Comunicação e avanço conservador: um debate necessário

Por Arthur Moura, cineasta, graduado em História pela UFF, mestre em educação pela UERJ – FFP.

Resolvi escrever este texto como forma de organizar as minhas ideias ou simplesmente um conjunto de reflexões que são necessários para que possamos compreender a conjuntura atual do país. É preciso pensar a construção de uma comunicação organizada que se paute pelo enfrentamento direto contra a ofensiva da direita e de todo o seu programa, do contrário o conjunto das esquerdas estará fadada ao fracasso.  O primeiro passo para se lograr êxito é compreender detalhadamente a história do país e a conjuntura atual para melhor traçar as estratégias que farão parte essencial da luta. É claro que aqui aponto apenas algumas poucas contribuições, que ainda assim só foi possível graças a estudos e pesquisa. Por isso a necessidade do debate num campo teórico também para melhor aprofundamento.


Há um grande avanço do ultra-conservadorismo no Brasil que se intensificou após o golpe contra Dilma, mas que já vinha dando sinais desde 2014 com movimentos verde-amarelo como o Vem pra Rua. Há um debate importante que devemos fazer que é sobre o caráter desse golpe. Há setores da esquerda que negam que houve golpe pelo simples fato da dinâmica institucional burguesa prever fases autoritárias de maior ou menor grau. A ditadura ou golpe são formas que a burguesia encontra para manter o controle em momentos de instabilidade e ameaça popular. No entanto, não podemos negar que interno às estruturas de poder há tensões que são determinantes para seguir um conjunto de políticas ou não. No geral, essa dinâmica inerente ao funcionamento do Estado, não altera a condição dos trabalhadores para além dos arrochos e da repressão.

Esse avanço da direita só foi possível graças a uma relação de subornos e financiamento direto do grande empresariado e outros colaboradores, que entre outros, garante a existência do MBL, por exemplo. Nesse ponto, a comunicação vem sendo fundamental e imprescindível nas disputas de narrativa que acontece diariamente de forma intensa nas redes sociais principalmente. A comunicação organiza um conjunto de informações e argumentos muitíssimo duvidosos que precisam ser veiculados para que se construa artificialmente a necessidade de implementar a qualquer custo políticas de austeridade contra os trabalhadores especialmente os mais precarizados.

De 2013 pra cá construíram-se novas figuras que passaram a ser os novos formadores de opinião do senso comum altamente reacionário. Essas figuras foram popularizadas, sobretudo pela potência de difusão da internet que propagam suas ideias em filmes, séries, vídeos diversos, notícias, hangouts, lives, youtubers, blogs, páginas no facebook, etc, mas também pela habilidade desse setor em ludibriar mentes ainda pouco esclarecidas sobre a complexa relação de disputas no campo político, cultural e econômico.

A comunicação é um campo marcado pela cisão de classe. Ou seja, ela está permeada e funciona a partir de interesses de grupos sociais que mantém relações econômicas e políticas com uma série de outras instâncias de poder como o Estado, partidos, empresas, etc, que por sua vez servem a um interesse de classe. Por mais que se queira esconder, os interesses são facilmente identificados numa breve análise de discurso do principal jornal da noite, por exemplo. No entanto, isso é obnubilado no jogo imagético-discursivo que se faz a partir da suposta neutralidade (coisa que a nova direita já não ousa mais dizer).

Há uma construção diária de notícias que funcionam para o enfraquecimento da classe trabalhadora, mantendo-a em sua condição de dominação. Essa é a comunicação hegemônica, a comunicação da classe dominante.

O principal objetivo dessa comunicação é convencer os trabalhadores que suaposição social de subalternidade é necessária ao bom funcionamento da economia capitalista e que depende dos esforços individuais o sucesso ou fracasso de cada um. Esse conjunto de notícias e informações afirma em última instância a impossibilidade de uma mudança radical. Constroem a crença de que o capitalismo é a forma última de economia e a representatividade burguesa a única organização social possível, cabendo no máximo algumas reformas aqui e ali para administrar as contradições próprias do sistema.

