A libertação da mulher

Por Guillermo Lora, via marxists.org, traduzido por Beatriz Contelli

“A experiência histórica demonstra que mesmo o proletariado que luta contra a exploração na sociedade atual não é consciente da opressão que a mulher sofre como dona de casa, mãe e esposa. Sem falar no campesinato: a escravidão da mulher do campo, não apenas nas famílias pobres, mas também nas camadas médias, é mais grave que a pior das servidões.” – L. Trotsky 

Posição do marxismo diante ao problema da opressão da mulher

Friedrich Engels escreve em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” que “o fator decisivo da história é, no fim das contas, a produção e a reprodução da vida imediata. A ordem social em que os homens vivem em uma determinada época e país, está condicionada por estas duas espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família, por outro. Quanto menos desenvolvido está o trabalho, mais restringida é a quantidade de seus produtos e, consequentemente, a riqueza da sociedade, a influência dominante dos laços de parentesco no regime social se demonstra ainda mais forte. No marco deste desmembramento da sociedade baseada nos laços de parentesco, a produtividade do trabalho aumenta sem cessar, e com ela se desenvolvem a propriedade privada e a troca, a diferença de fortuna, a possibilidade de empregar força de trabalho estrangeira e, com isso, a base dos antagonismos de classe. A sociedade antiga, baseada nas uniões gentílicas, é fruto do embate entre as classes sociais e seu lugar é ocupado por uma nova sociedade organizada em Estado; se trata de uma sociedade em que o regime familiar está completamente submetido a relações de propriedade em que se desenvolvem livremente as contradições de classe e a luta de classes”.

O desenvolvimento das forças produtivas, a conquista do excedente de produção e as modificações da propriedade privada, têm determinado as transformações dos matrimônios por grupos, sindiásmicos, poligâmicos e monogâmicos. 

A função da mulher de carregar o filho em seu ventre e criá-lo, agravou sua situação de dependência e submissão ante o império da propriedade privada. Continuou sendo subjugada de diversas maneiras pelo proprietário do sexo masculino.

“A derrubada do direito materno/matriarcado foi a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem também tomou as rédeas na casa; a mulher se viu degradada, convertida em servidora, em escrava da injúria do homem, em um simples instrumento de reprodução. Esta condição baixa da mulher, que se manifesta principalmente entre os gregos dos tempos heróicos, e mais ainda dos tempos clássicos, tem sido gradualmente reforçada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de formas mais suaves, mas não, longe disso, abolida”. (Engels)

Toda a superestrutura ideológica, imposta na sociedade para justificar e defender as diversas formas de propriedade privada, também santificou a opressão da mulher pelo homem e a considerou sua propriedade. A religião – principalmente a católica – desempenhou um papel nefasto neste campo. Considerava a mulher como uma criatura diabólica, causadora da perdição do homem. Nem mesmo suas ações mais radicais ousaram emancipar a mulher da tutela do homem. Das culturas antigas da China, da Índia, etc, temos herdado a coisificação da mulher, cuja submissão ao homem era apresentada como algo inevitável. 

A mãe de Telêmaco – na “Odisséia” de Homero – tinha que obedecê-lo, pois foi oferecida em casamento a um de seus pretendentes caso seu marido não retornasse. 

Ifigenia, dolorida, relata a situação da mulher. “A mulher é o ser mais infeliz entre os humanos. Se a fortuna acompanha o homem, este vence e conquista a glória no campo de batalha; se os deuses o abandonam, cai o primeiro dos seus, e morre com honra. Enquanto a felicidade da mulher está submetida ao capricho dos outros, principalmente de estranhos, e se o infortúnio persegue os seus, o vencedor o arrasta para longe das ruínas, através do sangue de seus amados mortos”. 

Com a feminista – não simpatizante do comunismo – Adela Zamudio, as lamentações se transformaram em protestos e desafios. 

Na obra de Augusto Bebel, “A mulher, no passado, no presente e no futuro”, é apresentado que o Concílio de Mácon, da igreja católica, “discutiu se as mulheres teriam alma e se eram seres humanos, resolvendo a questão por escassa maioria. A mulher não é um ser objetivo e não subjetivo? Usa e abusa dela como se fosse um objeto qualquer. Resulta que até os dias de hoje a mulher vive em dependência; que as formas de opressão se modificaram, mas que a sujeição continua”. 

A mulher se juntou ao movimento cristão quando este surgiu como a rebelião contra a sociedade imperante, formado pelas camadas mais pobres, pensava que seria um meio para emancipar-se. Mas o cristianismo a recompensou mal. 

Conversou na sua doutrina o mesmo desprezo pela mulher que predominava nas antigas religiões do Oriente: a deixou reduzida à condição de serva do homem e ainda hoje a obriga a jurar obediência diante do altar. 

Já na história da criação se ordena que a mulher se submeta ao homem. Os dez mandamentos do Antigo Testamento se referem, principalmente, ao homem, mencionando a mulher apenas no nono mandamento, comparada aos criados e animais domésticos. A mulher era como um móvel, adquirida por dinheiro ou em troca de serviços prestados. 

Pertencente de uma seita que impunha a mais absoluta abstinência, sobretudo nas relações sexuais, Jesus desprezava o matrimônio e clamava: Há homens que são eunucos desde o ventre de suas mães; há homens que se tornaram eunucos pelas mãos de outros; há outros, por fim, que se fizeram eunucos por eles mesmos, em busca do reino dos céus. Durante as bodas de Canaã, respondeu a sua mãe, que implorava humildemente por sua ajuda. “Mulher, o que há em comum entre você e eu?” 

Não se pode compreender a abstinência e o celibato sem a ajuda de Pablo, que disse: O matrimônio é um estado inferior. É bom se casar, mas é melhor não se casar. Viva do seu espírito e resista aos desejos da carne. A carne conspira contra o espírito e este conspira contra a carne. O que Cristo conquistou para ele, eles modificaram sua carne com suas paixões e desejos. O ódio à carne é o ódio à mulher. 

O catolicismo, como toda religião, é o apoio e o instrumento do capitalismo opressor. Na longa e tortuosa evolução da sociedade, aparece o amor sexual individual, que se pretende identificar com a monogamia, desvirtuada pelo capitalismo que a conecta com a prostituição. 

Na “Ideologia Alemã”, Karl Marx afirma que “a primeira divisão do trabalho é aquela feita entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos”. Complementado anos mais tarde por Engels: o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino. A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, aquele período, que dura até nossos dias, no qual cada progresso é simultaneamente um retrocesso relativo, e o bem-estar e o desenvolvimento de uns se verificam às custas da dor e da repressão de outros. É a forma celular da sociedade civilizada, na qual já podemos estudar a natureza das contradições e dos antagonismos que atingem seu pleno desenvolvimento nessa sociedade.

Uma das conclusões fundamentais do marxismo reforça que “o problema da mulher não se constitui senão em um aspecto da questão social geral e que aquele problema não pode ter solução definitiva enquanto este não a tiver” (Bebel). 

Isto significa um fenômeno histórico em constante transformação, consequência do desenvolvimento das forças produtivas. A escravidão da mulher aparece em determinado momento da evolução da sociedade e desaparecerá quando a exploração do homem pelo homem for superada. 

O aprisionamento da mulher ao lar, sua submissão ao dono da casa, não se limita à trabalhadora, à camponesa ou à classe média, mas abrange também a burguesa, vítima preferida da coisificação. 

A partir desta evidência, vemos que o problema da mulher faz parte da luta de classes, expressão decorrente do choque entre as forças produtivas e as relações retrógradas de produção e propriedade privada. Pode-se concluir que o destino das mulheres é inseparável da luta de classes e da luta de libertação liderada pelo proletariado. 

