O capitalismo toma corpo no espaço: a importância da Geografia para o entendimento da valorização do espaço

Por Maiara de Proença Bernardino**

Milton Santos em sua obra “A Natureza do Espaço” (1999) incorpora o conceito de divisão do trabalho em seus estudos sobre o espaço geográfico primeiramente apresentando similaridades e diferenças entre o trabalho da natureza e o trabalho humano sobre o espaço. Ambos ao agirem sobre o território o transformam e se recriam tornando-se diferentes do que eram antes, porém a ação humana, agindo sobre a natureza, acabou criando uma segunda natureza composta por objetos técnicos/artificiais

O conceito de divisão territorial do trabalho

Milton Santos em sua obra “A Natureza do Espaço” (1999) incorpora o conceito de divisão do trabalho em seus estudos sobre o espaço geográfico primeiramente apresentando similaridades e diferenças entre o trabalho da natureza e o trabalho humano sobre o espaço. Ambos ao agirem sobre o território o transformam e se recriam tornando-se diferentes do que eram antes, porém a ação humana, agindo sobre a natureza, acabou criando uma segunda natureza composta por objetos técnicos/artificiais.

Desse modo, o geógrafo Milton Santos (p. 85, 1999) associa o processo de diversificação da natureza natural marcado pelos eventos com o processo de divisão do trabalho que está atrelado ao tempo histórico, esta última como é movida pelo processo de produção, “a cada movimento irá atribuir um novo conteúdo e uma função aos lugares”. Logo, a divisão do trabalho é um processo progressivo e não repetitivo como o processo de diversificação da natureza.

Milton também irá nos elucidar que os recursos contidos nos territórios, sejam eles artificiais ou naturais, irão oferecer possibilidades para o homem agir sobre o espaço, transformando-o. E para ele, é a partir dessa espacialização dos recursos que os homens ao transformarem o espaço estarão se transformando também, e como a cada momento, esses recursos passam por um processo de renovação, as possibilidades para o homem agir no espaço também acabam sendo outras.

Dessa maneira, pelos processos pelos quais se transformam a sociedade e o espaço, é que nenhum objeto tem um valor absoluto, o valor desses objetos irá depender do momento histórico em que estão situados, portando, segundo Milton Santos, esses recursos se localizam em um espaço-tempo. Cabe então o destaque à divisão do trabalho nesse processo de valorização do espaço, por é a divisão do trabalho que empenha uma função ou objetivo aos recursos contidos em uma localização.

Portanto, é assim que nenhum lugar é totalmente homogêneo, pois cada lugar irá concentrar ou dispersar diferentes funções ou objetivos por meio da divisão territorial do trabalho, e para Santos, esse processo corresponde a individualidade dos lugares. A divisão do trabalho “é a portadora das forças de transformação, conduzidas por ações novas ou renovadas, e encaixadas em objetos recentes ou antigos, que as tornam possíveis.” (SANTOS, 1999, p.107)

 Em cada nova redefinição da divisão do trabalho, cada lugar irá “recebe-la” de uma forma não homogênea, pois haverá resquícios de divisões do trabalho anteriores. Assim, segundo Santos, teremos uma combinação de temporalidades, passadas e possíveis.

Dessa forma, em meio as rugosidades do espaço, a divisão do trabalho é processada de formas desiguais no território, assim, podemos entender que a aceleração contemporânea técnica do tempo-espaço não é homogênea. “Em cada lugar, pois, o tempo atual se defronta com o tempo passado, cristalizado em formas” (SANTOS, 1999, p.113).

Notas Sobre A valorização do espaço

Antônio Carlos Robert Moraes e Wanderley Messias da Costa em seu livro “Geografia crítica: a valorização do espaço” de 1984, para elucidar a questão referente ao processo de valorização do espaço partem do pressuposto de que o homem para se reproduzir ao longo do tempo mantém relações com o espaço para garantir sua sobrevivência. Deste modo, para os autores a produção do espaço está relacionada com o papel mediador do trabalho, assim, em cada modo de produção capitalista a sociedade valoriza o espaço, mas ela o valorizará de acordo com as possibilidades históricas que o seu tempo permite.

