O método histórico-dialético contra a economia positiva de Milton Friedman

Por Matheus Silva*

No presente artigo o autor tem por objetivo apresentar o método econômico de Friedman e suas concepções fundamentais a respeito da elaboração de teorias e suas utilizações, e o criticar a partir de uma visão metodológica marxista, demonstrando como o economista estadunidense, em seu método, se limita somente ao idealismo vulgar de suas próprias impressões e projeções sobre seu objeto de análise, seja ele qual for.

I. A Economia Positiva de Friedman

A economia positiva para Friedman é o puro método científico de como fazer economia, para o autor lidar com a economia como ela é (na visão do pesquisador) e não como deveria ser, é o caminho mais correto para trabalhar a economia enquanto ciência.  A tarefa dessa economia positiva é a de provar um sistema de generalizações passível de ser utilizado para fazer previsões corretas acerca das consequências de qualquer alteração das circunstâncias (Friedman, 1953).  

A respeito disso Lawrence Boland (1979) formula em seu texto uma defesa da visão “Friedmaniana” de fazer economia. Defende que existem dois principais métodos lógico-argumentativos de construir uma argumentação verdadeira, o método conjuntivo e o método disjuntivo, para ele: “It has to do with the ‘necessity’ and the ‘sufficiency’ of statements or groups of statements. In some cases one is more concerned with the sufficiency of an argument; in other cases one is more concerned with the necessity of its assumptions” (1979, p.03)

Em tipos argumentativos conjuntivos, todos os pressupostos devem ser obrigatoriamente verdadeiros, e caso apenas um não seja, a conclusão lógica que deriva a partir deles, não pode ser verdadeira, “If any one of the assumptions were false, then the sufficiency of the argument would be lost” (1979, p. 03). O oposto ocorre com argumentos disjuntivos, quando nem todos os pressupostos que compõem a argumentação necessitam ser verdadeiros ou realistas, para que a conclusão seja verdade, porque “The disjunctive argument, on the other hand, is very difficult to refute. Because in the extreme case such an argument, in effect, offers every assumption as a solitarily sufficient condition for the conclusion to follow, none of the assumptions are necessary” (1979, p. 03).

Mas para que um argumento seja suficiente, ele deve ser um argumento dedutivo, pressupondo que suas suposições estejam na forma de declarações generalizadas. E tendo em mente as formas lógico-argumentativas de apresentar os pressupostos, contudo, sendo assim, quando se pode supor que uma teoria é verdadeira? O ponto que Friedman buscaria defender, através do entendimento de Boland é de que “So long as a theory does its intended job, there is no apparent need to argue in its favor (or in favor of any of its constituent parts)” (1979, p.05).

Caso estejamos falando de teorias que sejam orientadas a trabalhos preditivos, o sucesso dela, será avaliado pelo grau de satisfatoriedade presente em suas previsões, e não em suas pressuposições (como ocorre em alguns trabalhos de econometria). Essa visão do papel das teorias é chamado por Boland de “instrumentalismo”, ou seja, contanto que a teoria cumpra o papel a que ela se predispôs, não há necessidade de avaliar o realismo de seus pressupostos.

For those economists who see the object of science as finding the one true theory of the economy, their task cannot be simple. However, if the object of building or choosing theories (or models of theories) is only to have a theory or model that provides true predictions or conclusions, a priori truth of the assumptions is not required if it is already known that the conclusions are true or acceptable by some conventionalist criterion. Thus, theories do not have to be considered true statements about the nature of the world, but only convenient ways of systematically generating the already known ‘true’ conclusions. (1979, p.06)

Diferente dos convencionalistas que se preocupam com a veracidade das pressuposições que compõem a teoria, Boland argumenta que os instrumentalistas não possuem essa preocupação. Neste particular Friedman diz que a tarefa da economia na sua visão é: 

provide a system of generalizations that can be used to make correct predictions about the consequences of any change in circumstances. Its performance is to be judged by the precision, scope, and conformity with experience of the predictions it yields. (1953, p.04)