Identificamos o objetivo da libertação da mulher com os objetivos da classe proletária, por isso afirmamos que “o que é justo para a classe trabalhadora deve ser justo para a mulher, que, oprimida, algemada, zombada e tratada injustamente, deve defender-se e apropriar-se de todas as armas para alcançar sua liberdade”. 

Concluímos que a inferioridade da mulher é consequência da exploração do homem pelo homem e que o desaparecimento desta permitirá a libertação feminina. Para os clássicos do marxismo se trata de “uma parte do problema social, do problema dos trabalhadores, unidos pela luta proletária e pela revolução”. Lênin acrescentou que “o êxito de uma revolução depende do grau de participação das mulheres”. 

Setores radicais da classe dominante e da pequena burguesia têm apresentado uma particular e caprichosa interpretação sobre o problema da mulher. O marxismo critica essa postura e afirma sua linha política, opondo-se a eles com sua própria resposta no quadro da luta de classes.

O feminismo burguês sustenta que a questão da mulher – sua submissão e escravização pelo homem – são fenômenos estranhos à luta de classes e dizem respeito somente ao sexo feminino. Defendem que a luta das mulheres seja direcionada aos homens em geral, vistos como inimigos jurados do sexo feminino. 

O feminismo burguês considera possível a emancipação da mulher, o alcance da sua igualdade perante o homem, dentro da sociedade capitalista, recorrendo a reformas da ordem jurídica, com ajuda do Parlamento. A igualdade entre o homem e a mulher é apresentada como um progresso da democracia formal, inexistente em nosso país e sem possibilidades materiais de florescimento. 

O feminismo burguês esquece-se que a lei reflete a vontade da classe dominante – na Bolívia, da miserável burguesia nativa serva do imperialismo – e perpetua uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem. 

O feminismo burguês começou suas ações propondo o direito ao voto e hoje dá muita ênfase a questões relacionadas à vida sexual – estudadas à parte da vida social e em pequenos círculos intelectuais. 

As tendências revisionistas do marxismo são influenciadas pelo feminismo de desvio pequeno-burguês. É fácil compreender que a educação política das massas é inseparável de um correto planejamento da libertação da mulher do seu atual estado de escrava do lar e do homem. 

A sociedade capitalista e o problema da mulher

No Manifesto Comunista é apresentada a posição marxista diante do problema da família e da mulher no capitalismo. “Em que se baseia a família atual, burguesa? No capital, no lucro privado. Na sua plenitude, ela existe apenas para a burguesia; mas encontra seu complemento na ausência forçada de família entre os proletários e na prostituição. A família burguesa desaparece naturalmente com o desaparecimento desse complemento, e ambos desaparecem com a abolição do capital. Vocês nos acusam de desejar abolir a exploração das crianças pelos pais? Nós confessamos esse crime. Mas, a sua educação também não é determinada pela sociedade? Por acaso vocês não educam através de relações sociais, através de ingerência direta ou indireta da sociedade, com ajuda das escolas, etc? Os comunistas não inventaram a interferência da sociedade na educação; eles apenas modificam seu caráter e tiram a educação da influência da classe dominante. O palavrório burguês sobre família e educação, sobre a relação estreita entre pais e filhos, torna-se tanto mais repugnante quanto mais a grande indústria rompe todos os laços familiares dos proletários e as crianças são transformadas em simples artigos de comércio e instrumento de trabalho”. 

Trotsky, em resposta à revista Liberty, em 1933, se referiu a estes problemas: “A educação das crianças sempre e em todos os lugares esteve ligada à propaganda. A educação no espírito da religião também é propaganda; ninguém se recusará a admitir que São Paulo foi um dos maiores propagandistas. Ninguém pode negar que a educação das crianças soviéticas também é propaganda. A diferença é que nos países burgueses é uma questão de injetar na criança o respeito por antigas instituições e ideias que são tidas como certas. Na URSS, é uma questão de novas ideias e, portanto, a propaganda salta aos olhos. Aqueles pais e professores que se dedicam à velha sociedade gritam contra a ‘propaganda’. Se um Estado deseja construir uma nova sociedade, por onde começar senão pela escola? ‘Será que a propaganda soviética roubou a alegria da infância?’ As crianças soviéticas brincam, cantam, dançam e choram como todas as outras crianças. O cuidado incomum do regime soviético com a criança é admitido até mesmo por observadores mal intencionados. É verdade, às crianças soviéticas não é dito nada sobre o pecado original e o Paraíso. Neste sentido, pode-se dizer que as crianças são roubadas das alegrias da vida após a morte. Não sendo especialista nestes assuntos, não me atrevo a julgar a extensão da perda. Ainda assim, as dores desta vida têm uma certa precedência sobre as alegrias da vida futura. Se as crianças absorverem a quantidade necessária de calorias, a abundância de sua força vital encontrará razões suficientes para a alegria”. 

Seguimos com o Manifesto

“Toda a burguesia grita em coro: ‘Vós, comunistas, quereis introduzir a comunidade das mulheres!’ Para o burguês, sua mulher nada mais é que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum, conclui naturalmente que haverá comunidade de mulheres. Não imagina que se trata precisamente de arrancar a mulher de seu papel atual de simples instrumento de produção. Nada mais grotesco, aliás, que a virtuosa indignação que, a nossos burgueses, inspira a pretensa comunidade oficial das mulheres que adotariam os comunistas. Os comunistas não precisam introduzir a comunidade das mulheres. Esta quase sempre existiu. Nossos burgueses, não contentes em ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituição oficial, têm singular prazer em cornearem-se uns aos outros. O casamento burguês é, na realidade, a comunidade das mulheres casadas. No máximo, poderiam acusar os comunistas de querer substituir uma comunidade de mulheres, hipócrita e dissimulada, por outra que seria franca e oficial. De resto, é evidente que, com a abolição das relações de produção atuais, a comunidade das mulheres que deriva dessas relações, isto é, a prostituição oficial e não oficial, desaparecerá”. 

A crítica contundente aos clássicos da família burguesa foi inspirada nos escritos do socialista utópico Charles Fourier, um dos maiores satíricos de todos os tempos, segundo Engels. 

“O adultério e a sedução honram o sedutor, são vistos de bom tom. Mas, pobre menina! O infanticídio é considerado um crime atroz. A menina seduzida precisa apagar os rastros de sua desonra e sacrificar seu filho aos preconceitos do mundo, a ignomínia que cai nele é ainda maior e está exposto aos preconceitos da lei… Tal é o círculo vicioso que descreve todo mecanismo civilizado. Afinal, as jovens não são vistas como mercadorias oferecidas a quem queira adquirir a propriedade exclusiva sobre ela? As mudanças de uma época histórica podem determinar o progresso da mulher diante da liberdade, uma vez que é na relação entre homem e mulher, entre o forte e o fraco, que se evidencia a vitória da natureza humana sobre a brutalidade. A emancipação feminina integra a emancipação geral. A humilhação do sexo feminino é uma característica da civilização e da barbárie, com a diferença que a ordem civilizada trata os vícios da barbárie de forma equivocada e hipócrita. Ninguém paga mais caro do que o próprio homem por manter a mulher na escravidão”. 

Como lido acima, Fourier foi o primeiro a proclamar que o grau de emancipação das mulheres depende do grau de emancipação de toda a sociedade. A situação da mulher no capitalismo é lamentável e podemos apresentá-la da seguinte maneira: 

De maneira geral, as mulheres – burguesas, de classe média, proletárias e camponesas – seguem sendo escravas do lar. Condenadas a criar os filhos e a atender às necessidades do marido e da casa, além de todas as obrigações da vida diária. 

O capitalismo, por meio da escola e da igreja, se esforça em converter a mulher em uma boa dona de casa. Considera que a mesma nasceu para isso e, com a ajuda da religião, impõe a ideia que deve obediência ao marido. 

