Repensando o Lúmpen: Crime Organizado e a Economia Política do Capitalismo

Por Gerald Horne, traduzido por Bruno Santana via Le Drepeau Rouge

“Em última instância o enfrentamento [ao sistema] se limita ao gesto simbólico e frequentemente permanece no nível da aparência. Na realidade, a experiência de muitos anos do crime organizado nos EUA sugere que seus objetivos sejam congruentes com e ajudem a sustentar as ambições do próprio capitalismo. O anúncio da suposta resistência representada pelos criminosos encobre seu verdadeiro papel na reprodução social, subverte a verdadeira resistência e ajuda a suprimir alternativas- particularmente aquelas na variedade da classe trabalhadora (Waterson 1994).”


 

Em seu Clássico 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx oferece uma vívida descrição do que chama de lúmpen-proletariado: “havia vagabundos, soldados desligados do exército, presidiários libertos, forçados foragidos das galés, chantagistas, saltimbancos, lazzarani, punguistas, trapaceiros, jogadores, maquereaus(19), donos de bordéis, carregadores, líterati, tocadores de realejo, trapeiros, amoladores de facas, soldadores, mendigos” (1979, i49; ver Engels 1975 e Winston 1973,75).

Esta classe- ou estrato de classe- não deve ser confundida com os desempregados, ou com o proletariado em si mesmo; na realidade, este conjunto tende a atacar a classe trabalhadora. Eles são o detrito do capitalismo e, de alguma forma, formam um reflexo das práticas parasitárias e espoliativas da burguesia.

A análise de classe é um fundamento do método marxista, e volumes de suas obras se dedicaram a seus vários estratos, abrangendo da burguesia à pequena-burguesia, à classe trabalhadora e o campesinato. O trabalho de Herbert Aptheker sobre a escravidão pode ser visto também neste contexto no que tange ao foco no antagonismo irreconciliável entre uma classe, a dos escravos, e a de outra, a dos senhores de escravos.

O lúmpen-proletariado, no entanto, não recebeu a devida atenção que merece na análise do capitalismo. O que é infeliz, na medida em que o Lúmpen, ao longo do tempo veio a exercer um papel proeminentemente desconsiderado no avanço das sociedades espoliativas. De fato, ao examinar o destino da URSS, é aparente que o que transparece no decorrer da última década foi o declínio da organização e ideologia da classe trabalhadora, e a ascensão do lúmpen (Sterling 1994; Handelman 1995).

Nos EUA, o lúmpen historicamente teve um papel mais amplo. Assim como a Inglaterra despejou setores do lúmpen proletariado em sua colônia na Austrália, o mesmo foi feito na Geórgia e outras Colônias (Salgado 1982; Hughes; Wood 1984; Galenson 1991; Asbury 1928). Isto teve múltiplos propósitos: ofereceu uma válvula de segurança para a Inglaterra, permitindo à nação se livrar de elementos que pudessem ser disruptivos e que eram vistos como indesejáveis. No mais, o tipo de violência e subterfúgio necessário para subjugar populações indígenas, fossem na Austrália ou na América do Norte, era a especialidade particular de “charlatões, trapaceiros ou donos de bordéis” e semelhantes, atuando a serviço de poderosas elites.

O que precisa ser considerado com mais cautela é que ao longo do tempo não apenas o lúmpen, particularmente nos EUA, desenvolveu poderosos sindicatos ou famílias do crime organizado, mas alguns destes setores também, como a lagarta se transformando em borboleta, se tornaram parte da burguesia e vieram a influenciar a já degradada cultura burguesa. De fato, estudiosos e ativistas precisam se atentar mais ao papel que o crime organizado prestou na evolução vultosa da economia estadunidense (Johnson 1995ª; Browning e Gerassi 1981). Analisar o imperialismo em si mesmo como uma forma de crime organizado nos dá algumas pistas, mas não diz o suficiente.

Nos EUA, o lúmpen vieo a dominar setores inteiros da economia e alçaram particular influência em uma indústria que galga enormes lucros enquanto molda consciências- a indústria do entretenimento. As imagens vindas desta indústria cobriram o planeta e ajudaram a injetar a cultura do imperialismo estadunidense nos quatro cantos do mundo. Novamente, a assimilação desse desenvolvimento tem de ser considerada com mais cuidado, se quisermos entender e subverter o imperialismo por si próprio.

Os saqueadores de Quantrill, organização pró-escravidão alinhada com os Confederados durante a Guerra Civil Americana

De todos os crimes perpetrados pelo colonialismo e o imperialismo em África, um dos mais covardes foi o despejo de elementos do lúmpen proletariado em terras colonizadas. Em 1961, A Departamento de Assuntos Africanos na Gana de Kwame Nkrumah, citando o Sir Cornwall Lewis, tristemente refletiu sobre os custos sociais desta práticas: “a escória da Inglaterra foi despejada nas colônias, advogados pouco sucedidos, comerciantes falidos, debauchery arruinados, toda miudeza na forma de profissão era amontoada nas terras coloniais”. Citando o escritor Mabel Jackson, o documento continua, “Todo ano é enviado um carregamento de detritos humanos para Angola e Moçambique, vindos de Portugal. Mendigos amargurados por dificuldades, ladrões, assassinos, soldados insubordinados, marinheiros,  e uma pitada de exilados políticos são atirados às colônias. Ela nos diz que às vezes estes homens são chamados de degradados- e são acompanhados por suas esposas que são meninas de orfanatos e reformatórios que se casam no momento do embarque na Europa”. (Voice of Africa 1961).

Estes elementos desclassificados aderiram rapidamente à filosofia dominante da supremacia branca, a medida em que este novo status racial de “branquitude” os resgataram de sua posição de classe decadente (ver por exemplo, Roediger 1991, Ignatiev 1995, Saxton 1991). Com o passar do tempo, estes ajudaram a introduzir e fortalecer a cultura lúmpen que atormenta a África independente até os dias de hoje.