Friedman (1953) entende a economia como uma linguagem de previsão, e o que validaria as teorias seria sua capacidade preditiva e não a veracidade de seus pressupostos, embora ele mesmo concorde em dado momento do texto que as hipóteses que compõem a teoria devem ter validade substantiva, ou seja, possuírem fundo de evidência factual. Para Friedman o teste das hipóteses (pressupostos) deve sempre ter como parâmetro a evidência empírica,

The relation between the significance of a theory and the ‘realism’ of its ‘assumptions’ is almost the opposite. Truly important and significant hypotheses will be found to have ‘assumptions’ that are wildly inaccurate descriptive representations of reality, and, in general, the more significant the theory, the more unrealistic the assumptions (in this sense). (1953, p.12)

Friedman também discute a possibilidade de uma falsa suposição fazer parte da explicação de algum fenômeno observado, para isso ele apresenta o seu método de argumento “as If”. Defendendo que enquanto o fenômeno observado puder ser uma conclusão lógica do argumento que contém o pressuposto falso em questão, o uso dessa suposição deve ser aceito. Por exemplo, quando tentamos explicar a derivada da curva de demanda, supondo maximização do comportamento dos consumidores, caso o efeito seja de fato observado empiricamente, podemos usar nossa suposição mesmo sendo ela falsa, ou seja, podemos continuar reivindicando o efeito observado, enquanto ele materialmente não ocorra, é “como se” os consumidores se comportassem como assumimos, mesmo que de fato eles não se comportem assim.

Para Boland, Friedman utiliza este método de argumentação porque presume que modelos são incorporações lógicas de meia verdade. Quando alguém diz que uma afirmação é uma suposição, não está se referindo a nenhuma propriedade intrínseca. Uma afirmação é chamada de suposição porque foi assim que se escolheu usá-la, não existe um impedimento para explicar a verdade por detrás da suposição considerando-a como uma conclusão de outro argumento. Já Bruce Caldwell (1984) elabora que o texto de Friedman é a maturidade do positivismo dentro da ciência econômica, e que muito embora o texto tenha sido muito criticado, a metodologia elaborada dentro dele, proposta pelo autor, é amplamente utilizada nos cursos de economia. Caldwell defende que Friedman pode ser chamado de “instrumentalista metodológico”.

The ultimate goal of a positive science, he claims, ‘is the development of a “theory” or “hypothesis” that yields valid and meaningful (i.e., not truistic) predictions about phenomena (1984, p.193)

Para Friedman é perigoso deslegitimar uma teoria por causa de suas suposições irrealistas, já que as teorias mais significantes, possuem suposições irrealistas. A defesa de Friedman está para Caldwell na problemática da verificação, isto é, a aceitação de uma hipótese ou sua negação é confirmada de acordo com sua habilidade de predição.

Friedman’s next few arguments are the source of his article’s notoriety. He states that a theory cannot be tested by the realism of its assumptions, that therefore the realism of the assumptions of a theory is unimportant, that unrealistic assumptions are usually a characteristic of the most significant scientific hypotheses,12 and finally that instead of looking at the assumptions of a theory, we should concentrate on the predictions of a theory. (1984, p.176)

Nessa perspectiva existe um erro em verificar as hipóteses fundamentais antes de analisar as previsões. O que os críticos de Friedman argumentam é que estabelecer previsões perfeitas não é o único teste relevante de uma teoria, e se fosse, seria impossível estabelecer correlações verdadeiras e falsas, e que não é necessariamente mais difícil obter evidência direta sobre hipóteses do que dados sobre comportamento de mercado usados em testes de previsão, que a tentativa de testar hipóteses pode gerar insights importantes que ajudam a interpretar testes previsíveis e que se o teste de previsão que contenha hipóteses contrafactuais for tudo o que podemos esperar, devemos então exigir que nossas teorias sejam testadas com muito mais rigor (BLAUG, 1993).