É claro que nem todos se satisfazem com esse jogo de notícias diárias sobre desastres, esquemas, vida privada de artistas, banalidades, prisões, matanças e futebol, que mais desencoraja a luta que a fomenta. Aqueles que negam e lutam são vistos como baderneiros, invasores, vândalos, loucos, irresponsáveis, etc. Todo o conjunto midiático produz uma série de discursos que desautoriza a ação desses grupos deslegitimando-os, reforçando a necessidade da criminalização e punição para o melhor controle da população. Essa mídia é tão eficaz que convence parte significativa da classe trabalhadora de que manifestações radicais não devem se tornar uma prática generalizada, pois a sociedade estaria entregue à barbárie. Para os donos do poder, os trabalhadores não teriam capacidade para se autogerir necessitando sempre de uma força maior sobre suas vontades que a guiaria às suas funções em sociedade. Isso justificaria a ação livre da polícia contra manifestantes e, por fim, a manutenção do estado de coisas.

Dentro desse contexto, os trabalhadores têm uma tarefa ainda mais árdua: organizar-se e difundir suas ideias em aparatos de comunicação produzidos pelos próprios trabalhadores ao passo que disputam a política para a construção de uma sociedade sem mercado e sem estado. Isso dificulta a ação desenfreada da ofensiva burguesa no apagamento das lutas sociais que se põe a construir uma leitura aristocrática da história. A luta travada no campo da comunicação depende também de um programa revolucionário. Do contrário apenas refutará momentaneamente qualquer bizarrice conservadora não tendo chance alguma contra o conjunto de elementos difundidos na conservação da ordem burguesa.

A comunicação no campo da esquerda tem um caráter estratégico nas lutas. Cumpre papel importante não se resumindo a meramente informar o outro, mas contribuir para a emancipação intelectual. A comunicação revolucionária não tem nada a ver com o espetáculo midiático. Construir uma comunicação popular, depende da compreensão detalhada da conjuntura política contemporânea de pelo menos 100 anos pra cá.

Sempre se lutou por alterar o sentido da história. O pensamento liberal desde a revolução industrial criou a ideia de uma economia unificada pautada pela livre competição dos empresários e comerciantes numa dinâmica que oxigenaria e fomentaria a equidade social desde que se obedecesse aos ordenamentos do mercado. O Estado tem aí uma função primordial que é garantir as condições necessárias à existência dessa dinâmica de produção, compra e venda de mercadorias organizando, por exemplo, no campo jurídico as determinações de funcionamento essenciais da sociedade. O Estado tem uma função ainda mais importante que é garantir a propriedade privada dos meios de produção utilizando a força repressiva dos exércitos, polícias e guardas para isso, o que gera obviamente a imposição de um modelo econômico que dependeu e depende historicamente da exploração direta de países mais vulneráveis economicamente.

Essa história é contada pela classe dominante nas suas formas de comunicação sem levar em conta os reais motivos que colocou boa parte dos trabalhadores a desde já se revoltar contra as relações de exploração. As lutas contra o imperialismo foram construídas como um comportamento antidemocrático e autoritário ou que simplesmente não modificou as relações internas para melhor e até mesmo a cultura nacional é descaracterizada como algo não genuinamente próprio, ou quando é o caso de manifestações da classe trabalhadora, posta em dúvida sobre sua autenticidade.

O avanço de valores e políticas conservadoras no Brasil vem sendo possível graças a um esforço midiático que não se limita mais às grandes corporações como a rede Globo, SBT e outros. A produção de conteúdos na internet é sem dúvida campo privilegiado na construção de uma história que eles chamam de “politicamente incorreta”, ou seja, que foge de uma certa hegemonia de esquerda que trata a história como uma luta entre mocinhos e bandidos, portanto, numa relação maniqueísta com o passado, demonizando supostos benfeitores como os portugueses ou futuramente os patrões.

