalizada. “Interpretações” concorrentes do marxismo-leninismo disputam entre si de maneira eclética. Os dois principais partidos empregam pragmaticamente a teoria para atender a objetivos políticos estaduais imediatos. O servilismo — a dependência ideológica — em partidos fora do poder é o lado reverso das desvios nacionalistas no PCUS e no PCCh. Enquanto alguns partidos mantêm um curso revolucionário e defendem claramente o caráter vanguardista do movimento comunista em seus próprios países, bem como na luta internacional contra o imperialismo, eles são a exceção e não a regra. 

Tudo isso levou alguns a concluir que há uma crise no próprio marxismo. Dificilmente uma semana passa sem que outro comentário (ou contribuição) sobre essa “crise” apareça impresso em algum lugar. 

Em geral, esses comentários se concentram em uma suposta falta de relevância da teoria marxista clássica para as realidades do mundo contemporâneo. Alguns argumentam que a teoria marxista tradicional e suas percepções sobre a natureza do capital, do imperialismo, da classe trabalhadora, etc., simplesmente não explicam o funcionamento do capitalismo monopolista contemporâneo com sua tecnologia computacional, capacidades nucleares, terrores ecológicos, a sofisticação política de suas classes dominantes, etc. Outros argumentam que até que Freud seja ideologicamente casado com Marx, os esforços para entender e mudar a sociedade contemporânea estão fadados à frustração. Alguns afirmam que o marxismo é uma filosofia “europeia branca” inaplicável às sociedades da Ásia, África ou América Latina, enquanto outros argumentam que o marxismo pode ser útil em países subdesenvolvidos, mas não tem relevância para as “democracias sofisticadas” da Europa e América do Norte. 

Muitas dessas visões estão fora do mainstream do marxismo, mas têm ampla influência, especialmente entre aqueles que chegaram à luta contra o imperialismo de maneira essencialmente prática e política, sem o benefício de uma base teórica e ideológica mais sólida que apenas o marxismo pode fornecer. 

Por outro lado, algumas dessas visões emanam e têm aceitação até mesmo entre aqueles cujas “credenciais” marxistas são, se não impecáveis, pelo menos baseadas em algum trabalho de substância. A social-democracia manobrou seu caminho de volta para o movimento comunista através do trabalho teórico dos eurocomunistas; não é preciso ir muito longe para perceber o entusiasmo do jornal In These Times, cuja afinidade ideológica com a social-democracia tradicional é tão flagrante a ponto de ser constrangedora, pelas inovações dos partidos eurocomunistas. Herbert Marcuse e outros da “Escola de Frankfurt” forneceram ao anarquismo uma cobertura ideológica mais respeitável do que costumava ter, enquanto respeitados estudiosos marxistas como Paul Sweezy tentaram “resolver” o problema da União Soviética argumentando, como uma hipótese “frutífera”, em um artigo que ele mesmo intitula, “Uma Crise na Teoria Marxista”, a visão de “que a revolução proletária pode dar origem a uma nova forma de sociedade, nem capitalista nem socialista.” (Existem muitas variações desta última tese, um ponto ao qual estaremos dedicando mais atenção nos próximos problemas). 

No entanto, se esses ideólogos analisaram os fenômenos presentes como uma crise no marxismo, localizaremos a essência da crise e sua solução no movimento comunista. Enquanto os social-democratas, anarquistas e trotskistas estão atualmente explorando a crise do movimento internacional para desacreditar o marxismo, o próprio movimento comunista deve assumir a tarefa de retificar não apenas o movimento em geral, mas seu trabalho teórico em particular. 

A crise do movimento comunista priva a classe trabalhadora internacional de sua vanguarda de liderança. A revolução proletária não pode avançar eficazmente até que os marxistas-leninistas enfrentem de frente essa crise e assumam a responsabilidade de resolvê-la. Isso requer, em primeiro lugar, uma rigorosa análise das linhas que atualmente dominam o movimento comunista. 

Duas linhas oportunistas 

A indicação mais clara da profundidade da crise atual no movimento comunista internacional é a ausência de uma linha revolucionária liderante e um centro liderante universalmente reconhecido para o movimento internacional. Em vez disso, o movimento comunista hoje é caracterizado, em primeiro lugar, pela forte batalha entre os dois maiores e mais influentes partidos, uma batalha que se manifesta não apenas nas relações partido a partido, mas também nas relações Estado a Estado. Cada um desses partidos se estabeleceu como uma sede em torno da qual há um seguinte organizado de partidos “fraternos” dependentes, transformando os respectivos desvios em fenômenos verdadeiramente internacionais. A orientação ideológica retrógrada de cada desvio afeta todo o movimento comunista internacional. De fato, isso causou a corrupção das linhas gerais da maioria dos partidos comunistas no mundo e o caos organizacional em muitos países onde partidos rivais disputam a liderança da classe trabalhadora e dos movimentos de libertação. 

Por si só, as lutas dentro do movimento comunista não são algo ruim. A história do movimento comunista é, de fato, a história das lutas entre linhas pela orientação correta, programa político e formas organizacionais que devem orientar o trabalho dos revolucionários. Todo avanço teórico e prático importante no comunismo foi feito como resultado de uma luta contra e uma ruptura com ideias incorretas que, embora se apresentassem perante o movimento da classe trabalhadora em nome do socialismo, inevitavelmente revelaram sua essência burguesa tanto na teoria quanto na prática. 