Desta maneira, os autores irão propor duas concepções dialéticas acerca do espaço socialmente produzido: o valor do espaço e o valor no espaço. Este primeiro, estaria relacionado à totalidade espaço como valor de uso, considerado contém tanto formas naturais e artificiais passadas e atuais onde a produção se realiza, desta forma, esse momento de realização da produção, caracteriza para os autores a ação humana sobre o trabalho já acumulado no espaço.

Moraes e Costa conversam com a teoria da divisão territorial de Milton Santos, ao proporem que a acumulação desigual de tempos no espaço, tanto de transformações naturais e sociais, possui papel principal no valor do espaço atribuído pela sociedade. “Assim, o valor do espaço também se expressa na qualidade, quantidade e variedade dos recursos naturais disponíveis numa dada porção do espaço terrestre” (MORAES;COSTA, p.124, 1984).

Ao valor do espaço, também está relacionada, como dito anteriormente, não somente aos recursos naturais de uma porção do espaço, mas também as formas geográficas construídas pelo homem, por intermédio do trabalho. Os autores, em acordo com Milton Santos, explicam que a cada modo de produção a sociedade produz no espaço formas que correspondem as relações sociais vigentes, e estas formas, consideradas “rugosidades” por Milton Santos, podem ser transfuncionais e resistir e ou serem re-adequadas as transformações do tempo-espaço.

O valor no espaço, seria para os autores, a “espacialidade do valor”, que estaria relacionada aos fluxos de capital que atravessam o espaço, em relação com os fixos. Esta potencialidade do espaço, seria por sua vez, mas expressa no capitalismo com a necessidade da intensificação dos fluxos no território.

Esse aceleramento do tempo-espaço, para os autores, está intimamente relacionado não somente com os fluxos tornados acelerados, mas com a “ampliação das escalas espaciais de produção e distribuição das mercadorias.” (MORAES;COSTA, p. 129, 1984). Desta maneira, a valorização do espaço não se expressa somente por localizações interessantes do ponto de vista do capital, mas também pelo interesse pelos densos fluxos do território, o que permite uma maior expansão das fronteiras de produção através da ação sobre o espaço já adequado para receber atividades capitalistas.

Desta maneira, o processo de valorização do espaço é por eles definido como um processo de criação de valores, onde haverá sempre a expressão das determinações gerais do modo de produção em hegemonia. Sendo o espaço não somente um produto, mas ele é também um meio para a produção e para a existência humana.

Os autores Moraes e Costa também apresentam duas virtualidades do espaço, a distância e a magnitude, a primeira se relaciona com a densidade dos fluxos do território podendo ser maiores ou menores segundo às distâncias e as separações físicas; a segunda possuí relação com o espaço construído. Essas duas virtualidades do espaço, irão se relacionar através de processos de dispersão e concentração, marcando a característica desigual do espaço.

O resultado dessa dialética de valorização no/do espaço se apresenta em formas e processos, são eles: “formas intensivas” que requerem sempre um processo de revalorização, dialogando com processos de perenização, pois o homem fixado numa parcela do território se apropria do espaço e nele produz formas que ficam materializadas até as vidas futuras transformando-o, desta forma, o espaço carregado de valor é sempre passível de reapropriação através da especulação. As “formas extensivas” por sua vez dizem respeito ao avanço do capital sobre o território, se relacionam com o processo de colonização, pois o território a ser colonizado é visto como um valor adicional, sejam suas populações ou a natureza, esse processo nem sempre significa um interesse em fixar valores no espaço, pois, segundo os autores, torna-se então um valor a ser extraído através da apropriação de recursos, gerando a extinção de ocupações e valores posteriores.

Bibliografia:

MORAES, Antonio Carlos Robert; COSTA, Wanderley Messias da. A Valorização do Espaço. In: MORAES, Antonio Carlos Robert; COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Crítica: a valorização do espaço. São Paulo: Hucitec, 1987

SANTOS, Milton. DA DIVERSIFICAÇÃO DANATUREZA À DIVISÃOTERRITORIAL DOTRABALHO. In: SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Hucitec, 1999.

** Graduanda em Geografia na Universidade Federal de São Carlos, membro do Centro de Memória Operária de Sorocaba – C. M. O. S.

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