Setores lúmpen também exerceram um papel central em outro fenômeno que parasitou a África ao longo dos anos: o dos mercenários. Claro, o estabelecimento de mercenários europeus não se restringiu à África. Por anos, a Suíça adquiriu notória reputação como fornecedores de forças mercenárias à vários regimes na Europa; estes regimentos eram compostos fortemente por lúmpen (McCormack 1993, 80; ver também Langley e Schoonover 1995). O uso promíscuo de mercenários foi um parente próximo do implantação de piratas, bucaneiros, e soldados aventureiros, cujas aventuras sanguinárias frequentemente eram a base da acumulação primitiva do próprio capital. Um estudioso observou que o conceito de “negação plausível”, que serviu ao imperialismo tão bem em episódios desde Watergate até o caso Irã-Contras, foi na verdade cunhado por líderes do início do século XVII como um estímulo ao mercenarismo e a pirataria: dessa forma, se estes bandidos obtivessem o saque necessário, tudo bem, e se não conseguissem ou fossem capturados, então a responsabilidade por suas atividades poderia ser negada (Thomson 1994; Tilly 1990).

Estes corsários foram um apêndice útil à política externa estadunidense, a medida em que esta jovem nação no século XIX almejava conquistar territórios ao longo do hemisfério e além, e contornar a proibição do tráfico de escravos (Brown 1980; Smith 1978; Krasner 1978). Um bando digno de nota de ladrões, os Quantrill’s Raiders, criou uma geração notórios foras da lei como Jesse e Frank James, Cole Younger e uma geração de assassinos, provendo um vívido exemplo das conexões entre o lúmpen, o racismo e a guerra (Schultz 1996).

Mesmo assim, o impacto dos que os portugueses chamavam de ‘degradados’ foi mais dramático no continente no qual a Europa ocidental era especializada em degradar: a África. O despejo dessas forças em África continua a ressoar, a despeito da erosão do colonialismo europeu. Por exemplo, na África do Sul, as autoridades do apartheid se concentraram mais em combater dissidentes políticos do que o crime. Como resultado, a África do Sul independente enfrenta uma criminalidade impressionante, alimentada pelo que chamou um jornal local de “gangues financiadas pelo Estado que usaram o apadrinhamento governamental como forma de construir impérios de negócios criminosos”. Na província de Mpumalanga eles são chamados de “gangues dos empresários” e são conhecidos por trabalhar ao lado do chauvinista Partido da Liberdade Inkatha; uma gangue era “liderada por cinco poderosos empresários negros” (Weekly Mail and Guardian, 6-12 setembro de 1996). Estima-se que 278 sindicatos do crime organizado na África estão envolvidos no tráfico de drogas, desmanche de carros, e em delitos piores (Zimbabwe Herald, 15 de fevereiro de 1996). E existem empresas de mercenários, como a Executive Outcomes, que vende seus serviços à governos em troca de concessões na exploração de diamantes (Horne 1995).

Claro, o lúmpen está longe de ser um fenômeno unicamente africano. No Japão, a influente Yakuza- gangsteres conhecidos por seus corpos tatuados e dedos amputados- são relativamente próximos de certa elite financeira. Foram pioneiros em administrar casas de filmes, shows de strippers, prostituição e apostas (Saga 1991, 195). Na China, antes da vigência do Partido Comunista, as forças nacionalistas lideradas por Chiang Kai-shek colaboraram com mafiosos como Du Yuesheng da Green Gang; estes bandidos atuaram como gestores e gerentes de fábrica e ajudaram os nacionalistas a minar a força dos trabalhadores em 1927 (Wakeman 1994; ver também Emsley e Knalfa 1996).

Mesmo hoje, de acordo com a Far Eastern Economic Review (1 de maio de 1997), estima-se que há um número sustentado de 10% de oficiais eleitos no legislativo e na Assembleia Nacional de Taiwan que tem afiliações no crime organizado. O político associado à gangues mais conhecido de Taiwan, Luo Fu-tsu, “se identificou como líder espiritual de uma das maiores gangues de Taiwan, a Aliança do Caminho dos Céus”. Ele é também “membro legislativo do Comitê Judiciário”, que formula as leis básicas da província rebelde da China.

Averiguar a influência desta persuasiva cultura lúmpen na cultura política da China- incluindo a cultura do Partido Comunista- é uma tarefa de consideração valiosa. Em qualquer evento, estes mafiosos aparecem em tempos de insatisfação e guerra, quando canais normais de produção são corrompidos, como foi o caso, por exemplo, em Londres durante a Segunda Guerra Mundial (Murphy 1993, 8).

Está claro que o Lúmpen não tem sempre um impacto inteiramente danoso. O papel dos “bandidos sociais” é bem conhecido (Perez 1989; Schwartz 1989). Assim como se distingue o pequeno do grande produtor, e se distingue o trabalhador que ganha 1 milhão por ano e os que ganham menos de 10 mil, deve-se fazer as devidas distinções entre os vários tipos de lúmpen em seu impacto sociopolítico e potencial.  Ainda assim, como destaca Alisse Waterson, o que deve ser cuidadosamente escrutinado é a noção de que gangsteres representam algum tipo de cultura de resistência ao capitalismo. Deve haver uma centelha de evidência imbuída nesta ideia, mas o que é frequentemente ignorado é o ponto de que gangsteres nos EUA mais notadamente estiveram altamente acomodados às normativas culturais e aos requisitos da produção social. Em última instância o enfrentamento [ao sistema] se limita ao gesto simbólico e frequentemente permanece no nível da aparência. Na realidade, a experiência de muitos anos do crime organizado nos EUA sugere que seus objetivos sejam congruentes com e ajudem a sustentar as ambições do próprio capitalismo. O anúncio da suposta resistência representada pelos criminosos encobre seu verdadeiro papel na reprodução social, subverte a verdadeira resistência e ajuda a suprimir alternativas- particularmente aquelas na variedade da classe trabalhadora (Waterson 1994).