A situação das trabalhadoras e das camponesas é desesperadora. Karl Kautsky, quando ainda era marxista, escreveu:

“O modo de produção capitalista não supre as necessidades do trabalhador em organizar sua vida particular, pelo contrário, rouba todos os aspectos positivos da sua vida, restando apenas os lados sombrios, principalmente a exaustão da mulher e seu isolamento da vida social. Hoje em dia, nem mesmo o trabalho na fábrica liberta a mulher do trabalho doméstico”. 

Os capitalistas, movidos por suas ganâncias, atuam como os maiores destruidores da família trabalhadora: 

“Alguns proprietários de escravos separavam os maridos de suas esposas e tiravam os adolescentes em idade para trabalhar de seus pais; os capitalistas tiram os bebês de suas mães e dão para que desconhecidos os eduquem; a cada dia, milhares de crianças chegam em instituições de caridade, cujo papel é separá-los de suas mães” (Kautsky). 

Alexandra Kollontai desmascarou os defensores da família burguesa:

“Apesar de todo o horror dos eventos cotidianos, os hipócritas burgueses defensores da família atual continuam cantando com entusiasmo o hino do ‘sagrado papel da mãe’ e empreendem uma cruzada contra o trabalho profissional das mulheres. O sagrado dever da maternidade! Mas como esse papel pode manifestar-se na mulher da classe trabalhadora, quando levamos em conta as condições do trabalho assalariado feminino? Como prover os indispensáveis cuidados à saúde da criança, aquelas mínimas condições de higiene para salvaguardar a vida do bebê? A mortalidade infantil, especialmente no primeiro ano, atinge proporções espantosas no proletariado”. 

A família burguesa se dissolve, mas a mulher segue sendo a escrava do lar. Isto acontece em meio ao crescimento descomunal das forças produtivas e do avanço surpreendente da tecnologia. Existem condições materiais e econômicas que permitem a substituição da atividade individual-familiar pelo trabalho social maquinizado; essa transformação necessária é impedida pela conservação da grande propriedade privada burguesa. É útil consultar os escritos de Lênin e Trotsky sobre o assunto, principalmente em A Revolução Traída

As mulheres trabalhadoras e camponesas, além de escravas do lar, se veem obrigadas a trabalhar nas fábricas e nos campos. Estão submetidas a uma dupla exploração – apesar dos burgueses não enxergarem o trabalho doméstico – e assim sua escravização é agravada. A mulher trabalhadora recebe salários pequenos pelo seu cansativo e embrutecedor trabalho na fábrica, e o trabalho da camponesa é incorporado aos produtos agropecuários. Mas o exaustivo trabalho no lar não é pago, nem reconhecido. Essa dupla exploração se transforma na destruição física da mulher, seu envelhecimento e morte prematuros. 

A que preço a propriedade privada dos meios de produção sobrevive! O matrimônio atual é a negação do amor sexual pessoal e está degradado pelas leis do mercado, visto como um mero contrato. É aqui que aparece a coisificação da mulher: é um objeto que se aluga ou vende, que tem um preço. 

“Certamente os nossos jurisconsultos acham que o progresso da legislação vai tirando cada vez mais às mulheres qualquer razão de queixa. Os sistemas legislativos dos países civilizados modernos vão reconhecendo, progressivamente, que, em primeiro lugar, o matrimônio, para ser válido, deve ser um contrato livremente firmado por ambas as partes, e, em segundo lugar, que durante a sua vigência as partes devem ter os mesmos direitos e deveres. Quanto ao matrimônio, mesmo a legislação mais progressista dá-se por inteiramente satisfeita desde o instante em que os interessados fizeram inscrever formalmente em ata o seu livre consentimento. O que se passa fora dos bastidores do tribunal, na vida real, e como se expressa este consentimento, não são questões que cheguem a inquietar a lei ou o legislador. Entretanto, a mais simples comparação entre as legislações de países diversos pode demonstrar ao jurista o que representa esse livre consentimento. Não é melhor o estado de coisas quanto à igualdade jurídica do homem e da mulher no casamento. A desigualdade legal, que herdamos de condições sociais anteriores, não é causa e sim efeito da opressão econômica da mulher. Só a grande indústria de nossos dias lhe abriu de novo — embora apenas para a proletária — o caminho da produção social. Mas isso se fez de maneira tal que, se a mulher cumpre os seus deveres no serviço privado da família, fica excluída do trabalho social e nada pode ganhar; e, se quer tomar parte na indústria social e ganhar sua vida de maneira independente, lhe é impossível cumprir com as obrigações domésticas. A família individual moderna baseia-se na escravidão doméstica, franca ou dissimulada, da mulher, e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias individuais” (Engels). 

É a lei que dá aos homens uma posição preponderante, que eles já usufruem no campo econômico. “Na família, o homem é o burguês e a mulher representa o proletário”. Quando o homem e a mulher tiverem direitos absolutamente iguais, “então é que se há de ver que a libertação da mulher exige, como primeira condição, a reincorporação de todo o sexo feminino à industria social, o que, por sua vez, requer a supressão da família individual enquanto unidade econômica da sociedade” (Engels). 

Isto significa que a alimentação, a limpeza da roupa, a educação das crianças – que atualmente são obrigações da mulher – passem às mãos do trabalho social, através de grupos especialistas. 

Segundo Kollontai, as feministas “de direita” propõem superar a lamentável situação da mulher com duas medidas: 

  1. A substituição do matrimônio religioso pelo matrimônio civil, para facilitar o divórcio; 
  2. A possibilidade de separação de bens entre os cônjuges. 

Em muitos países essas demandas já estão em prática, mas não possibilitaram a libertação da mulher. 

“A partir do ponto de vista de que a estrutura econômica e social existente é imutável, as progressistas desejam unicamente contribuir com algumas correções que não afetam de nenhuma maneira as raízes da família burguesa. As propostas têm como fim não apenas melhorar a relação entre pessoas unidas por laços legais de matrimônio, mas também solidificar e viabilizar a atual estrutura familiar. O matrimônio e a família são instituições tão sagradas e intocáveis como a propriedade privada. As feministas de direita se posicionam como grandes defensoras de tudo isso, tentando livrar a família e o casamento dos elementos que contrariam o princípio da igualdade dos sexos e que causam os principais danos aos interesses materiais das mulheres” (Kollontai). 

As feministas burguesas ‘esquerdistas’ – geralmente constituídas por intelectuais – não se interessam pelas questões materiais do matrimônio, pela sua reforma ou progresso, diante da facilidade do divórcio. Kollontai acerta ao criticar que “o matrimônio legalizado é, antes de tudo, uma forma de encontrar alguém permanente que alimente a mulher e a mantenha na posse do esposo”. 

Isso explica porque certas feministas se opõem à campanha da reforma da legislação matrimonial a favor do “amor livre”, da “união livre”. Kollontai explica que o debate surgiu pela primeira vez no começo do século XIX pelos socialistas e segue sendo a pauta principal de alguns movimentos feministas. Declarando guerra à hipocrisia da moral, elas lutam contra as massas de burgueses enfurecidos. “Abaixo à regulamentação oficial das uniões entre amantes, abaixo às cerimônias e formalidades! O único vínculo que consagra a união é o amor. A questão da família só se resolverá quando as mulheres poderem seguir seu coração sem se preocupar com os preconceitos burgueses”. 

Os marxistas respondem que se tomamos em consideração que o fator determinante da atual modalidade de matrimônio e de família é a propriedade privada, não se pode esperar que o amor livre seja reconhecido por todos. Muitas vezes caímos no erro de confundir casos individuais com os problemas sociais de todas as classes. 