Para os conservadores é necessário ser menos rudimentar e apontar para as contradições daqueles que diziam lutar contra as agruras do sistema. Os índios, por exemplo, segundo a nova leitura da história permeada por curiosidades (que de nova nada tem, todos sabemos), são os seus próprios algozes. Matavam-se entre si e destruíram as florestas muito antes da chegada dos portugueses, que por sua vez trouxeram avanço significativo para esses povos ainda distantes da civilização. A escravidão surge como algo previamente facilitado pelos próprios negros, interessados que estavam na dominação dos seus próprios povos.

Numa live sobre a série Guia Politicamente Incorreto promovida pelo History Channel Brasil, Leandro Narloch (autor do livro Guia Politicamente Incorreto do Brasil) é perguntado em que época da história gostaria de ter vivido no Brasil e responde: “Olha, eu acho que o Rio de Janeiro no século XIX… o Rio de Janeiro tinha mais escravos que a Roma antiga. Ele era um lugar impressionante de quantidade de gente. Tinha uma efervescência, tanta gente, tanto escravo que acabava conseguindo comprar a liberdade e depois comprar escravos pra si próprios. O movimento negro hoje tenta apagar essa ideia, mas na verdade não tem nada de errado nisso. A escravidão naquela época era um costume milenar e na verdade mostra que as pessoas eram protagonistas. Tem relatos do Rio de Janeiro naquela época como uma cidade com muito empresário na rua, muito negro com tabuleiro vendendo e ganhando o seu dinheiro. Devia ser muito interessante o Rio de Janeiro naquela época.” Ou seja, nada de anormal acontecia e do contrário que dizem, os escravos estavam muito bem adaptados às condições da sociedade escravista.

Todo esse investimento na construção de filmes, séries, notícias diárias, livros, revistas, lives, hangouts, youtubers, fez avançar incrivelmente as pautas conservadoras, convencendo e oferecendo um conjunto de argumentos padronizados sobre todos os temas históricos e questões atuais numa tentativa de organizar e justificar a dominação. Esse conjunto de produções interligam-se perfeitamente aos interesses mais urgentes das classes dominantes. Nenhum exagero nessa afirmação, basta continuarmos interligando os pontos para uma melhor reflexão sobre o tema.

As formas de resistência ainda não conseguem fazer frente ao aparato conservador muito por conta da agressividade e ofensiva desse setor, mas também pela ausência de unidade da esquerda. Para além de compreender a conjuntura há um problema prático da organização da classe trabalhadora. Um desses problemas certamente é a adesão por parte de trabalhadores a posições neofascistas. Outra dificuldade que se coloca para a formação de uma necessária unidade (para além da formação de frentes antifascistas, por exemplo): a resolução de questões internas aos processos das lutas dos trabalhadores ao longo da ditadura civil-militar no Brasil até os dias atuais, principalmente.

Ora, quando setores da direita vêm a público dizer que cabe apenas ao Estado preocupar-se com a segurança, que dúvida ainda nos resta sobre o projeto político desse setor? Em última instância, caberia ao Estado apenas administrar na base da coerção as próprias contradições geradas pela lógica privatista e inconsequente do mercado. A solução que a direita oferece aos trabalhadores é que continuem trabalhando independente das privações que vão sofrer daqui pra frente e que continuem acreditando no processo eleitoral como saída para os problemas estruturais da sociedade. Ou seja, que continuem acreditando nas lideranças políticas e nos donos do capital.

O problema maior certamente é para além de compreender todo esse simulacro que a direita constrói (que vai desde o descrédito das instituições burocráticas ao mesmo tempo em que aposta na sua renovação por meio de representatividades financiadas pelo alto empresariado e por setores conservadores, passando pela construção de aparatos de comunicação que disputam a partir do espetáculo midiático as pautas de toda sociedade), ir além na construção de um projeto de poder popular que crie unidade entre os trabalhadores. A urgência agora é a defesa contra os ataques diários que sofrem ao serem explorados pelas relações de trabalho na sociedade burguesa.