Herbert Hunke

Nos EUA, o crime organizado é relatado como tendo influência significante na indústria da construção, na indústria do setor de vendas, saneamento e nos nichos usuais das apostas, drogas, prostituição e similares. Gangsteres também tem influência em áreas onde sua presença não chama atenção. Por exemplo, muita atenção é dada à indústria pornográfica, particularmente no que tangue a se esta é misógina e deve ser recriminada ou, como pensam alguns, não deve ser impedida porque é uma expressão legítima da liberdade de expressão (Kipnis 1996; Hunt 1991; Dworkin 1989). O que é raramente mencionado- embora muito relevante- é que esta é uma de várias outras indústrias onde criminosos sustentam hegemonia; da mesma forma, pelo menos antes dos anos 60, o mesmo podia ser dito sobre as assim chamadas “bibliotecas adultas” e boates gays (Potter 1986; Washington Post, 12 de abril de 1979).

O erro de romantizar o papel do crime organizado torna difícil analisar o fenômeno em sua complexidade por completo. Por exemplo, a indústria musical é um dos poucos ramos onde afro-americanos têm papel central. Aqui, estes se depararam com o papel generalizado dos mafiosos, alguns dos quais eram judeus ou ítalo-americanos. Por causa da incapacidade de examinar uma forma de exploração de classe particularmente vil, este antagonismo se expressou frequentemente em termos raciais ou étnico-religiosos.

Assim, estimou o lendário crítico musical e produtor John Hammond que “não menos que três a cada quatro clubes de jazz e cabarés (…) eram ou liderados, financiados, ou de alguma forma geridos por mafiosos judeus ou sicilianos” (Morris 1980, 4). Morris Levy, que foi dono da famosa boate Birdland, “nunca escondeu suas conexões com a Máfia Nova-iorquina (…) muitos especularam que foi a Máfia quem colocou Levy a cargo dos negócios e de que ele é sustentado pelos criminosos até hoje” (Picardie e Wade, 1990, 53,57). A exploração grosseira de músicos- particularmente músicos afro-americanos- é generalizada. Infelizmente, quando a objeção era feita às pessoas ligadas a Levy, era dada mais atenção ao plano de fundo étnico-religioso do que o de classe.

Infelizmente, a cultura popular estadunidense- e não apenas o “gangsta rap”- é insuflado pela influência de elementos do lúmpen-proletariado, uma das razões pelas quais tem sido mal falada pelo mundo. Este não tem sido um fato apenas na música e, conforme será apresentado brevemente, também é no cinema e na literatura. Herbert Huncke, descrito pelo New York Times (9 de agosto de 1996) como prostituto, “malandro de rua, ladrão e dependente químico”, era conhecido como o homem que inspirou uma galáxia de escritores aclamados e que deu nome à “Geração Beat”; era um “funcionário da Máfia de Capone” e passou onze anos na prisão, incluindo maior parte da década de 1950. Participou de obras de escritores desde William Burroughs (1966) à Allan Ginsberg (1956), e também Jack Kerouac (1957). A geração beat teve papel importante na formação de uma cultura jovem estadunidense nos anos 60 e exerceu influência global.

Louis Lepke Buchalter, mafioso e líder da Murder Inc.

O que é mais revelador sobre o papel dos criminosos na economia política é sua função histórica de força disruptiva no interior do movimento sindical. Aqui, seu papel como cúmplice e parasita da burguesia expõe-se às claras. Em sua análise dos Sindicatos dos Trabalhadores em Peles e Couro do setor têxtil, Philip S. Foner apontou “uma vasta cadeia de conexões entre empregados anti-sindicais, lideranças sindicais socialistas de direita e a mais notória das quadrilhas de criminosos do submundo”, referindo-se a Louis Buchalter e Jacob Shapiro (1950,396). Sidney Lens registrou que “Louis e Jacob possuíam duzentos e cinquenta capangas a sua disposição para ajudá-los a conduzir o sindicato dos pintores de Nova Iorque”. (1949,68) Escutas congressuais durante a década de 1930 investigaram o que Leo Huberman chamou de “cadeia de espionagem laboral”, uma rede inteira que fazia o trabalho sujo de desestabilizar sindicatos em nome das elites corporativas (Huberman 1937; Howard 1924).

Em sua análise sobre o uso de mafiosos pela Ford Motor Company, Stephen Norwood observou que os EUA é “o único país industrial avançado onde corporações dispõem de força militar coercitiva”. Harry Bennett, assessor principal de Henry Ford, era próximo do submundo de Detroit, o que era central na “violência e espionagem” que agitou “uma campanha gerencial para desestabilizar sindicatos que estavam se organizando e interromper greves” (1996, 367, 391). De fato, ao compreender a fraqueza da Esquerda e a ascensão da Direita nos EUA, as forças progressistas prestaram atenção insuficiente à totalidade da oposição enfrentada pela classe trabalhadora.

O Sindicato dos Caminhoneiros, por décadas um dos maiores do mundo capitalista, ficou conhecido como a força sindical onde mafiosos exerceram grande influência. Funcionários do sindicato que se opusessem a seus mandos eram assassinados, e os negócios às vezes eram cúmplices neste esforço (Witwer 1994, 175, 233). Em Las Vegas, onde sindicatos geridos pela máfia eram prevalentes, financiadores como George Wingfield- patrono do Partido Republicano- empregava personagens desagradáveis para manter os sindicatos fora do Estado e manter inativos aqueles que não eram perseguidos (Raymond 1993,79).