Caldwell caracteriza Friedman como um instrumentalista, para o qual a veracidade das suposições não é relevante, e nem as teorias reduzidas a verdadeiras ou falsas, mas simplesmente se funcionam ou não, se são bons instrumentos sim ou não.

Instrumentalists claim that theories are best viewed as nothing more than instruments. Viewed thus, theories are neither true nor false (instruments are not true or false), but only more or less adequate, given a particular problem. Just as a hammer is an adequate instrument for certain tasks, and not for others, theories are evaluated for their adequacy, which is usually measured by predictive power. (1984, p.178)

No campo da metodologia econômica, Caldwell começa questionando se o único objetivo da ciência econômica é realmente a previsão, se isto for correto então os instrumentalistas estão corretos, contudo, caso esta não seja uma posição aceita, então o instrumentalismo possui problemas. O instrumentalismo leva os cientistas a optarem por uma correlação estatística preditiva ao invés de uma satisfatória explicação dos fenômenos econômicos. 

A aceitação do instrumentalismo também desconsidera as regras de desconfirmação na ciência, pois uma teoria que não seja nem verdadeira nem falsa, pode ser somente inadequada, mas não refutada.

II. Marx e a Dialética Hegeliana: Concepções Fundamentais

Para Marx teoria não é o próprio real, mas sim uma reprodução ideal do movimento real do objeto. Sendo seu objeto histórico-social, determinado em regularidades universais, isto é, o capitalismo e a sociedade que este sistema produziu. Por isso podemos afirmar que as categorias de análise marxistas não são meras entidades abstratas do pensamento do sujeito em uma configuração ideal do movimento da realidade, mas sim uma análise que vai do conhecimento abstrato do sujeito para com seu objeto ao concreto do próprio objeto, como afirma Florestan Fernandes:

Karl Marx assume uma posição pioneira (e muito moderna) que implicava a condenação do método dominante na economia tradicional. Primeiro ele excluía a teoria gerada pela abstração como fundamento da realidade e punha em seu lugar a teoria produzida pela investigação sistemática e pela interpretação objetiva da realidade. Ou seja, […] deslocava a fulcro da análise científica, substituindo um modelo abstrato da economia da sociedade burguesa, que a convertia em uma economia tout court, pela economia capitalista e a sociedade burguesa concretas, consideradas como totalidades históricas vivas, dinâmicas interdependentes. (Fernandes, 1989)

Marx, ao contrário do que fazem os economistas do método positivo, reconhece a dimensão histórica do processo de produção, diz Lênin (1913) “Os economistas burgueses viam relações entre objetos (troca de mercadorias por outras), Marx descobriu relações entre pessoas.” Para Marx, o ponto de partida da produção do conhecimento teórico deve ser aquilo que é empírico, que é concreto e dado imediatamente, aquilo que é possível de se verificar e constatar, pois a realidade é movimento, e não pode ser apreendida em definições imutáveis. Essa concepção de realidade, enquanto movimento, provém de Hegel, filósofo germânico do século XVIII, do qual Marx adota a concepção de dialética. 

Para Hegel todo o saber humano pode ser resumido a uma ontologia (estudo do ser) relacional, processual, ou seja, como o ser se relaciona com os processos, pois tudo é movimento. Além disso, Hegel postulava todo conhecimento pode ser apresentado de forma sistemática, diz o filósofo alemão “O saber só é efetivo – e só pode ser exposto – como ciência ou como sistema” (Hegel, 1807). Dessa forma o sistema hegeliano pode ser entendido através de 3 pontos ou momentos: Ideia, Natureza e Espírito, cada um deles trabalhados respectivamente em cada um dos 3 livros de sua obra Ciência da Lógica (1812), indo do mais simples para o mais complexo, do mais indeterminado, para o mais determinado.