Praticamente todos os setores e serviços públicos como principalmente a saúde e a educação, mas também direitos trabalhistas estão sofrendo profundos impactos. Por outro lado, a estrutura repressiva, por mais que reclame, recebem investimentos pesados para maior controle da população e das manifestações de rua. O que a direita constrói agora é a ideia de que qualquer manifestação como as que ocorreram em 2013 são autoritárias necessariamente por ser de esquerda e nesse caso, esse discurso serve para explicar os motivos da crise no contemporâneo. Em outras palavras, a esquerda é responsável pelos desastres econômicos que se acentuou de uns anos pra cá.

O controle da população então se torna uma necessidade para se reordenar a economia, ainda que pautado por uma prática autoritária. Essa manobra conceitual e histórica é construída junto com a criminalização dos movimentos. Então ao passo que internautas bradam nos posts todo o tipo de barbaridade, a realidade material também reflete todo tipo de injustiça e violência. A capitalização da direita e dos conservadores de uma forma geral das linguagens e principalmente da comunicação, do jornalismo, cinema e da construção de novas lideranças (muitas vezes jovens financiados por grandes empresários ou simplesmente colaboradores) que ganha adesão e popularidade, coloca um problema que não pode mais ser ignorado. Toda essa conjuntura configura um quadro de riscos aos movimentos e militantes de uma forma geral que desperta um ódio profundo por parte dos ultra-conservadores que não admitem nem mesmo pautas progressistas, mas sim um regresso às formas mais primárias da dominação de classe.

Tudo está sendo feito para salvar a economia capitalista. Tais esforços evidenciam uma demagogia e um cinismo escancarado que ainda assim convence parte significativa dos trabalhadores. É construído aí uma psicologia de massa do fascismo. E como funciona a manobra para alterar o sentido da história?

Em primeiro lugar, se inverte o significado de conceitos importantes como a política, por exemplo, que passa a ser não mais pautada pela disputa e ampliação do sentido do que é público, restringindo-se aos limites da vontade individual e da coisa privada. Importante observar que quem mais defende esses interesses são os que detêm o monopólio no setor financeiro, assim como as oligarquias locais e os setores ultraconservadores como os evangélicos. Cada um desses possuem os seus próprios interesses privados. Nisso se constrói a ideia de que a política, por um caráter de urgência (mas que na verdade diz respeito às estratégias da classe dominante) deve ser conduzida e liderada por competentes profissionais que formam oligarquias e arregimentam as massas no plano ideológico, sobretudo no campo moral. A política, portanto, se torna um privilégio longe até mesmo da ideia burguesa de cidadania.

Esse direito individual ou liberdade de escolha parece ser o bem maior dos liberais, ainda que nada funcione a partir de prioridades individuais a não ser pela necessidade de garantir privilégios. Esse indivíduo que reclama por maior liberdade é o mesmo que vê certos interesses econômicos e políticos ameaçados e que ironicamente credita no Estado as esperanças de subsidiar importantes setores do capital financeiro. Como afirma João Dionísio Amoêdo, “isso é uma coisa que o Novo (aqui ele se refere ao Partido Novo de sua criação) defende muito: a liberdade do indivíduo. É o indivíduo com liberdade, com capacidade de empreender, de gerar riqueza é o que melhora a vida de todos.”

Em segundo lugar se constrói novamente a ideia de um inimigo interno e que por isso é pauta permanente na boca de conservadores que ajudam a construir o medo do comunismo restando na prática a perseguição direta contra os trabalhadores. Essa direita mais conservadora imprime aí que é necessário uma limpeza social e a correção das disparidades sociais depende novamente dos esforços individuais e da competitividade do mercado. O mercado está saudável quando todos estão se matando por ele.

Não podemos esquecer que os ultra-conservadores, apesar de crer no mercado, não dispensam o exército como garantia de implementação de um regime ultra-liberal, que por sua vez já deixaram claro, eles os militares, o apoio irrestrito à pautas como a privatização e o controle necessário aos dissidentes. O uso da força militar, pelo seu impacto social e pela possível adesão popular contrária à presença dos militares na política assim como nos espaços públicos, pode gerar um desgaste ainda maior do cenário político resultando em confrontos mais intensos entre segmentos antagônicos podendo resultar até mesmo focos de conflitos entre civis.