O amor livre, que pode responder às necessidades de uma minoria de mulheres burguesas ou pequeno-burguesas, acabaria piorando a já insustentável situação material e familiar do sexo feminino. O amor – a união entre os sexos – será livre de mesquinharias e influências distorcidas somente com a destruição da grande propriedade privada burguesa dos meios de produção, após reformas radicais no terreno das relações sociais, “reformas em que as obrigações da família recairiam sobre a sociedade e o Estado. Mas, podemos acreditar que o Estado classista atual, por mais democrática que seja sua reforma, está disposto a assumir todas as obrigações referentes à mãe, à geração jovem e as demais obrigações que recaem na família como célula individual? Só uma transformação radical das relações produtivas pode criar as condições sociais indispensáveis para proteger a mulher dos aspectos negativos derivados da fórmula frágil do amor livre. Não percebemos a confusão e os distúrbios sexuais que se escondem nas circunstâncias atuais?

A luta feminista pelo amor livre desvia do objetivo da transformação radical da sociedade, pois contribui para a manutenção do capitalismo e se aproxima do pensamento reacionário. 

Lênin – em suas cartas para Inês Armand, em 1915 – sustenta que o slogan do “amor livre” não corresponde ao ponto de vista do proletariado, que propõe a libertação feminina e a superação da família atual por meio da revolução proletária. O revolucionário considera que o amor livre não é a resposta adequada aos problemas materiais e religiosos, aos preconceitos da sociedade e aos “obstáculos da lei, dos tribunais e da polícia”. Complementa que “na sociedade atual, as classes mais ‘bem vistas’ compreendem por ‘amor livre’ os problemas que vão ‘das graves consequências do amor’ à tolerância do adultério”. 

O proletariado está interessado nos problemas materiais, nos preconceitos e complicações religiosos. Entende que o problema da família está ligado a relações objetivas de classes e não em desejos subjetivos e que, por isso, o “amor livre” apareceria como uma exigência burguesa. 

Inês Armand demonstra a essencialidade do seu pensamento em: “Mesmo paixões e relações fugazes são mais poéticas e limpas do que os beijos sem amor dos cônjuges”. 

Lênin responde: “Essa oposição é lógica? Os beijos dos esposos sem amor são sujos. Estou de acordo. A isso é preciso opor… o quê?… Talvez beije com amor. Mas tu opõe uma ‘paixão’ (por que não amor?) ‘passageira’ (por que fugaz?): resulta, segundo esta lógica, como se beijos sem amor se opusessem aos beijos sem amor de alguns esposos… coisa estranha. Não é melhor, para um panfleto de divulgação, contrapor a imoralidade e a sujeira do matrimônio pequeno-burguês-intelectual sem amor com o casamento civil proletário com amor, acrescentando que mesmo a paixão e os relacionamentos fugazes podem tanto sujos quanto limpos?” 

Em uma conversa com Clara Zetkin, Lênin reitera seu interesse sobre a libertação da mulher: “Não basta reformar as relações sexuais e o matrimônio em um sentido burguês. Se prepara uma revolução sexual e matrimonial, que corresponda à revolução proletária. É lógico que esses problemas complexos interessem especialmente às mulheres e à juventude, visto que ambas são as primeiras vítimas do falso regime sexual atual. A juventude se rebela contra esse abuso com todo o seu ímpeto. E é compreensível. Nada seria mais falso do que pregar o ascetismo monástico e a santidade moral burguesa aos jovens. A coerção do matrimônio burguês e as leis que regem a família dos Estados burgueses aguça os males e os conflitos. É a coerção da ‘santa propriedade’ que santifica a venalidade, a vileza e a sujeira. A hipocrisia convencional da honesta sociedade burguesa se encarrega do resto. As pessoas buscam satisfação em seus anseios contra a ordem repugnante e antinatural que impera. Em tempos como estes, em que se derrubam reinos poderosos, em que antigas instituições desabam e em que todo um mundo social ameaça desmoronar, os sentimentos individuais se transformam rapidamente e os desejos e as ânsias de mudança correm soltas com muita facilidade”. 

A sociedade atual relega a mulher a segundo plano, a trata como subalterna, situação lamentável que vem se arrastando desde épocas passadas. A resposta é a luta pela total igualdade entre os sexos feminino e masculino, que se dará – repetimos mais uma vez – quando a sociedade capitalista seja transformada radicalmente e se instaure o comunismo. 

Na fábrica, a proletária pode realizar trabalhos iguais aos do homem, mas seu salário sempre será menor. O antigo slogan “salário igual para trabalho igual” não perdeu relevância. As leis estabelecem a igualdade do salário, mas os patrões sempre tiram vantagem da força e do trabalho das mulheres. 

A maternidade está “legalmente” amparada, mas o empregador se nega a contratar mulheres grávidas. A mulher é mais explorada do que o homem nas fábricas. A discriminação alcança outras classes sociais. A camponesa realiza, junto ao homem, todos os trabalhos no cultivo agrícola e no cuidado dos animais, mas não é vista como a protagonista do lar e não tem autoridade. 

Conhecemos muitas fábricas em que as mulheres são maioria, mas os sindicalistas dominavam e o secretário geral tinha que ser homem, isso com a complacência do patrão.

Outras profissionais e empresárias também são prejudicadas pela discriminação. De maneira sistemática, são empurradas a segundo plano, tudo embaixo da sociedade que se sustenta com a grande propriedade privada burguesa dos meios de produção. 

A mulher escravizada, encarcerada no lar, discriminada por séculos e séculos, muitas vezes se soma a movimentos revolucionários em busca de sua libertação e acaba desenvolvendo grande astúcia. 

Libertação da mulher atualmente escravizada 

Podemos resumir o exposto anteriormente nos seguintes pontos: 

  1. A libertação da mulher, atualmente encarcerada no lar, escravizada pelo marido e discriminada em todos os aspectos, só será possível com o desaparecimento da ordem social capitalista, da grande propriedade privada burguesa. As teorias que sustentam que essa libertação será possível pela ação exclusiva das mulheres, à parte da luta de classes, apenas conduz para a perpetuação da sociedade atual, da escravização do sexo feminino. 
  2. A emancipação do sexo feminino acontecerá quando as tarefas realizadas no lar sejam incorporadas como trabalho social, especializado e altamente técnico. Para que isso seja possível, a atual propriedade privada deve ser substituída pela propriedade social. 
  3. O proletário é – na sociedade capitalista – a classe revolucionária por excelência. Para se libertar, deve libertar a sociedade em todo o seu conjunto, desaparecer toda forma de opressão de classe. O proletariado se realiza através da política revolucionária anticapitalista, quando toma consciência. 

É por essa razão que a tarefa histórica do proletariado consiste em dirigir politicamente a revolução que protagonizará a nação oprimida pelo imperialismo, consumará a libertação da mulher e permitirá o desenvolvimento das condições materiais para o surgimento da nova família. 

Se realmente deseja-se libertar a mulher, não se deve criar um movimento exclusivamente feminino, mas integrá-lo nas correntes revolucionárias e anticapitalistas das massas.

Não estamos dizendo que alguém dará às mulheres sua libertação e muito menos que isso pode acontecer no marcado da sociedade atual, recorrendo a pequenas reformas, com ajuda do Parlamento e etc, mas que a emancipação será resultado da luta das mulheres sob a direção do proletariado. 

Alguns argumentam que, se a libertação das mulheres na sociedade capitalista não for alcançada, não se deve lutar pela promulgação de leis que favoreçam a igualdade dos sexos, que permitam sua participação nas eleições, que agilizem o divórcio, que reconheçam o aborto. Mais uma vez, devemos lembrar que a revolução pressupõe as reformas, a questão está na forma como são estas propostas, para que sirvam de alavanca para que as massas de mulheres se juntem ao movimento revolucionário, à política do proletariado.

É a dramática situação das mulheres que as impulsiona a lutar em busca de medidas que melhorem suas condições de vida e trabalho. Os revolucionários precisam incluir as mulheres nas mobilizações, a fim de incorporar-lhes um conteúdo político elevado.