O crime organizado- o grande lúmpen-proletariado- historicamente foi um dos principais aliados da burguesia estadunidense  para manter sua hegemonia. Em troca, os mafiosos tiveram permissão para, em algumas instâncias, subir “respeitosamente” aos padrões da burguesia eles mesmos. De qualquer forma, mafiosos nesta nação gozaram de uma forma de enriquecimento da qual a burguesia em muitas nações nunca verá. Isto adiciona um nível de grosseria e falta de princípios ao já grosseiro domínio da burguesia.

Sam Gincana, mafioso americano que conspirou com a CIA para assassinar Fidel Castro

Um exame de memória na biografia dos maiores mafiosos dos EUA é certamente instrutivo em revelar seus vínculos próximos ao Estado e à burguesia, seu etnocentrismo, e suas conexões com a indústria do entretenimento. Arnold Rothstein por exemplo, foi creditado por subornar membros do Chicago White Sox para perderem intencionalmente em 1919 na World Series de baseball. Em sua cidade de origem, Nova York, havia uma “aliança entre a máquina política [Tammany] e o crime”; além disso “grande parte dos investimentos de Rothstein vinha diretamente de Wall Street”. De fato, Rothstein foi um dos primeiros investidores da “Loew’s Inc., empresa próxima da MGM”, a produtora de filmes. Rothstein atuou como “intermediário nas negociações onde [Horace] Stoneham, John McGraw e Judge McQuade compraram o time de baseball New York Giants” (Katcher 1994, 73,165,192).

Meyer Lansky, grande nome da máfia por décadas, tinha negócios com a família Bronfman, que fundou a Seagram’s, e com Lewis Rosensteil da Schenley’s, que era próxima de J. Edgar Hoover, do FBI. Lansky discutiu constantemente política internacional e previu que um dos maiores impactos da revolução Cubana, seria a perda substancial de suas atividades e de outros mafiosos na ilha; esta previsão ajudou a formar uma aliança entre mafiosos e o governo estadunidense para derrubar o governo de Castro. Antes disso, Lansky contribuiu fortemente com a causa Sionista e no final da vida, por causa de um anti-semitismo perceptível por parte de seus sócios ítalo-americanos- e em uma tentativa transparente de escapar da lei- foi morar em Israel; seu esforço para evitar a deportação tinha apoio da ultra direita israelense. Lansky investiu pesado em Las Vegas e sentiu que “os WASPS não podiam aceitar que um bando de judeus e italianos malandros de rua pudessem ganhar dinheiro em Vegas e em outros lugares. Eles queriam nos colocar de fora e finalmente conseguiram” (Lacey 1991, 55,80,255,291,337).

Sam Gincana, que compartilhou uma amante com John F. Kennedy, se gabava do crime organizado ter patrocinado estrelas, incluindo “os irmãos Marx, George Raft, Jimmy Durante, Marie McDonald, Clark Gable, Gary Cooper, Jean Harlow, Cary Grant e Wendy Barrie”. Ele disse que o então presidente Harry Truman era “seu garoto” e acrescentou que a máfia em “Chicago usou seu dinheiro e influência para testar e se aproximar de todos, de Ronald Reagan a Ed Sullivan”. O mafioso Diamond Joe Esposito “se gabava dos encontros rotineiros com Calvin Coolidge e de distribuir votos e favores a pedido do Presidente”. Gincana “fez negócios com o produtor Harry Cohn” de Hollywood e se provou útil a ele em seus conflitos com os sindicatos. De fato, a máfia queria uma “tomada dos sindicatos, de costa a costa (…) ameaçando membros dos sindicatos com perda de empregos, os criminosos poderiam organizar os esforços de maridos, esposas, filhos e filhas em apoio a praticamente qualquer golpe que a máfia podia sonhar, incluindo a eleição de um candidato” (Gincana 1992, 34, 105, 107, 158, 409).

Mickey Cohen, maior mafioso de Los Angeles durante a década de 1940 e 1950, arrecadou grandes quantias para o Irgun em Israel. Ele não estava sozinho na exploração da consciência. Jack Dragna, outro grande mafioso de Los Angeles, era também liderança de uma organização por direitos civis ítalo-americana na cidade das estrelas. Como Lansky, Cohen era sensível ao anti-semitismo real ou imaginado por parte de seus associados ítalo-americanos e outros. Cohen era também próximo a Harry Cohn, mas recusou seu pedido para assassinar Sammy Davis Jr. após a estrela afro-americana ter causado controvérsia por causa de seu relacionamento com a atriz Kim Novak. Como muitos outros mafiosos, Cohen era próximo de Frank Sinatra, que fora outrora alinhado com a Esquerda, mas se tornou mais tarde apoiador do Partido Republicano. Cohen também tinha suas conexões políticas, afirmando que “em um dado momento entre os anos 40 e 50 eu tinha uma comissão inteira da polícia de Los Angeles para mim. Muitos dos comissários não tinham escolha. Ou caminhavam junto ao programa, ou eram empurrados para longe da vista”. Ele direcionou dinheiro para campanhas políticas do Prefeito Fletcher Bowron e acrescentou, “eu tinha o número privado do seu escritório e de sua casa”. Ele também arrecadou fundos para as campanhas políticas de Richard M. Nixon. Ele era grato à imprensa controlada por William Randolph Hearst, que o retratava “como um Robin Hood” e ordenou que seus organismos de imprensa se referirem a ele como um “apostador”, não como um “bandido” (Cohen 1975, 43,83,91,95,106,232; ver também Reid 1973, 110, 171).