O controle militar por enquanto se intensifica em favelas como a Rocinha que desde 2012 vem sofrendo com os abusos dos militares, que longe de eliminar o tráfico, estão ali por outros motivos. Os militares já estão presentes ocupando espaços públicos, mas com um recorte específico de classe. Estão ali para dar apoio necessário ao avanço da cidade-empresa, por exemplo, discutido entre outros por Carlos Vainer, mas também para conter as populações pobres. Por isso, as resistências que se formam no interior das favelas veem-se diariamente observadas por policiais, que invadem as casas dos moradores, saqueiam comércios, matam moradores e desmantelam organizações. A comunicação que denuncia esses atos muitas vezes parte de fora desses territórios até mesmo como forma de garantir a sua integridade e segurança (todos sabemos dos perigos de se filmar ações policiais). O uso da violência nesses territórios é especificamente montado a este fim, qual seja, o controle direto sobre as populações pobres.

A nível estratégico, a coisa ainda se dá dentro desses limites, mas isso não quer dizer que o controle militar não possa avançar para outros territórios. O critério que avaliará a necessidade ou não da presença militar vai depender da conjuntura política e não da ausência de corrupção. No fundo sabemos que a corrupção não vai deixar de existir ou reger as relações e os interesses da política institucional burguesa. E isso sabem também os militares. Não que estes estejam alijados dessas relações. Pelo contrário. A corrupção é a engrenagem do exército que atua em conformidade com os interesses dos mais poderosos e tem no nacionalismo o disfarce e o esconderijo do seu verdadeiro caráter. Sem dúvida alguma, os militares estão muito atentos ao panorama político no país e têm planos para qualquer eventualidade.

No campo filosófico e econômico, esse conservadorismo bebe essencialmente de autores liberais como os da Escola de Chicago, que foram importantes cabeças que ajudaram a conduzir os processos econômicos de ditaduras como a do Chile na década de 70 e diversos outros países em América Latina. Esses autores formam novos ícones locais até a sua banalização exaustiva na formação de youtubers que afirmam religiosamente o pensamento ultra-liberal. Esses jovens youtubers são importantes influenciadores da juventude, o que reflete no aumento desse eleitorado inflando a campanha de políticos como Jair Bolsonaro.

Sabemos das dificuldades de concretizar manifestações de massa que para além do seu impacto midiático passe a empreender lutas sistemáticas contra o conjunto de medidas que historicamente vem sendo imposto desde cima contra os trabalhadores, principalmente aos menos favorecidos como o precariado. A direita, por mais que tente ludibriar os trabalhadores com discursos sedutores ou fáceis ou simplesmente que recorra à intolerância e à violência, não é capaz de responder ou construir saídas para os trabalhadores porque na prática luta contra eles. As formas que a direita encontra para convencer o trabalhador a votar num ultra-liberal não consegue esconder, quando for o momento, o ônus que esse tipo de projeto acarreta.

Mas o trabalhador é convencido, pois é confundido pela ideologia burguesa de que faz parte de uma totalidade numa ideia de nação onde todos têm as mesmas oportunidades. Dentro dessa perspectiva, o trabalhador limita-se apenas a apoiar ou não determinado candidato. Terminado esse ritual ele volta aos seus limites funcionais num regime de exploração ainda mais intenso, já que perde sistematicamente a capacidade de reagir contra as formas de dominação dos patrões.

Ora, se os trabalhadores só terão desvantagens, então por que continuam votando em candidatos que só lhe usurparão conquistas?

Na falta de um projeto revolucionário o trabalhador obviamente não terá condições de êxito. Esse projeto deve oferecer condições de organização horizontal entre os trabalhadores e que dispute sua consciência não só na rejeição disso que a direita chama de novo, mas na ação direta e ocupação permanente dos espaços politizando e não deixando brechas ao neofascismo na disputa pela autogestão desses espaços, tirando do controle a burocracia estatal e o aparelhamento reacionário.