O termo dialética já estava presente nos filósofos gregos, como Platão e Heráclito como método, mas para Hegel dialética não é apenas isso, mas sim o próprio movimento da realidade. Os momentos da dialética, popularmente conhecidos como Tese, Antítese e Síntese, Hegel os denomina como:

A lógica tem, segundo a forma, três lados: a) o lado abstrato ou do entendimento; b) o dialético ou negativamente-racional; c) o especulativo ou positivamente racional.” (Hegel, 1977, p.160) 

No primeiro momento, o da tese, chamado por Hegel de lado abstrato ou do entendimento, é o momento do conhecimento que abstrai conceitos e se mantem em suas determinidades, não relacionando conceitos opostos, apenas abstrai aquilo que é contrário e se mantém em suas determinações mais imediatas. (Hegel, 1977, § 80).

O segundo momento da dialética hegeliana, chamado de antítese, denominado por Hegel de momento dialético ou negativamente racional, é o momento das contradições e da negatividade. É o momento de conflito das teses opostas (Hegel, 1977, § 81). No terceiro momento, a síntese, ou momento positivamente racional é conhecido também do original alemão como Aufhebung (suprassumir), isto é, negar, conservar e elevar. A síntese é o momento de unidade dos opostos presentes na tese e na antítese (Hegel, 1977, § 82). Sendo que para Hegel os 3 momentos formam um todo lógico que constrói a estrutura da realidade, são 3 momentos do todo e não apenas 3 momentos da lógica. 

Esses três lados não constituem três partes da Lógica, mas são momentos de todo [e qualquer] lógico-real, isto é, de todo conceito ou de todo verdadeiro em geral. Eles podem ser postos conjuntamente sob o primeiro momento – o do entendimento – e por isso ser mantidos separados uns dos outros; mas, desse modo, não são considerados em sua verdade. A indicação que aqui é feita sobre as determinações do lógico – assim como a [sua] divisão- está aqui somente [numa forma] antecipada e histórica. (Hegel, 1977, § 79)

Outra concepção Hegeliana importante que Marx adota é a de realidade. Para Hegel a realidade é sujeito, é espírito. O autor assume o princípio da contradição, não no sentido dos contraditórios, mas dos contrários (Dessa maneira Hegel não fere o princípio da não contradição da lógica Aristotélica). Tudo está se formando, se transformando, tudo é vir a ser (essa ideia já estava presente em Heráclito), tudo está em movimento (Hegel, 1992, §02). Assim de tais concepções Marx elabora a forma segundo a qual as categorias de análise da realidade não são meras concepções ideias do pensamento abstrato, mas sim representações da própria dinâmica do Ser, isto é, da realidade material, inserida em relações histórico-sociais.

III. O método marxista na relação Sujeito-Objeto do campo teórico

Marx não considera que a análise teórica esgota aquilo que é o fenômeno, pois a aparência ao mesmo tempo que revela, oculta a concretude do objeto de análise. Portanto o movimento intelectual do sujeito (pesquisador), deve ser buscar partir da aparência dos fenômenos para encontrar sua verdadeira essência, como dizia Marx, “se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”. Assim, não é o pesquisador que atribui ao objeto de análise suas categorias determinantes, e sim o contrário, o objeto que apresenta ao pesquisar suas próprias determinações. O que o sujeito faz é extrair essas categorias.

Portanto a forma de se fazer teoria em Marx, se resume a relação:

Sujeito ←Objeto

Sendo que o objeto se decompõe em: 

Essência
Aparência

O objeto no nível abstrato em relação ao sujeito, projeta nele sua aparência, cabendo ao pesquisador, desvelar suas concretudes à medida que se aprofunda na análise do próprio objeto. O objeto determina o conteúdo do conhecimento sobre si dentro do sujeito.

Devemos entender também que em Marx:

Ser=Objeto=Movimento

Esta é uma das pressuposições hegelianas já apresentadas acima.