Abner “Longy” Zillman, criminoso de alta patente em New Jersey, também sentiu que “a maioria dos mafiosos italianos de Nova York eram antissemitas”; ele era também próximo a Harry Cohn da Columbia Pictures e dos Irmãos Schenk da MGM, sem mencionar Dore Schary, um “amigo próximo” e executivo do cinema. Ele também teve grande interesse nos sindicatos embora “esta estima (…) vinha da necessidade de encontrar emprego para seu exército de parentes”. Como Cohen e Lansky, ele tinha amplos interesses, incluindo siderúrgicas, no Kinney Parking Systems (comprado pela Time-Warner tempos depois), jukeboxes, hotéis, boates, etc. (Stuart 1985, 50,188,88-89,97).

Uma análise sobre a vida dos mafiosos levanta questões intrigantes que valem boas investigações, mesmo que não se tome como verdade todos os aspectos de suas histórias. Se se examina a “limpeza étnica” nos bálcãs, por exemplo, é aparente que figuras do crime organizado como Arkan, que eram ultranacionalistas, que basicamente pilharam e saquearam outras nacionalidades e entregaram seus espólios aos “blood Brothers” que se juntaram a eles; a atividade lúmpen faz uso da etnicidade para seu próprio interesse (Rieff 1995; CNN 1997). Famílias do crime organizado operam em um princípio semelhante, a medida em que penderam ao etnocentrismo e espalharam suas atividades entre membros da própria família. Isto levanta a questão do alcance do nacionalismo em sua ressurgência atual e qual seriam seus elementos lúmpen nele envolvidos. Conforme apontado, a construção da “identidade branca” na África colonizada se baseou predominantemente em uma deficiência compartilhada de melanina no compartilhamento dos saque tomado dos africanos.

E existe a visão distinta dos mafiosos sobre o “sexo”. O estupro homossexual a marca preferida de punição escolhida pelos gangsteres e, infelizmente, se tornou parte da cultura em alguns presídios onde são hegemônicos. Como sua contraparte heterossexual, o estupro homossexual é mais um crime de violência e subordinação do que um ato sexual. Assim, uma das táticas preferidas de punição de Gincana era molestar seus oponentes com bastões de poker”; Gincana ameaçou uma vez violar um oponente com uma arma em seu reto e puxar o gatilho. Quando William Jackson foi assassinado pela máfia, foi “instalado um dispositivo elétrico em seu reto” (Gincana 1992, 100, 148, 397).

A máfia de Cuba antes da revolução era especialista em apresentações de sexo, estrelando relações sexuais lésbicas ao vivo (Ragano e Raab, 1994, 46). Cohen se gabava por ser dono de “locais gays”, embora acrescentasse em seguida, “eu nunca tive de ir a nenhum deles” (1975,223). É sabido que os piratas, precursores do crime organizado, por vezes tendiam a ter visões semelhantes a respeito da sexualidade (Burg 1982). O que precisa ser questionado mais sistematicamente é a influência do lumpen-proletariado- para além da prostituição masculina ou feminina- na cultura sexual dos EUA, particularmente as ligações entre sexo e violência (Chauncy 1994, Faderman 1991, Duberman 1991).

Tais questionamentos são necessários, pois é aparente que as forças progressivas subestimaram a influência perversa do crime organizado na cultura estadunidense, a despeito de seu protagonismo evidente em conspirações de assassinato aqui e fora do país. É uma pena, pois a medida em que os EUA coloca seus tentáculos de influência na Rússia, nos Bálcãs e em outras partes do globo, tem havido um aumento inevitável e deliberado do crime organizado. A influência da máfia tem sido ocultada- sua proeminência nas manchetes e no cinema ofusca nossa sensibilidade a seu impacto. O jornalista investigativo Jeff Gerth do New York Times não está longe das pistas quando sugere que:

“O crime organizado se entranhou em todos os níveis da estrutura social, a condução de Donald Cressey, consultor da Comissão Presidencial sobre Violência conclui: “A penetração nos negócios e no governo por parte do crime organizado é tão completa que não é mais possível diferencial criminosos do submundo de empresários do mundo superficial ou funcionários do governo”. (1976,132).

Estas conexões estiveram particularmente evidentes na Califórnia e mais notavelmente nas carreiras de dois dos filhos prediletos do Estado, Richard Nixon e Ronald Reagan. Califórnia, a “fronteira final”, no século passado esteve envolta em um evento que chamou atenção pelas táticas sedentas de sangue das quais o lúmpen-proletariado se especializou- a expropriação de nativos americanos. Aqui na fronteira, como detalhou Mickey Cohen, mafiosos se uniram abertamente com autoridades eleitas e figuras de negócios respeitáveis. Para citar uma destas instâncias: Guy McAfee, encarregado do vice esquadrão da Polícia de Los Angeles nos anos de 1930, fez uma carreira em operações de apostas e casinos junto a mafiosos; ele ajudou a construir o Golden Nugget em Las vegas, por exemplo (Johnson, 1975b, 55).

O que é surpreendente é que poucas destas relações foram feitas em sigilo. Michael Denning notou que “as revistas de tabloides eram cheias de histórias de criminosos; no início dos anos 30 havia publicações inteiras dedicadas à “contos de gangsteres”, “contos de mafiosos” e histórias de detetives (1997,254). Surpreendentemente, a narrativa que focou na expropriação da terra dos nativos americanos- o gênero do faroeste- foi suplantada em Hollywood pelo cinema mafioso, que simplesmente atualizou a história da pilhagem e da política (Dargis,1996).

Os que interpretavam bandidos no cinema, como George Raft, eram conhecidos de criminosos do mundo real como Bugsy Siegel e Owney Madden. Howard Hughes, o industrial, era sócio de Siegel no Flamingo of Las Vegas. O diretor Howard Hawks era amigo próximo de Al Capone. O filme Scarface incluía cenas da vida criminosa, como Raft e Paul Muni levando flores a um rival no hospital e então tirando uma arma das flores e atirando no oponente (Munn 1993, 32, 89, 204). De fato, Meyer Lansky sugere, criminosos do mundo real aprenderam das maneiras de Raft de se vestir e seus maneirismos vieram a definir a atuação das máfias (Lacey 1991, 148).