As mulheres – assim como as massas em geral – precisam ser educadas politicamente e essa educação traz em seus ingredientes a experiência da atividade diária. As reivindicações das mulheres precisam contribuir para que estas compreendam que sua situação de escravidão e opressão são consequências da sociedade capitalista, reforçadas pela prepotência do marido-patrão.

É na luta diária – e esta precisa acontecer com a materialidade de certas reivindicações – que as mulheres compreendem que devem se somar ao movimento revolucionário dirigido pelo proletariado, porque só assim a propriedade privada será substituida pela propriedade social; será esta que acabará com a escravidão no lar.

Será no calor da luta – ajudadas pelo partido trabalho – que as mulheres acabarão compreendendo que somos incapazes de modificar, seguir nossos desejos, as formas da vida social e suas leis, já que estas são consequências das relações de produção imperantes. As mulheres, para se libertarem, precisam compreender, como afirmou Alexandra Kollontai, que “o capitalismo destrói a família, mas a socialização da produção contribuirá para a criação de novas formas de vida social”.

A luta travada pela classe trabalhadora e pelos explorados em geral por um salário que permita a seus familiares viverem em condições humanas, não serem destruídos fisicamente pela fome, ou seja, pelo salário mínimo vital complementado pela escala móvel referente à elevação dos preços das mercadorias, favorece as mulheres, permite-lhes melhorar as condições materiais do lar. Seria um absurdo as esposas e mães não se juntarem à luta por melhores salários.

Tem que lutar pelas reivindicações mais urgentes das mulheres, por leis que assegurem sua igualdade com os homens. A batalha deve ser travada buscando convencer as mulheres que essas reivindicações, se bem sucedidas no capitalismo, serão desvirtuadas e transgredidas pelo Estado e o sistema judicial. 

Reiteramos que o objetivo não é colocar em ação um movimento feminino isolado, mas sim incorporar as mulheres nas grandes mobilizações dos explorados. Só assim poderemos acabar com o capitalismo. 

Será na ditadura do proletariado, do governo operário-camponês que se acelerará o processo de libertação da mulher. A luta das massas têm, necessariamente, que estar direcionada a uma finalidade estratégica, sintetizada em uma clara fórmula governamental. A que se educar as mulheres na luta pela ditadura do proletariado, seguindo o caminho insurrecional.

As mulheres, se desejam vencer e impor seus objetivos históricos, devem partir da certeza que a luta de classes entre a burguesia e o proletariado conduz à ditadura do proletariado. 

Não é o reformismo nem o colaboracionismo classista o caminho para conduzir à libertação da mulher. A que reforçar que a perspectiva libertadora é a que aponta a política revolucionária do proletariado, que parte da luta de classes, da negação à ordem social, que sustenta a ação direta das massas.

O partido operário revolucionário e a libertação da mulher 

A vanguarda das mulheres atualmente escravizadas, as melhores delas, formada pelas mais corajosas, mais inteligentes, tem que se juntar às fileiras dos operários, única forma de desenvolverem uma política revolucionária consistente.

O Partido luta pela libertação das mulheres, para conquistar sua igualdade com os homens, hasteia a bandeira das principais reivindicações femininas. Por sua conduta, pode-se compreender qual é a atitude do proletariado diante das escravas do lar.

Não se trata de conduzir a formação de grupos femininos à parte das filas partidárias, mas de incorporar a vanguarda das mulheres. Assim se expressa politicamente a fusão das mulheres com o movimento das massas revolucionárias. O Partido Operário Revolucionário é a escola em que se educam e organizam as mulheres para mobilizar, politizar e dirigir suas companheiras para a luta revolucionária. 

As mulheres, no geral, não podem se libertar na sociedade capitalista. Sua vanguarda conhece a igualdade com os homens na atividade política do Partido Operário Revolucionário. Dentro do partido, as mulheres revolucionárias se vêem livres da opressão, das atitudes discriminatórias exercidas pelos homens. Há apenas revolucionários profissionais, independentemente do gênero ou origem social.

Sem dúvidas, a militante – partindo de sua politização – tem que aprender que é igual ao homem e que tem a possibilidade de alcançar os postos mais elevados da direção partidária, com grande capacidade teórica-política e atividade prática. Se é igual ao homem, tem que aprender a atuar no mesmo plano e eficiência deste. 

De certa maneira, a militante tem que aprender a emancipar-se de seus próprios preconceitos, da crença que, no campo teórico e de liderança, é inferior ao homem. A política é própria do ser humano, independentemente de seu gênero.

As militantes podem se inspirar no exemplo da revolucionária Agar Peñaranda, conhecida como a Rosa Luxemburgo boliviana. O Partido Operário Revolucionário, no seu empenho de dirigir as massas, desenvolve a tarefa fundamental de incorporar as mulheres ao movimento revolucionário.

A mulher na Bolívia: algumas considerações gerais 

Para compreender que a realidade boliviana deve ser transformada radicalmente, é necessário levar em conta que a Bolívia é um país capitalista atrasado com particularidades nacionais em relação à economia mundial e que as leis atuam de maneira particular diante do sistema econômico-social. 

A sorte do capitalismo internacional marca a fogo o destino da Bolívia atrasada. Sem dúvida, o fenômeno boliviano é único, inédito, sua revolução será particular, não imitará outra revolução, e as particularidades nacionais adquirem preeminência. 

A maturidade extrema das forças produtivas em escala mundial – exteriorizada nas crises econômicas capitalistas estruturais e nas guerras internacionais – determina a natureza proletária da revolução que protagonizará a nação oprimida pelo imperialismo, liderada pela classe operária minitória, mas madura politicamente, para cumprir essa tarefa. Podemos dizer, com propriedade, que estamos maduros para a transformação radical do país, que somos empurrados para o redemoinho revolucionário sem pedir autorização. Outra coisa é que as leis de desenvolvimento e transformação do país atuam, não de maneira automática, mas através de homens agrupados em classes sociais diferentes e até antagônicas. É neste nível que o fator subjetivo interfere, a consciência de classe, a capacidade política, a classe social que tem a tarefa histórica de acabar com o capitalismo, o proletariado organizado como partido político.

Não podemos nos basear nos antecedentes para compreender as particularidades das classes sociais da Bolívia. A repetição das generalidades só trará equívocos lamentáveis. A revolução boliviana – que as massas e as mulheres participarão – é parte integrante e inseparável da revolução socialista mundial; sem dúvida, se provará como um fenômeno único, inédito.

A Bolívia, com suas particularidades, vive as vicissitudes da economia, do capitalismo mundial; é diferente dos Estados Unidos ou Inglaterra. Vive sua experiência capitalista a seu modo, como país tipicamente atrasado e de economia combinada. 

O exposto até aqui permite compreender porque a Bolívia já não conhecerá um desenvolvimento capitalista pleno e livre, não há tempo nem possibilidades materiais para isso. A opressão imperialista – a expressão mais elevada do capitalismo monopolista – constitui um fator mais poderoso que impede que o conjunto da sociedade boliviana tenha acesso aos benefícios do grande desenvolvimento alcançado pela humanidade. Trotsky e as “Teses de Pulacayo” concluem que o civilizador – o capitalismo monopolista – atua com força destruidora.

A estrutura econômica do país que imperiosamente decide a natureza e o destino dos fenômenos sociais gerais e da mulher. É importante assinalar a contradição fundamental na estrutura econômica. As forças produtivas não conseguem se desenvolver aceleradamente neste país atrasado porque chocam com a grande propriedade privada burguesa dos meios de produção e funciona como canal para atuação do capital financeiro estrangeiro. Mas, a pequena parcela do agro se opõe a esse desenvolvimento. As comunidades camponesas são pré-capitalistas. 