O socialismo científico surgiu da luta contra o socialismo utópico e o anarquismo, estabelecendo para o movimento comunista princípios fundamentais como aqueles incorporados na economia política marxista, o papel principal do proletariado na revolução, a luta pelo poder estatal como a tarefa política chave da revolução e o reconhecimento do socialismo como uma etapa transitória longa e complexa para o comunismo. 

O leninismo emergiu de uma série de lutas contra o revisionismo inicial de Eduard Bernstein, o sindicalismo das tendências econômicas na Rússia e o chauvinismo social da Segunda Internacional sob a liderança de Karl Kautsky. A partir dessas lutas contra o que mais tarde se tornou a social-democracia moderna, o movimento comunista reafirmou e estabeleceu princípios como a ditadura do proletariado, o partido leninista, a natureza do imperialismo como capitalismo monopolista e o significado revolucionário das lutas de libertação nacional dos povos e nações das colônias e semicolônias. 

O movimento internacional que cresceu no período após a Revolução Bolchevique foi forjado e consolidado na luta contra o trotskismo. A partir dessa luta surgiu o reconhecimento de que a construção do socialismo em um país — a União Soviética — era uma necessidade histórica, e que, por um período indubitavelmente longo, o socialismo apareceria no mundo em formas nacionais. A luta contra o trotskismo também ajudou a estabelecer a legitimidade da revolução em duas etapas no mundo colonial e a necessidade de forjar uma frente unida contra o fascismo em defesa da União Soviética e dos direitos democráticos da classe trabalhadora. 

Portanto, o movimento comunista internacional moderno foi moldado por essas históricas lutas de duas linhas para demarcar o marxismo do anarquismo, da social-democracia e do trotskismo. Consequentemente, a crise atual no movimento comunista não reside na forte contenda teórica e política em si, mas sim no fato de que as duas linhas que dominam o movimento comunista são ambas caracterizadas pelo oportunismo. Esta é a principal fonte da confusão ideológica, da degeneração política e da fragmentação organizacional que caracterizam atualmente o movimento internacional. 

Tal sumarização da crise atual contrasta fortemente com as sumarizações que atualmente prevalecem no movimento internacional. A sumarização revisionista soviética é que a crise é causada exclusivamente pela “desvio maoísta”. Essa visão utiliza a crescente exposição e autoexposição da linha oportunista “de esquerda” para reforçar as principais teses da linha oportunista “de direita”. 

A sumarização oportunista “de esquerda” é que a crise é causada exclusivamente pela consolidação do revisionismo no PCUS e nos partidos em seu campo e que hoje a luta contra essa linha revisionista se tornou, na prática, a luta contra um novo sistema capitalista, ainda mais perigoso e predatório do que seus rivais mais antigos. 

Outras sumarizações veem a crise como decorrente inerentemente da natureza do socialismo ou, o que na verdade é uma expressão do mesmo problema, o fato de que o socialismo foi obrigado a aparecer e se desenvolver no mundo em formas nacionais. Ainda outros continuam a ver principalmente como uma questão organizacional e veem a solução em algum retorno simplista à “unidade” comunista em que as diferenças atuais de alguma forma magicamente desaparecerão. 

Em contraste, nossa sumarização da crise a vê fundamentalmente como uma crise de linha política — em particular, a prevalência de duas linhas oportunistas contenciosas. A importância dessas visões variadas reside no fato de que não pode haver solução para a crise atual sem um entendimento correto de sua causa. 

A visão revisionista é que a crise será resolvida ao traçar uma linha de demarcação com o “maoísmo” e unir o movimento em torno das políticas e linha do PCUS. Os “oportunistas de esquerda” pedem uma demarcação não com a linha revisionista (o PCCh vê qualquer partido que seja “independente” do PCUS como tendo uma linha geralmente correta mesmo quando essa linha, como no caso da Iugoslávia, é classicamente revisionista), mas com o Estado soviético, ou seja, o “social-imperialismo soviético”. Aqueles que veem a crise de alguma forma inerente à natureza do socialismo — e nesta categoria incluímos todos aqueles que, embora se declarem marxistas, se recusam a assumir a responsabilidade pelo futuro do movimento comunista — naturalmente são obrigados a ficar à margem, esperando por um conjunto melhor de condições antes que a questão do socialismo possa ser retomada. 

Mas quando a questão é colocada como uma questão de linha política, então o caminho para os marxistas-leninistas se torna claro. Primeiro, é necessário traçar linhas de demarcação com os dois principais desvios que dominam o movimento, as duas principais linhas oportunistas. E em segundo lugar, é necessário retificar a linha geral do movimento comunista para que uma linha revolucionária liderante possa ser desenvolvida. Somente com base em uma linha revolucionária liderante que o movimento pode ser reorientado ideologicamente e reunido organizacionalmente. 

Tampouco pode haver uma separação mecânica ou conceito de estágio deste processo. O próprio ato de traçar linhas de demarcação com o oportunismo implica pelo menos nos conceitos básicos de uma linha alternativa marxista-leninista. Da mesma forma, o desenvolvimento de uma linha marxista-leninista é, na verdade, a única base sólida sobre a qual uma demarcação completa com e uma sumarização científica das linhas oportunistas podem ser realizadas. 

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