Los Angeles e sua principal indústria, a de Hollywood, se tornou uma fonte vultosa de lucros para mafiosos e por sua vez, um campo de recrutamento e verniz da imagem que tinham as máfias. F. Scott Fitzgerald sugeriu esta ligação em seu romance sobre Hollywood, The Last Tycoon (1969). Esta ligação se aprofundou durante a Depressão de 1930 quando, de acordo com análises, os estúdios estavam zerados de caixa e mafiosos como Longy Zwillman, que tinha relações com executivos de Hollywood, injetaram capital neste ramo. Este analista, Hank Messick, acrescentou posteriormente que como resultado desta aliança e “sob pressão dos mafiosos, a arte vinha sendo abandonada em detrimento de produções destinadas ao apelo do senso comum da sociedade” (1973, ix, 51-52).

Ainda, a importância maior desta aliança não foi apenas relevante para o cinema. Não, esta aliança sustentou mafiosos na ampliação de suas influências entre sindicatos, particularmente sindicatos em Hollywood- Caminhoneiros, pintores e afins- e aumentou sua influência na sociedade. Novamente, esta relação não era segredo. Antes disso, Orson Welles previu as implicações mais profundas desta relação quando observou que:

“Um grupo de industriais financiam um grupo de mafiosos para desmobilizar o sindicalismo, averiguar a ameaça do socialismo, a ameaça do socialismo ou a possibilidade da Democracia (…) Quando os mafiosos foram bem sucedidos no que foram pagos para fazer, eles se voltam aos homens que os pagaram (…) Os mestres das marionetes se deparam com suas criações tomando vida própria”. (Denning 1997, 375).

Concordando ou não com a análise de Messick ou Welles, o ponto é que havia uma relação aberta e evidente entre os mafiosos e uma das mais lucrativas indústrias do país.

Assim, o Washington Times-Herald reclamou em 26 de Setembro de 1947 de que a “maioria dos gangsteres da Califórnia (…) ou tinham entrada social entre os novos-ricos ou eles mesmos subiram de nível como Astors  e Vanderbilts de seu tempo”. Não era um mero acidente este comentário ter sido feito durante um ano quando a ressurgência de greves no pós-guerra representava uma ameaça direta e perceptível à hegemonia da burguesia, que via o braço armado das máfias como instrumento para desmontar esta insurgência. Ao mesmo tempo a infame Associação dos Comerciantes e Fabricantes de Los Angeles formou um Comitê Cidadão de Lei e Ordem para amparar o Departamento de Polícia de Los Angeles na supressão de grevistas (Labor Herald, 15 de fevereiro de 1946).

A própria Hollywood foi confrontada por grevistas militantes no levante contra a desmobilização promovida pela liderança sindical tomada às multidões pela Aliança Internacional de Empregados do Teatro (IATSE) e o surgimento de uma Conferência militante de sindicatos de estúdios liderados pela esquerda.

A história começa em 1930 quando os estúdios se tornaram dependentes do dinheiro da Máfia. Neste contexto, Al Capone se encarregou de instalar dois de seus comparsas,  Willie Bioff e George Browne, como lideranças de um sindicato estratégico do cinema, o IATSE. Os dois rapidamente se tornaram confortáveis com os atrativos do sul da Califórnia. Biof, um bandido convicto que bebia cem garrafas de cerveja em um único encontro, veio a se acionista dos estúdios da Fox e amigo de Harry Warner. Era dono de oitenta acres exuberantes no Vale de São Fernando “pelas propriedades de Tyrone Power e Annabella, Clark Gable e Carole Lombard”; suas posses incluíam “palmeiras de 600 dólares (…) as maiores e mais antigas da Califórnia” (Muir 1940, II; Chicago Daily News, 19 de julho de 1935; Chicago Tribune, 12 de Junho de 1935).

Com a Segunda Guerra Mundial, no entanto, o entusiasmo pelos mafiosos, muitos dos quais eram simpáticos a Mussolini, começou a minar. Os estúdios confessadamente estiveram pagando Bioff e Browne lindamente para manter apaziguados os sindicatos; no entanto, a acusação de um dos líderes do sindicato afirmou que esta medida não era suborno, senão extorsão. O tenente chefe de Capone, Frank Nitti, cometeu suicídio após ter sido indiciado- pelo menos ele foi encontrado com uma bala no crânio (New York Times, 20 de março de 1943; 5 de novembro de 1943; 28 de outubro de 1941).

Bioff e Browne acabaram se voltando contra seus parceiros da máfia, testemunhando contra eles. Dentre os condenados no processo estavam Johnny Roselli, operador central no Sul da Califórnia. Born Filippo Sacco em Esteria, na Itália, em 1905, chegou aos EUA e em 1911 rapidamente se envolveu com a atividade criminosa. Erigiu uma posição de autoridade dentre os mafiosos, se tornou uma “ponte da máfia” com o Prefeito Frank Shaw de Los Angeles e era um “executor de trabalhos” da indústria cinematográfica. Como dizem seus biógrafos:

“O sucesso enorme e repentino dos filmes espalharam uma orgia de vícios que ameaçaram estraçalhar a indústria. Uso de drogas era generalizado, incluindo cocaína, heroína e álcool ilegal. Favores sexuais eram requeridos por diretores de cinema e se tornaram recorrentes. O Keystone Studios de Mack Sennett precisavam ser barrados e interditados. ”

As apostas eram rifadas e controladas pela Máfia, com executivos dos estúdios apostando até 15 mil dólares em uma única noite. Roselli foi pivô do sucesso de Harry Cohn e do Columbia Studios; eles moravam no mesmo apartamento e trocavam presentes. O “amigo mais próximo” da MGM Louis B. Mayer era o parceiro de máfia de Roselli, Frank Orsatti (Rappley e Becker 1991, 75, 54,60,62).