O problema da mulher – que na Bolívia mostra tantas particularidades notáveis – deve ser analisado a partir desta realidade. Os problemas do sexo feminino surgem de uma realidade econômico-social concreta e precisam ser resolvidos à luz desta realidade.

O atrasado e lento desenvolvimento do capitalismo se traduz na miséria dos bolivianos. Entre as consequências, apontamos a acentuada pobreza da classe média, feito que contribui para a acentuação da luta de classes e determina a impossibilidade material do florescimento da democracia. Estes aspectos determinam as características da questão feminina no país. 

A mulher, como elemento mais indefenso da sociedade, é a que suporta todos os aspectos negativos da realidade econômica-social, no nosso caso, da miséria extrema e da democracia burguesa. A escravidão e a prisão da mulher ao lar, sua superexploração, adquirem contornos alarmantes e trágicos. O trabalho permanente e extremo, destrui física e prematuramente a camponesa, a maioria das mulheres de classe média e a uma parte das famílias proletárias.

A ausência da democracia formal não tem permitido um avanço considerável da legislação que consagre a igualdade entre os sexos. A mulher permanece relegada, discriminada e o parlamento não mostra nenhum interesse em superar esse lamentável estado das coisas. 

O analfabetismo assola mais as mulheres do que os homens. A porcentagem de mulheres que não sabem ler é superior à dos homens. Seguem discriminadas sindical e politicamente. Apenas em períodos de convulsão social conseguem vencer os preconceitos e as imposições do lar, da escola e da igreja, e colocar-se na primeira fila, tendo demonstrado condições excepcionais para a luta. Como em todas as partes e como ensina a história, na Bolívia é inconcebível uma revolução social sem a participação ativa da mulher. 

Pesa a opressão e a exploração aterradoras que sofre a mulher boliviana, sua situação atual não mudou muito desde o passado. Até 1930, imperou o código civil Santa Cruz que, seguindo o direito romano, supunha a servidão da mulher e a via como pertencente ao marido. Foi a avançada liberal e anticlerical que fez propaganda em favor da igualdade entre o homem e a mulher. Mas se tratava de conquistar a igualdade em apenas certos aspectos. 

Santiago Vaca Guzmán (1847-96), escritor e político liberal, que liderou a rebelião jovem contra a política internacional de Melgarejo, se viu obrigado a refugiar-se em Buenos Aires, onde escreveu um livro sobre o problema da mulher. 

Em 1897, Joaquín Lemoine apresentou, em uma conferência em Buenos Aires, a necessidade de lutar pela plenitude dos direitos civis a favor da mulher. Mas se pronunciou contra a concessão de direitos políticos e chamou o movimento sufragista de “hermafroditismo norte-americano”. 

Afirmou que as mulheres eram “vítimas de códigos e leis feitas pelos homens”. Parecia inclinar-se em favor daqueles que sustentavam que as mulheres por razões fisiológicas não podiam governar e usar da força. Acrescenta que a mulher imersa nas atividades políticas levaria o lar ao caos: ‘a força, moral ou material, está em desacordo com a debilidade da mulher, esta não é apta para o exercício do governo e das instituições’. Exigiu que os legisladores ampliassem seus direitos civis, porque é indiscutível que, se a mulher deixou de ser escrava da sociedade, é ainda escrava dos códigos e que estes sancionam o despotismo que sobre ela exerce o homem. Defendeu o divórcio, a capacidade da mulher para contratar, para administrar seus bens, para ser tutora de seus filhos.

O fatalismo biológico – embasamento pretensamente teórico da inferioridade da mulher – tão comum no passado, é ainda repetido em nossos dias.

É interessante referir-se à posição adotada por Corcino Rodríguez Quiroga frente ao problema da mulher trabalhadora. Foi presidente da Liga Nacional do Magistério e redator dos estatutos de 1926 desta instituição. Em 1925, apresentou ao Primeiro Congresso nacional de proteção da infância uma proposta sobre a ‘educação do operário’. Utiliza o termo ‘proletário’ em sua antiga acepção romana: ‘o cidadão pobre que não serve ao Estado senão com o aumento de sua prole’. Síntese de suas ideias: “Estabelecer um lar de alimentação conveniente das mulheres proletárias grávidas, organização de ligas em favor da mulher proletária grávida, para sua defesa dos maus tratos e das ocupações forçadas; organização de casas de aleitamento pelas mesmas mães, em vez de fazê-lo mediante amas pagas; as municipalidades organizarão escolas-lares para crianças de 3 a 6 anos; os poderes públicos organizarão uma educação profissional em seus diferentes graus”.

Os congressos operários – sobretudo a partir de agosto de 1925 – discutiram medidas de proteção à mulher e à criança, junto à melhoria dos salários. Tratavam-se de petições ao parlamento para que adotasse a legislação do caso. Os partidos operários, socialistas, marxistas incluíram e incluem em seus programas e plataformas a luta pela igualdade entre o homem e a mulher, pela efetivação da consigna “salário igual a trabalho igual“.

Sindicalistas, movimento feminista, socialistas e até marxistas, abrigaram a esperança de que a promulgação de leis em favor da mulher concluiria efetivando sua libertação. Os fatos se encarregaram de desvanecer essas ilusões.

A Lei do divórcio, após intermináveis discussões entre liberais e clericais, foi ditada em 1932. A Bolívia assinou, em 1933, o Tratado de Montevidéu sobre igualdade de direitos em favor da mulher. A Lei Geral do Trabalho – elaborada durante o governo Busch e promulgada durante o de Penaranda – reconheceu a igualdade de direitos da mulher em matéria social.

A Constituição Política de 1938 incorporou ao seu texto o capítulo referente à família e estabeleceu a igualdade jurídica dos cônjuges e dos filhos. A Constituição de 1944-45 reconhece o casamento de direito comum. Posteriormente foram ditados os Códigos da Família e do Menor. Já a Constituição de 1944 concedeu a cidadania e o direito de voto, embora limitado às eleições municipais. Após a Revolução de 1952, com o voto universal, foi reconhecida a cidadania plena, exceto as anafalbetas e teoricamente também o exercício da função pública sem limitações.

O paraíso boliviano – claro que somente no plano jurídico, discursivo – se vê adornado pela proteção à mulher que trabalha, segundo a Constituição e o Código do trabalho. A mulher só deve trabalhar 40 horas semanais, não fazê-lo à noite ou em locais insalubres. Tanta maravilha não alcança a descomunal massa de trabalhadoras domésticas – verdadeiras servas – apesar do rumor de existir regulamentação de horário de trabalho e de férias anuais a favor destas. 

A propaganda em favor da igualdade dos dois sexos foi feita por grupos minoritários de mulheres intelectualizadas da classe dominante. Durante a colônia e a primeira época da república, a mulher quase não teve acesso à cultura.

Esta situação melhorou na última época. Agar Peñaranda nos oferece uma visão panorâmica da educação feminina: 

  • Em 1829 existia no país uma única escola de meninas, com um total de 62 alunas, em 1818 eram quatro. O historiador Arguedas dá um quadro lamentável da ignorância das mulheres naqueles anos;
  • Em 1841 foram regulamentados os colégios de educandas, que admitiam senhoritas da burguesia e se dava instrução elementar e religiosa, que não ultrapassava o nível da educação colonial;
  • O governo liberal, que tanto impulso deu à educação no país, iniciou também a educação da mulher;
  • Em 1909 foi fundada a Escola Normal de Mestres, em Sucre, que teve que enfrentar todas as formas de resistência. A Escola deu profissão a centenas de meninas;
  • Em 1912, foram ditadas disposições criando escolas para meninas em todas as capitais das províncias. Também foi declarado obrigatório o ensino de higiene geral e de puericultura em todos os colégios e escolas de mulheres;
  • Em 1915, Adolfo Costa du Rels e Ignacio Prudencia Bustillo, juntamente com um grupo de colaboradores – fortemente influenciados por intelectuais europeus – abriram as portas da Universidade feminina, inspirada na Universidade dos Anais de Paris.

