O Congresso de Iena do Partido Operário Social-Democrata da Alemanha

Por Vladímir Ilitch Lênin, via marxists.org, traduzido por Gabriel Lazzari

[Escrito em setembro de 1905. Publicado originalmente em 1924 na revista Pod Znamenem Marxizma (Sob a Bandeira do Marxismo), nº 2.]

Os Congressos dos social-democratas alemães há muito tempo se tornaram eventos cuja importância vai muito além das fronteiras do movimento operário alemão. O movimento social-democrata alemão está em primeiro lugar no que respeita à organização, à integridade e à coerência, e ao conteúdo extenso e rico de sua literatura marxista. É natural que em tais circunstâncias as resoluções dos congressos social-democratas alemães frequentemente ganhem importância internacional. Esse foi o caso com a questão das últimas tendências oportunistas no socialismo (bernsteinianismo). A decisão do Congresso Social-Democrata de Dresden, que confirmou as antigas e testadas táticas da social-democracia revolucionária, foi adotada pelo Congresso Socialista Internacional de Amsterdã, e agora se tornaram uma decisão comum de todo o proletariado com consciência de classe pelo mundo. Esse também é o caso agora. A questão da greve política de massas – a principal questão do Congresso de Jena – está agitando todo o movimento social-democrata internacional. Ela foi posta em discussão recentemente em vários países, inclusive na Rússia, e talvez particularmente na Rússia. A decisão dos social-democratas alemães vai exercer sem dúvidas uma influência considerável em todo o movimento operário internacional ao dar apoio e força para o espírito revolucionário dos trabalhadores militantes.

Contudo, façamos uma breve nota de outras questões menos importantes que foram discutidas e decididas pelo Congresso de Jena. Primeiro de tudo, ele discutiu a questão da organização partidária. Não devemos aqui, claro, nos prender a detalhes da revisão do Estatuto do partido alemão. É importante que o aspecto básico mais característico dessa revisão seja sublinhado, ou seja, a tendência em direção a uma mais aprofundada, mais compreensiva e mais estrita aplicação do princípio do centralismo, o estabelecimento de uma organização mais forte. Essa tendência encontrou sua expressão, primeiro, na inclusão, no Estatuto, de um direcionamento explícito de que todo social-democrata é obrigado a pertencer a um organismo do Partido, com a exceção de casos em que isso é impossibilitado por diversas razões justas. Em segundo lugar, ela encontrou sua expressão na instituição de um sistema de organismos social-democratas locais, em vez de um sistema de delegados, a substituição do princípio da autoridade pessoal e confiança individual, pelo princípio das ligações organizativas coletivas. Em terceiro lugar, se expressou na decisão de que todas as organizações do Partido devem contribuir com 25 porcento de sua receita para o caixa central do Partido.

No geral, isso obviamente mostra que o crescimento do movimento social-democrata e de seu espírito revolucionário leva necessária e inevitavelmente a estabelecer o centralismo de maneira mais consistente. Sobre isso, o desenvolvimento do movimento social-democrata alemão é muito instrutivo para nós, russos. Até pouco tempo, as questões organizativas ocupavam um lugar desproporcional entre os problemas do dia a dia da vida partidária, e isso de certa forma ainda acontece. Desde o Terceiro Congresso, duas tendências organizativas no Partido tornaram-se totalmente definidas. Uma é a favor de um centralismo consequente e a extensão coerente do princípio democrático nas organizações do Partido, não por demagogia, ou porque soa bonito, mas para colocar isso em prática na medida em que o campo de trabalho da social-democracia se amplia na Rússia. A outra tendência é a favor de uma organização difusa, “vagueza de organização”, cujo prejuízo já está compreendido até mesmo por Plekhánov, que fez essa defesa por um longo período (cabe-nos esperar que os eventos logo o forcem a compreender, da mesma maneira, a conexão entre essa vagueza de organização e a vagueza da tática).

Lembrem-se das disputas sobre o Parágrafo 1 de nosso Estatuto. A conferência dos neoiskristas, que antes defendiam fervorosamente a “ideia” de sua formulação errada desse parágrafo, agora simplesmente descartam o parágrafo e a ideia como um todo. O Terceiro Congresso confirmou o princípio do centralismo e os laços organizativos. Os neoiskristas imediatamente tentaram impor, com base em princípios gerais, a questão de se cada membro do Partido deveria pertencer a um organismo. Agora nós vemos que os alemães – tanto os oportunistas quanto os revolucionários – nem sequer questionam a legitimidade desse requisito como uma questão de princípio. Quanto eles trouxeram esse requisito (de que todo membro do Partido deve pertencer a um organismo do Partido) direto para seu Estatuto, eles explicaram a necessidade de exceções a essa regra, não por considerações de princípio, mas pela ausência de liberdade suficiente na Alemanha! Vollmar, que apresentou o relatório da questão organizativa em Jena, justificou a tolerância com exceções à regra porque senão seria impossível que tais pessoas (pequenos oficiais) pertencessem ao Partido Social-Democrata abertamente. Não é preciso dizer que a situação na Rússia é diferente: uma vez que aqui não há liberdade, todas as organizações são igualmente secretas. Sob condições de liberdade revolucionária, é particularmente importante que os partidos sejam bem distintos uns dos outros, e que nenhuma “difusão” seja permitida nesse caso. Contudo, o princípio de que é desejável laços organizativos mais fortes permanece intocado.