Mas todas as suas altas conexões não evitaram a condenação de Roselli e sua sentença em 1944. Em 1945, a Conferência dos Sindicatos de Estúdios (CSU), liderou uma amarga greve de oito meses. Quando o estúdio retaliou cercando os grevistas em 1946, as linhas dos piquetes foram permeadas de cenas de violência. Em 1947 Roselli foi surpreendentemente solto da prisão, com alguns especulando que seus amigos do estúdio demandam sua ajuda para esmagar a CSU de uma vez por todas. Sua liberdade condicional causou um “escândalo nacional”; seu advogado, Paul Dillon, trabalhou como agente da campanha para o senado de Harry S. Truman, e estas conexões eram vistas como importantes para sua libertação prematura. (Johnson, 1950, 30; Los Angeles Times, 5 de julho de 1987).

O CSU foi esmagado, e Roseli re-ingressou na indústria cinematográfica, desta vez como produtor. Dentre seus trabalhos estavam T-Men, Canon City, e He Walked by Night. Estes filmes eram “populares em público e crítica, e se tornou uma grande influência em programas de rádio e TV como Dragnet”. Ele também se envolveu em negócios que lidavam com o setor militar da Guatemala no início dos anos de 1950, participando da derrubada de Jacobo Arbenz em 1954, e estreitou laços com os caminhoneiros, com Joseph Kennedy e com os cassinos de Las Vegas. Foi recrutado pela CIA para assassinar Fidel Castro. No meio dos anos de 1970, seu tronco foi encontrado em um tambor de óleo flutuando na Baía de Miami após ter sido chamado a ser testemunha em uma investigação sobre suas atividades mais nefastas. Bioff mudou de nome e se mudou para Phoenix, onde se tornou amigo do Senador Barry Goldwater; sua sorte acabou no meio da década de 1950 quando foi assassinado por um carro-bomba (Rappley 1991, 155, 202; Clarens 1980, 167; Los Angeles times, 28 de julho de 1948; Los Angeles Examiner, 26 de agosto de 1948).

Neste ínterim, enquanto caminhavam para derrotar, a CSU proclamava que “os mafiosos estão chegando (…) os homens das comissões, reis dos caça-níquéis, donos de bordéis e personagens do submundo foram expulsos da cidade quando lembraram do Prefeito Frank Shaw” estão de volta; “os magnatas do cinema se aliaram com o submundo (…) como fizeram nos dias de Shaw” (CSU ca. 1945/1946).

Ronald Reagan, o Delator

A odisseia de Johnny Roselli não foi o único aspecto intrigante das consequências da destruição da CSU. Ronald Reagan, outrora líder da Screen Actors Guild, se aliou ao estúdio durante a paralisação dos trabalhadores; como resultado desenvolveu relações estreitas com líderes corporativos que se provariam essenciais em suas campanhas eleitorais.

Sidney Korshak, um advogado durante o julgamento de Roselli que trabalhou como Conselheiro de Capone, se tornaria, nas palavras de um agente do FBI, “o elo principal entre os grandes negócios e o crime organizado”. Lew Wasserman, antigo funcionário de Reagan, chamou Korshak de “um grande amigo pessoal”. Korshak era proprietário de Hoteis Hilton, do MGM Hotel, e tinha a Paramount e a General Dynamics como clientes; era amigo de J. Edgar Hoover. Wasserman tinha motivos para ser grato a Reagan, uma vez que reagan (enquanto liderança da Screen Actors Guild) permitiu Wasserman servir ao mesmo tempo como agente para os atores e seu empregador (Wasserman era chefe da MCAUniversal Studio). Isto contornou diretrizes antitrustes. Wasserman era também doador do Partido Democrata. Korshak era também próximo do produtor da saga Godfather, Robert Evans, ilustrando novamente o elo próximo entre representações de cinema e a realidade (New York Times, 22 de janeiro de 1996; Hollywood Reporter, 19 de agosto de 1994; Moldea 1986; Congresso dos EUA, 1951).

Godfellas (1990)

A destruição da Conferência dos Sindicatos de Estúdios depois da Segunda guerra mundial foi um elemento essencial para cimentar a tendência da influência perversa do crime organizado nos sindicatos- em outras palavras, a ascensão da organização Lúmpen e o declínio da organização da classe trabalhadora nos EUA. A despeito da mudança na liderança da AFL-CIO em outubro de 1995 e as subsequentes reformas nos sindicatos associados, incluindo o dos caminhoneiros, esta tendência permanece (New York Times, 24 de janeiro de 1992, 22 de junho de 1990, 9 de abril de 1989, 21 de fevereiro de 1984, 28 de abril de 1983, 12 de dezembro de 1980, 9 de fevereiro de 1980; Los Angeles Times, 9 de fevereiro de 1984; Business Week, 14 de fevereiro de 1983; Wall Street Journal, 5 de outubro de 1982; US News and World Report, 8 de setembro de 1980; National Law Journal, 29 de fevereiro de 1988). Por exemplo, a célula sindical local dos caminhoneiros 817 em Nova York, que representa muitos dos trabalhadores do teatro, é fortemente influenciada por uma gangue conhecida como Westies (English 1990, 155).

Os filmes e a televisão, com sua glamourização em Goodfellas e em the Last Don, também em The Krays, Telefon Don e Sammy the Bull, continuam a prestar um papel substancial em higienizar seus parceiros, os mafiosos. Esta tendência deixa aflitos os jornais também; New York times recentemente exaltou os corsários como verdadeiros democratas-claro, estes saquearam tesouros da África e sequestravam africanos para escravizá-los, mas, afinal de contas, compartilhavam o saque dentre eles” (11 de março de 1997).