Um ponto interessante disso tudo que não deve fugir de nossas reflexões é compreender pormenorizadamente os discursos produzidos pela nova direita (que de nova pouco ou nada tem para além dos seus rostos) no campo econômico, cultural, político, filosófico e histórico, pois é assim que eles abarcam quase todas as pautas reconstruindo suas explicações para as contradições sociais.

O campo filosófico é um eufemismo para a moralidade. A economia justifica a exploração. A política se restringe às ações e condutas de indivíduos empreendedores. A cultura simboliza a regressão no campo das criações e interpretações sobre o mundo e as coisas. A história serve para evidenciar o feito dos grandes heróis que são os verdadeiros condutores dos processos sociais. Tudo isso evidencia um conjunto de regressão que deve ser observado.

Dentro desse campo do que chamam agora de nova direita surgiram elementos muito presentes principalmente na vida virtual das pessoas o que vem movimentando ou simplesmente enrijecendo as opiniões nas redes e na vida real quase que padronizando os discursos de ambos os lados. É preciso destacar aqui a função de figuras midiáticas virtuais que conquistaram audiência significativa e que formam a opinião de centenas de pessoas. Olavo de Carvalho e Luiz Felipe Pondé certamente são um dos principais referenciais da direita. Desse ninho, diversas outras serpentes saíram como Kim Kataguiri, Fernando Holliday, Nando Moura, Arthur do Val do canal Mamãefalei, etc. Esses e muitos outros elementos referenciam-se pelo Instituto Von Mises e formaram canais no Youtube como Brasil Paralelo que tem cerca de 100 mil inscritos e produz séries onde se desqualifica o marxismo colocando-o como o mal maior da sociedade responsabilizando professores de História por doutrinação política colocando-os como infiltrados no campo da educação.

Por outro lado, há canais que buscam algum tipo de contraposição, como é o caso da Socialista Morena, que num de seus vídeos coloca os liberais como possíveis aliados, pois como ela afirma, eles têm muito em comum com a esquerda e podem defender as mesmas pautas. Bom, mas certamente o mais preocupante aqui é a adesão popular ao discurso fascista e que sai diariamente da boca dos quadros políticos-virtuais-midiáticos da ultra direita reacionária e que funciona como suporte aos golpes.

Essas figuras são como plantonistas da opinião. Mostram-se sempre de maneira arrogante e irrefutável desqualificando os seus opositores de maneira esquemática e rasa, com perguntas capciosas como, por exemplo, “Você já leu o projeto tal? Quantas páginas ele tem?”. Aos olhos atentos, é uma comunicação repugnante, pois além de dissimulado em suas práticas de abordagem não abre mão de quaisquer que sejam os recursos para expor o inimigo ao ridículo e por isso buscar a sua fragilização e neutralização sempre na tentativa de capturar as massas.

Sabendo dos antagonismos, vão em manifestações de setores da esquerda ou progressistas e utilizam disso para incitar a reação legítima contra o fascismo transformando os militantes em seres selvagens, bárbaros, intolerantes e autoritários que são diretamente ligados às lideranças seguindo toda uma rede que tem como objetivo desestabilizar os movimentos. Basta ver o preparo de figuras como Arthur do Val no seu controle emocional ao ser surrado em protestos como foi o caso do Santander Cultural passando a imagem de pessoa equilibrada e racional. Não apresentando qualquer reação violenta, transforma-se em vítima direta da intolerância vermelha e por isso ganha mais público que também tem o ódio crescente contra qualquer segmento de
esquerda.

Estão ali em último caso para imprimir uma opinião acelerada sobre os fatos na medida em que se busca um reposicionamento político e ideológico na conservação dos privilégios de classe. Essas figuras são na verdade agitadores da direita, que vão em diversas manifestações da esquerda para expor ao ridículo as pautas e necessidades dos trabalhadores, gerando conflitos e desestabilizando, ainda que de forma limitada e temporária, as manifestações. Quando dizem defender os interesses dos trabalhadores o fazem explorando o medo do desemprego como forma a ratificar a dominação de classe empresarial. No entanto, ainda que esses elementos neguem, nada disso se faz sem o financiamento direto que nesse caso vem de diversas frações do empresariado. Basta observar o surgimento e atuação do MBL que dentro do seu oportunismo político surge como contraposição ao MPL, não sendo a toa a proximidade com os nomes.