Sobre o sistema de delegados, que os social-democratas alemães agora descartaram, sua existência era devida inteiramente às Leis Antissocialistas. Quanto mais essas leis ficavam no passado, mais natural e inevitável se tornava a transição para um sistema partidário baseado em vínculos direitos entre os organismos, em vez de vínculos através de delegados.

Outra questão, que foi posta em discussão em Jena antes da questão da greve política, é também muito instrutiva para a Rússia. Foi a questão das comemorações do Primeiro de Maio, ou, para ser mais exato (para abordar a essência da questão e não o tema que fez surgir a discussão), a questão da relação do movimento sindical com o Partido Social-Democrata. O Proletári falou diversas vezes sobre a profunda impressão produzida sobre os social-democratas alemães, e não só sobre eles, pelo Congresso Sindical de Colônia. Ficou mais evidente nesse Congresso que mesmo na Alemanha, onde as tradições do marxismo e sua influência são mais fortes, as tendências antissocialistas, tendências a favor de um “sindicalismo puro” do tipo dos britânicos, ou seja, de tipo absolutamente burguês, estão se desenvolvendo nos sindicatos – veja você, nos sindicatos social-democratas. É por isso que, por causa da questão propriamente dita do protesto de Primeiro de Maio, inevitavelmente surgiu no Congresso de Jena a questão do sindicalismo e da social-democracia, a questão do economismo, para falar em termos das tendências dentro do movimento social-democrata russo.

Fischer, que apresentou o relatório sobre a questão do Primeiro de Maio, colocou honestamente que seria um erro grave ignorar o fato de que, nos sindicatos, o espírito socialista está desaparecendo aqui e ali. As coisas foram tão longe que, por exemplo, Bringmann, representante do sindicato dos carpinteiros, proferiu e publicou declarações como a seguinte: “A greve no Primeiro de Maio é como um corpo estranho no organismo humano”, “Nas atuais circunstâncias, os sindicatos são os únicos meios de melhorar a condição dos trabalhadores” etc. E esses “sintomas da doença”, como Fischer habilmente os descreveu, um sindicalismo estreito, ou economismo, está ligado ao oportunismo (revisionismo). O jornal publicado pelo mesmo sindicato de carpinteiros escreveu sobre o colapso dos fundamentos do socialismo científico, do equívoco da teoria das crises, da teoria da catástrofe etc. Mas o revisionista Calwer não instigou os trabalhadores a demonstrarem seu descontentamento ou aumentarem suas reivindicações, mas para serem modestos etc., etc. Liebknecht foi aprovado pelo Congresso quando falou contra a ideia de “neutralidade” dos sindicatos, e pontuou que “Bebel, é verdade, falou a favor da neutralidade, mas, em minha opinião, esse é um dos poucos pontos em que Bebel não conseguiu ganhar a maioria do Partido”.

O próprio Bebel negava que tivesse aconselhado aos sindicatos serem neutros em relação ao movimento social-democrata. Bebel reconhecia completamente o perigo do sindicalismo estreito. Ele chegou a dizer que conhecia exemplos ainda piores dessa apatia cartorial: jovens líderes sindicais chegavam a tirar sarro do Partido em geral, do socialismo em geral, da teoria da luta de classes. Essas declarações de Bebel evocaram uma indignação geral no Congresso Social-Democrata… Houve fortes aplausos quando ele resolutamente declarou: “Camaradas, estejam atentos, pensem no que estão fazendo; estão indo por um caminho fatal, que vai levar vocês no fim à desgraça.”

Assim, precisamos dar crédito ao movimento social-democrata alemão por ter enfrentado diretamente esse perigo. Não esconderam os extremos do economismo, ou inventaram desculpas e subterfúgios (como tão abundantemente os inventou nosso Plekhánov, por exemplo, depois do Segundo Congresso). Não, eles deram o nome da doença, condenaram resolutamente suas tendências prejudiciais, e direta e abertamente chamaram todos os membros do Partido a combatê-la. Isso é instrutivo para os social-democratas russos, alguns dos quais receberam elogios do Sr. Struve por terem começado a “ver a luz” na questão do movimento sindical.

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