Retratar imagens glamourosas de bandidos portando armas não tem sido apenas instrumental em prover legitimidade a estes em território nacional, também serviu para espalhar a cultura organizativa do lúmpen proletariado para além das fronteiras, abrindo caminho para o imperialismo estadunidense ao minar a cultura opositiva da classe trabalhadora nos territórios nacionais. Bandidos jamaicanos, por exemplo, “glorificavam os faroestes hollywodianos” ; em Kingston havia uma “tradição consagrada pelo tempo dos pistoleiros de hollywood”. Havia uma “simbiose secreta” entre estes pistoleiros caribenhos e “mercenários e políticos”; isto funcionou em detrimento da oposição feita pela classe trabalhadora liderada nos anos de 1980 pelo líder socialdemocrata Michael Manley (Gunst 1995, XIV, 9, 74, 81).

Como o exemplo da Jamaica sugere, não fugiu à atenção da população negra de que outros acumularam quantias enormes de riqueza e melhoraram sua posição enquanto grupo dentro do capitalismo ao trilhar o caminho do lúmpen. Os negros nos EUA, mais notadamente talvez no sul de Los Angeles- não se cegaram ao desenvolvimento vizinho em Hollywood. Isto levou à criação do “gangsta rap” e magnatas da música com planos tão audaciosos quanto os lúmpens dos anos 30; ainda que de alguma forma, tipicamente estadunidense, o discurso no final das contas evitou que fizessem esta óbvia conexão.

No início da década de 1970, afro-americanos organizaram um Fairplay Committee- composto por um grupo de pessoas para melhorar seu status na indústria da música. Eles estavam tentando formar uma “família negra que se oporia às famílias” que controlavam estes negócios. Em resposta, o empresário da música Morris Levy contratou um afro-americano, Nat McCalla “um dos primeiros negros a ser admitidos nas fileiras da máfia italiana”. Mas esta iniciativa não acalmou as tensões raciais; um mafioso estava irado com a ascensão da Stax Records, gerida por negros: “Nós simplesmente tomamos sua empresa de publicidade e iremos tomar a gravadora, colocar todos estes pretos pra fora do ramo, e colocar seu líder preto na cadeia”. Todos estes sonhos racistas não se realizaram, no entanto, em 1980 McCalla “levou um tiro na nuca” em Fort Lauderdale e esta tentativa dos negros de seguir o caminho lúmpen na indústria musical foi interrompida (Picardie 1990, 173,177,192-93;253).

Anos atrás, Max weber definiu o Estado como a agência na qual se sustenta o monopólio da violência legitimada sobre a área sob seu domínio. No entanto, mesmo nos tempos de Weber, isto era raramente verdadeiro no sentido absoluto, na medida em que vários elementos lúmpen- de mercenários e piratas a mafiosos- regularmente usavam violência, particularmente contra inimigos da elite, como os sindicatos. A habilidade deste lúmpen em implantar violência é somente outro exemplo de um objetivo tradicional das elites da direita- diminuir o papel do estado e aumentar o controle de agentes não-estatais. Pode-se pensar que criar duas, três ou quantas Somálias, onde o estado foi eviscerado e a habilidade de sobreviver foi frequentemente dependente da proteção que se recebia das famílias- crime organizado ou algo parecido- é o objetivo final destas elites.

O The Economist, citando Weber em semelhante aforismo, notou a proliferação de forças policiais privadas nos tempos recentes:

“Desde 1970 uma transformação esteve em curso. Naquele ano, ainda haviam mais forças de seguranças públicas do que privadas nos EUA. A proporção de agentes públicos para os privados era de 14:1. Agora, o número de agentes privados está três vezes maior do que os da segurança pública; na Califórnia,este número chega a ser quatro vezes maior. A General Motors sozinha possui uma força policial privada de 4200 mais do que todas estas, exceto por cinco cidades estadunidenses.” (19 de abril de 1997).

Na Irlanda do Norte, esquadrões da morte ascenderam, “gangues que acertam suas vítimas com tacos de baseball para suprimir crimes em regiões Católicas ou Legalistas.” Estes esquadrões estiveram assumindo o papel das forças policiais (Johnson 1992; McKenzie 1994). Tais desenvolvimentos se fazem para ordenar a exploração por parte das facções do crime organizado, que preenchem melhor estas brechas quando o estado se retira (ver, e.g, Horne 1995b). Estas iniciativas oferecem oportunidades únicas de carreira para aqueles que têm precedentes violentos; Timothy McVeigh, condenado após explodir uma repartição federal em Oklahoma em abril de 1995, era um agente privado de segurança (Zielinski 1995, 50).

Enquanto isso, o assalto ao estado e o declínio da Esquerda, abriu raras e extraordinárias oportunidades para o Lúmpen. Frequentemente associados com os negócios “legítimos”, gangues do crime organizado fizeram crescer o número de negócios relacionados ao tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro (Chossudovsy 1996). É quase como se os EUA, que começaram enquanto nação como um enorme impulso do lúmpen deportado da Inglaterra, agora, duzentos anos depois, não se tornassem só a terra de oportunidade para os mafiosos, mas também um modelo a ser exportado de criação de “repúblicas criminosas”.

Em qualquer circunstância, ao nos deparar com o novo milênio, alguns pontos estão óbvios: certamente uma aceleração da ideologia da classe trabalhadora e sua organização é um dever, mas uma condição que precede este movimento é um melhor entendimento- e subversão de seu significado- da ideologia do lúmpen e sua organização, que se tornou bastião do imperialismo estadunidense.


 

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