O Ser (objeto) é movimento auto dinamizado pelas suas próprias contradições, e estas contradições trazem luz às suas especificidades, determinações, categorias do objeto. Sendo que Marx entende que o Ser ou objeto, embora seja unitário, não é identitário, “O último método [dialético] é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método (hegeliano), a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento.” (MARX, 1985, p.14). Entretanto diferentemente de Hegel que entendia o movimento dialético, como o movimento do espírito “Geist” (ideia, pensamento, conceito) na História, Marx pressupõe o movimento do real, concreto, em toda a realidade material, e sua influência na mente dos homens. Tudo isso de maneira contraditória, com rupturas e superações.

[…] Na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. (Marx, 2014)

Portanto a concepção teórica deve se limitar a inferir tendências e não prever o futuro como os economistas da economia positiva, como Friedman, afirmam, Para Marx devemos reconhecer os limites históricos do conhecimento.

Enquanto para Friedman “A ideia de teoria completamente realista é, naturalmente, pelo menos em parte Ilusória” (1953, p. 28), o marxismo entende que a realidade só pode ser apreendida a partir de si, e, portanto, o ponto de partida deve coincidir com o resultado pois no campo teórico a consciência sobre a realidade concreta forma uma unidade indissociável de objetividade e subjetividade, que é ao mesmo tempo reflexão e projeção. Friedman acreditava que o conhecimento pode ser entendido no campo teórico entre a relação pesquisador (sujeito cognoscente) e objeto que pode ser conhecido (cognoscível) através das abstrações da mente do pesquisador, formulando modelos teóricos fruto de pressuposições que não precisam necessariamente condizer com a realidade, contudo essa visão decorre principalmente de dois erros fundamentais na visão marxista sobre o método de Friedman.

Primeiramente Friedman não está teorizando em cima do objeto concreto, suas pressuposições teorizam em cima de suas próprias impressões sobre a realidade, Friedman teoriza sobre sua própria mente. Isso ocorre pelo fato de o economista estadunidense não lidar com a questão entre consciência e realidade. No método de Friedman, sobretudo em seu “as if” (“como se”), é a consciência que produz a realidade, as implicações e impressões do pesquisador, moldam o comportamento do objeto. Para Marx o modo correto é justamente o contrário. A realidade ao invés de produto da consciência, e justamente a produtora da própria consciência dos homens, no marxismo o método se mantém pela concreticidade do real a partir da ordem material das coisas e não pela especulação idealista subjetiva. Dessa forma Friedman, na concepção marxista, se mantém ao nível da aparência do objeto, dentro de sua própria consciência, nunca desvelando sua concretude material, como aponta Kosik (2002)

O conhecimento se realiza como separação de fenômeno e essência, do que é secundário e do que é essencial, já que só através dessa separação se pode mostrar a sua coerência interna, e com isso, o caráter específico da coisa. Neste processo, o secundário não é deixado de lado como irreal ou menos real, mas revela seu caráter fenomênico ou secundário mediante a demonstração de sua verdade na essência da coisa. Esta decomposição do todo, que é elemento constitutivo do conhecimento filosófico – com efeito, sem decomposição não há conhecimento – demonstra uma estrutura análoga à do agir humano: também a ação se baseia na decomposição do todo. (KOSIK, 2002, p.18)

O segundo erro fundamental de Friedman é agravado pelo primeiro, é a noção de que as teorias devem ser avaliadas unicamente pela sua capacidade de predição do futuro. O senhor Friedman acredita que fazer ciência é saber como prever o futuro, isso seria cômico caso não fosse trágico para a ciência econômica como um todo este tipo de pensamento ter tamanho nível de aceitação.

Ora se como já expusemos aqui, se o doutor Friedman ao invés de estar teorizando, como de fato acreditamos, não sobre o objeto de análise, seja qual for, independente sobre o que seja, usando o mesmo método incorrera sempre nos mesmos erros, mas sim sobre suas próprias abstrações mentais, o que Friedman estará prevendo não será o movimento do objeto na realidade, mas sim o movimento abstrato da sua ideia em sua própria mente, isto tudo delimitado por seu recorte social, como já apontava Marx (1985, p.25): “O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”.