Segundo Peñaranda “já em 1848 apareciam publicações jornalísticas que defendiam os direitos das mulheres, possivelmente pela influência das revoluções europeias”. A argentina Juana Manuela Gorriti e a peruana Carolina Freire de Jaimes, tiveram enorme influência sobre o movimento intelectual em seu conjunto e sobre as mulheres mais esclarecidas dos altos círculos sociais.

Na Bolívia, a Cúpula mais elevada do protesto contra a opressão da mulher e por sua libertação é a panfletista Adela Zamudio. Movendo-se no meio das massas, deu vida às grandes comoções sociais, desde a guerra pela independência.

Apesar de tudo, a mulher boliviana continua oprimida e explorada impiedosamente. A sociedade, para se libertar, para superar toda forma de opressão de classe, tem que acabar com a escravização da mulher. Isso será possível quando a atual propriedade privada dos meios de produção – a propriedade burguesa – for substituída pela propriedade social, quando for destruído o capitalismo.

Para que isto seja possível, para que se dêem as condições materiais e políticas da emancipação total da mulher, esta deve fazer parte do movimento revolucionário comandado pela classe operária.

A mulher é a mais oprimida na atual sociedade capitalista, por isso suporta em maior medida que o resto da sociedade o peso do atraso da Bolívia de hoje. A verdadeira emancipação de nossa sociedade – tarefa histórica impostergável – se dará quando a mulher for libertada, como consequência de sua própria luta no seio do movimento revolucionário.

A mulher compõe a maioria da população boliviana, cuja extrema miséria se traduz no agravamento da escravização daquela no lar, de sua exploração. O capitalismo é fome e a maior parte desse tremendo peso cai sobre a mulher faminta. De um modo geral, as mulheres são as vítimas preferidas da incultura e da crise da educação. 

Continua sofrendo o preconceito, tão cuidadosamente difundido pela classe dominante – através da família, da escola, da Igreja, dos meios de comunicação – de que a mulher nasceu para cuidar do lar. 

As outras, as que incursionam nas atividades culturais, políticas, empresariais, são excepcionais e são consideradas anormais. 

Como é a cuidadora do lar, tem de limitar a sua formação pessoal para ser uma eficiente produtora de filhos. Recorrendo à biologia é apresentada esta atividade como sublime, à qual a mulher deve dedicar todas as suas energias, a fim de poder realizar-se plenamente neste terreno.

Há inúmeras mulheres em outras atividades estranhas às próprias da família. Este fenômeno, resultado da época em que vivemos, é apresentado como prova da emancipação da mulher. Esquece-se que é discriminada em todos os aspectos, desde os salariais até os próprios da carreira profissional. A sociedade capitalista grita desde suas entranhas que a mulher somente pode ser auxiliar do homem, o rei da criação. 

Neste avanço da participação da mulher nas multifacetadas atividades sociais – apresentado como prova do avanço da igualdade dos sexos, como diminuição da escravização da mulher – a Bolívia ocupa um dos últimos lugares, como corresponde ao seu tremendo atraso.

Dentro da exploração dos operários e dos setores majoritários da população, a mulher é uma superexplorada porque lhe pagam salários injustamente menores, isto sem contar o trabalho invisível e sem remuneração que obrigatoriamente tem que cumprir no lar.

Todo o peso da sociedade e a extrema pobreza do país a tornam faminta e escravizada da família. É negado o direito de se libertar, de ser igual ao homem, de deixar o trabalho embrutecedor e destruidor das obrigações familiares.

Também no campo político, a mulher é considerada como um elemento de segunda importância, como uma colaboradora do marido, não como o elemento que pode assinalar grandes perspectivas. A educação que recebeu, as crenças e os preconceitos impedem-na de saltar para o plano da igualdade com o homem nas atividades partidárias e ideológicas.

Uma pequeníssima minoria de mulheres participa nas atividades sindicais e políticas, vistas pela opinião pública como propriedades do homem. Os próprios movimentos em favor da libertação do sexo feminino são minoritários. Duas organizações clássicas são conhecidas neste campo, sem levar em conta outras menores:

  • O Ateneu Feminino, fundado em La Paz, em 30 de abril de 1923, aparece como uma instituição intelectual própria dos setores da burguesia feudal ou capitalistas. Procurou organizar as operárias, trabalhadoras domésticas, etc., sem maior sucesso. Oscilou sob a influência de diferentes partidos de esquerda, marxistas, inclusive do trotskismo;
  • A Legião feminina da América, de vida curta, encorajou idéias socialistas;
  • No campo do partidarismo feminino, conta-se apenas com a tentativa frustrada de colocar em pé o Partido Feminino Nacional, que apareceu no período eleitoral de 1980, comandado por Yolanda Bascopé e de inconfundível orientação direitista.

A mulher nativa, camponesa ou indígena 

Nos referimos à mulher das classes nativas, todas aquelas oprimidas na atualidade pela minoria branca que usurpa o poder. Há que acrescentar que essas nacionalidades também são objeto de uma exploração descomunal. A mulher suporta em maior medida que o homem essa opressão e exploração que pesa sobre as nacionalidades indígenas.

A observação que se segue é válida para todas as classes sociais: a família é a instituição mais conservadora, a que mais tarde e lentamente se transforma.

Podemos dizer que a mulher camponesa foi e é explorada desde sempre e invariavelmente da mesma maneira. O ser humano se vê brutalmente submetido às leis da natureza, a um trabalho destruidor no campo e no lar, cujo maior peso é descarregado sobre a mulher.

Cultiva-se a terra de maneira individual-familiar, com instrumentos primitivos, à margem do grande desenvolvimento tecnológico que conhece a humanidade. 

O inca comandava e era obedecido, dispunha de uma parte considerável da produção de todo o Império, praticava a poligamia e se deslocar de um lugar para outro. Os de baixo tinham que trabalhar disciplinadamente e praticavam uma severa monogamia, esforçando-se para produzir mais e mais filhos, isto é, força de trabalho para o benefício dos poderosos opressores.

Desde então, a família – basicamente a mulher – tem que dar à luz e dar à luz. Os filhos são explorados, têm que trabalhar desde que começam a andar. As famílias, quanto mais numerosas, melhor. As escolas rurais parecem vazias porque os alunos em potencial precisam ajudar a trabalhar, cuidar dos animais e colaborar nos cuidados domiciliares.

A mulher trabalha junto ao homem cultivando a terra, criando os animais, fiando, tecendo e carregando o maior peso das obrigações domésticas. Além disso, tem que dar à luz filhos periódica e plenamente, alimentá-los e vesti-los, etc. Além do trabalho cansativo, ela se vê transformada em uma fábrica de filhos que não para. Assim é destruída fisicamente, parece envelhecida prematuramente.

A dura vida da família camponesa não dá lugar ao desenvolvimento do erotismo, do amor sexual pessoal.

O casamento indígena se vê configurado por uma finalidade econômica inconfundível: construir uma família numerosa para que produza e seja explorada nas melhores condições.

A mulher indígena encontra a miséria extrema. Quando a natureza castiga a terra cultivada, a mulher continua cuidando dos animais e alimentando-se de raízes. Quando a fome ameaça estrangular seus filhos, se muda para as cidades e caminha pelas estradas, seguida por seus filhos mais novos para pedir esmola.

Uma pequena parte das camponesas ganha os centros urbanos para trabalhar como servas – ninguém as considera trabalhadoras domésticas – à margem da legislação social, sem nenhuma proteção e à mercê do despotismo de seus patrões, que tomam a liberdade de submeter o controle estreito até de sua vida pessoal.

A procriadora de filhos, a força de trabalho sempre à disposição, a que mendiga para levar um pedaço de pão a seus filhos, vive acorrentada ao homem, sofrendo seu despotismo, sem direitos e somente com obrigações.

Nas populações camponesas, quem manda é o homem, a mulher tem que obedecê-lo.

Quando se libertará? Quando se tornará uma pessoa com direitos e não apenas obrigações? Quando conquistará a igualdade com o homem? Enfim, quando será vista como um ser humano? 

Quando o capitalismo for superado, quando o trabalho social substitua o individual-familiar, quando a alta tecnologia ocupe o lugar do rudimentarismo das ferramentas primitivas. Esta transformação radical do agro já não poderá acontecer sob o capitalismo, mas será consequência da obra iniciada pela revolução e ditadura proletárias, protagonizadas pela nação oprimida, particularmente pelas massas e nações nativas.

Sob o comunismo poderemos falar da igualdade total da mulher com o homem.

A mulher da classe média 

Amplos setores femininos da classe média urbana alcançaram um certo nível cultural e trabalham em meio à miséria ocasionada pelos baixíssimos salários, consequência da pobreza do país, e relegadas a um segundo plano com referência ao homem, tão machista como o camponês, o operário ou o burguês.

A mulher da classe média está acorrentada ao lar, à criação dos filhos, forçada a realizar o trabalho invisível não remunerado. Sua situação é agravada pelos preconceitos sociais e pelo carreirismo econômico: ela vive para conseguir um salto à frente com a ajuda do casamento bem-sucedido.

Suporta estoicamente a opressão e exploração por parte do homem. Vítima da extrema pobreza, vê-se empurrada para a atividade e luta sindicais. Está convencida de que a obtenção de melhores salários e de condições de trabalho permitirão que se liberte em certa medida. Apenas uma pequena minoria se lança à luta política, caminho que pode levá-la a conquistar a igualdade com o homem.

O grosso das mulheres da classe média está nas famílias de artesãos, dos trabalhos ocasionais, do que hoje se chama economia informal. Professores e aprendizes são rejeitados pela limitada industrialização da Bolívia capitalista atrasada, o que agrava sua ruína material. Encaram o trabalho durante longas jornadas de toda a família, dos filhos e da esposa. A mulher viu sua exploração e opressão por parte do homem serem acentuadas.

As que foram empurradas para a economia informal, para o comércio, para os trabalhos ocasionais mais diversos e improdutivos, não saem da miséria e têm de continuar a suportar o trabalho em casa e a sua atenção diária, o que acentua a sua exploração.

No entanto, essas mulheres oprimidas, superexploradas e relegadas a um segundo plano, não conseguem descobrir a perspectiva política de sua libertação. Uma parte dessas mulheres se converte em trabalhadoras domésticas, ou seja, retornam à servidão. São superexploradas à margem da lei, em troca de miseráveis remunerações.

Transformadas em verdadeiras servas, menosprezadas por seus empregadores, não conseguem organizar-se sindicalmente. Apenas uma pequena minoria de mulheres trabalhadoras da classe média consegue se tornar independente economicamente.

A mulher independente incursiona ousadamente nas atividades que a sociedade e a opinião pública consideram próprias do homem. Quando intervêm na política e nas convulsões sociais demonstram capacidade e coragem. Muitas delas lutaram nas guerras da independência, nas grandes convulsões sociais, como nas jornadas de abril de 1952, por exemplo.

A operária das minas e das fábricas 

O proletariado boliviano distingue-se por ser inteiramente nativo. Compõem-se socialmente pelo campesinato e pelas camadas mais baixas e mais amplas da classe média.

Este fenômeno influi em muitas das atitudes, ideias e preconceitos do assalariado, consideração que atinge também a família, as relações entre o homem e a mulher. Aqui pode encontrar-se a explicação do descomunal machismo que impera no seio do proletariado, da classe social chamada a destruir o capitalismo, como sociedade baseada na opressão e na exploração de uma classe por outra, e também da mulher pelo homem.

Os mineiros – que diariamente esbarram com a morte – mostram incomparável coragem e belicosidade. Para eles é coisa de homem e motivo de orgulho demonstrar que sabem dominar o lar e a mulher.

A vanguarda da classe operária torna-se consciente e política, para que esta possa cumprir sua missão histórica. Neste processo, o machismo tende a desaparecer, mas continuará imperando nas camadas mais atrasadas, isto até que chegue a revolução e depois.

A Lei Geral do Trabalho prevê a proibição do trabalho das mulheres em lugares perigosos e insalubres, por isso as mulheres deixaram de trabalhar nas grandes empresas mineiras, mas continuam participando nas minas pequenas.

Como consequência, as mulheres foram relegadas ao lar e perderam sua independência econômica de maneira total. Elas e seus filhos dependem do salário do homem. Desta forma, agravou-se a sua situação de submissão ao chefe da família e às tarefas domésticas.

O capitalismo e a Revolução Industrial incorporaram a mulher à produção, à fábrica, contribuindo para o avanço de seus direitos, para sua relativa emancipação. Apesar de tudo, esse passo encarregou-se de pôr em evidência o trabalho não remunerado que cumpre no lar e sua submissão ao homem. Por outro lado, foi demonstrado de forma indiscutível que a mulher recebe um salário inferior ao do homem pelo mesmo trabalho.

A mulher comprovou que para ser livre não é suficiente participar no processo da produção, mas romper as cadeias do lar. 

Foi o capitalismo monopolista invasor que determinou a incorporação em massa da mulher boliviana à produção. Ultimamente tem-se constatado que algumas pequenas empresas de construção contratam mulheres para reduzir seus custos.

Poucas trabalhadoras militam nos partidos políticos marxistas e estes não realizam um trabalho satisfatório de captação e educação destes elementos para o programa da revolução proletária. No entanto, as operárias demonstraram possuir uma grande capacidade para a luta. 

Não se trata de que as operárias, particularmente, e as mulheres, em geral, se organizem de maneira independente, mas de que se integrem de maneira militante ao movimento revolucionário.

Não se pode esperar a vitória do movimento revolucionário sem a participação massiva das trabalhadoras.

Às vezes se diz que é o baixo nível cultural que impede as mulheres de militarem nos partidos e se integrarem ao movimento de massas. É preciso lembrar que a alfabetização e a aprendizagem política muitas vezes seguem caminhos diferentes. É a experiência diária que permite amadurecer no plano revolucionário.

As operárias se libertarão e conseguirão ser iguais aos homens, graças aos aumentos salariais, à aplicação de algumas leis em seu favor ou à proteção das organizações estatais? Não. 

As mulheres se libertarão lutando contra a sociedade capitalista, que necessita lutar pela transformação da família atual. As mulheres, em geral, e as trabalhadoras, particularmente, devem rejeitar a pregação do feminismo burguês.

Não se trata de mulheres lutando contra homens, mas de ambos se levantarem para acabar com o capitalismo.

A mulher burguesa

Tem acesso ao gozo da cultura, mas é igualmente discriminada e relegada a um segundo plano. Submetida à vontade despótica do homem, é vítima de uma família que tem como complemento inevitável a prostituição. Como nenhuma outra, é vítima da objetificação.

Torna-se objeto de luxo e de desprezo do homem. Para ela, em particular, o casamento é um verdadeiro contrato de compra e venda. A mulher burguesa também tem que ser libertada, tem que conquistar a igualdade.

O expressado acima nos leva à conclusão de que as mulheres em geral, que constituem a maioria da população, não têm outro remédio senão somar-se ao movimento revolucionário para romper suas atuais cadeias e conquistar um mundo que lhes permita desenvolver plenamente suas aptidões individuais e acabar com o machismo explorador e escravista.

Março de 1991

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