Portanto vemos de que forma o senhor Friedman, de acordo com a concepção metodológica marxista, incorre em erros fundamentais que o fazem nem sequer sair de seu próprio nível de abstração ideal mental, para ir à realidade e verdadeiramente conhecê-la, impossibilitando o uso de seu método como um bom instrumento de fazer ciência.

IV. Conclusão

Diante do exposto acima, podemos perceber como o método Friedmaniano da economia positiva é falho quando analisado por uma ótica dialética. Se limitando somente a analisar as teorias econômicas em função da sua precisão preditiva, nem mesmo se preocupando se suas pressuposições são factualmente verificáveis na realidade concreta. Friedman e os demais economistas que adotam este método pensam estar alinhados com os demais campos do conhecimento, em especial as ciências naturais, das quais o senhor Friedman se apoia para defender sua visão científica instrumentalista.

Ocorre que a economia, gostem os economistas do método positivo ou não, é uma ciência social, tanto quanto a sociologia, e isso não se constitui em mérito ou demérito algum, é apenas um fato, dentro de tantos outros que estes economistas gostam de negar. E como ciência social, a economia deve possuir uma forma diferente de interpretar e analisar a sociedade em que vivemos (capitalista no presente momento). Deve adotar um método que não negue a historicidade do indivíduo e do sistema produtivo, que não negue os conflitos que o modo de produção gera na sociedade e nem as contradições provenientes desses conflitos.

O método da economia, para ser eficiente deve ser objetivo, não subjetivo-idealista, pois o mundo está dado, devemos entendê-lo como ele se apresenta e não como gostaríamos que fosse, e nisso concordamos com o início do texto do doutor Friedman. Cabe ao cientista social entender a realidade do mundo para transformá-lo ou para lutar contra aqueles que almejam fazê-lo.

Referências bibliográficas:

BLAUG, Mark; LIMA, Afonso Santos. Metodologia da economia ou como os economistas explicam. Ed. Usp, 1993.

BOLAND, Lawrence A. A critique of Friedman’s critics. Journal of Economic literature, v. 17, n. 2, p. 503-522, 1979.

CALDWELL, Bruce (1984). Beyond Positivism: Economic Methodology in the Twentieth Century. London: Allen & Unwin.

FILGUEIRAS, Luiz Antonio Mattos. Economia política versus economia positiva: proposta de um antimanual de introdução à economia. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, 2018.

FRIEDMAN, Milton (1981) [1953]. A Metodologia da Economia Positiva. Edições Multiplic, Vol. 1, No 3. (Trad. Leônidas Hegenberg).

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopedia das ciências filosóficas I-A ciência da lógica. Edições Loyola, 1977.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. 1992.

KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 7º Edição, 2002.

LÊNIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo (1913). Disponível em http: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm. Acesso em dez. 2023.

LÊNIN, V.I. Cadernos sobre a dialética de Hegel. Tradução de José Paulo Netto. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011. (Pensamento Crítico, 16).

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. História. Florestan Fernandes. (Org.). Trad. Florestan Fernandes. 3ª ed. São Paulo: Ática. 1989. p.119 (Coleção Grandes Cientistas Sociais).

MARX, K. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural. Coleção os Economistas, 1985.

Karl Marx. Contribuição à crítica da economia política. EDITORA EXPRESSÃO POPULAR; 1ª edição (31 dezembro 2014).

MÄKI, Uskali. ‘The methodology of positive economics’(1953) does not give us the methodology of positive economics. Journal of Economic Methodology, v. 10, n. 4, p. 495-505, 2003.

*Matheus Silva é economista Marxista e militante da UP.

Compartilhe:

Deixe um comentário