O problema hoje obviamente não se resume ao MBL. Mas, com relação a esse movimento (altamente corporativo e sem dúvida alguma pernicioso aos trabalhadores pelo seu caráter ultra-conservador), já temos total clareza de suas intenções. Se olharmos para trás veremos tantos outros movimentos como este. Em qualquer sociedade fraturada pelos interesses do capital constataremos organizações que perseguem trabalhadores, comunistas, anarquistas, etc., ou qualquer dissidência que se paute pela horizontalidade das relações.

Todo o foco agora já no final de 2017 volta-se para as eleições presidenciais de 2018. Aliás, muito do que vem sendo feito, no sentido de investigações, diz respeito às futuras movimentações políticas que ainda estão por vir. O MBL não foge desse caso, que contribuiu decisivamente nesse jogo, apesar de ter uma prática altamente questionável. O campo foi preparado. O conservadorismo e o fascismo ditam as regras. Jogo facilmente virado já nos idos de 2014.

A direita mais abastada que detém determinados monopólios investe numa  renovação da política (como coloca João Dionísio Amoêdo em uma de suas entrevistas), construindo corporações supostamente comprometidas com o combate à corrupção, ressurgindo aí como mote o ultra-nacionalismo ainda que pautado sob a venda das riquezas nacionais. Partido Novo, MBL e outras corporações são algumas dessas “novidades” que agora estão com a bola no pé. João Dória, Ciro Gomes, Bolsonaro, ou, de repente, Lula, vão se engalfinhar na suja disputa eleitoral burguesa. Há nomes como o candidato do Psol, Nildo Ouriques ou Guilherme Boulos, que certamente qualifica o debate, mas não ameaça em nada o poder dos adversários e, claro, compõe um partido altamente reformista. O fenômeno Bolsonaro, antes ironizado e desprezado pela esquerda, ganha força e ainda que não leve as eleições, está ali no banco de reserva bastando apenas um sinal do técnico para entrar em campo.

João Dória, um pouco mais moderado que o fascista Bolsonaro, faz a imagem do gestor, descomprometido com os vícios da política já desgastada pelo histórico de corrupção, mas que cumpre religiosamente as necessidades econômicas do capitalismo nesse momento de crise que se acentua desde os idos de 2008. Dória e MBL estão no mesmo time para as eleições do ano que vem. Ciro Gomes, uma figura demagógica e recorde no que diz respeito à infidelidade partidária (que já passou pelo PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e PDT e que agora é apoiado por setores da esquerda institucional como o PC do B) é polêmico em suas falas, mas certamente não fará frente aos candidatos do grande capital.

É bom lembrar que todos os esforços estão sendo feitos para a inviabilização da candidatura de Lula, que, apesar do seu populismo, cumpriu e certamente voltaria a cumprir as exigências do setor privado, mas que agora está sendo expulso de campo por uma direita golpista e raivosa que faz de tudo para mandar no jogo. Nesse momento não há espaço para o time da social democracia. Estão sendo expulsos sob a pecha de comunistas.

O que resta da democracia burguesa além do espetáculo e sua decadência? De fato, nenhuma dessas alternativas trás em seu programa ou em sua prática uma preocupação real com a emancipação dos trabalhadores que devem desconfiar e questionar a efetividade da disputa parlamentar burguesa. Mesmo que alguns tivessem boas intenções não seria possível um avanço para além de concessões conseguidas quando muito a partir de coligações. O candidato eleito deverá cumprir com a exigência de liberdade irrestrita aos mercados e encolhimento dos direitos sociais e, claro, repressão aos movimentos populares. As regras desse jogo são feitas para inviabilizar qualquer possibilidade de vitória da classe trabalhadora.

O que então de fato impede o apoio a qualquer um desses candidatos à presidência? Não se trata do discurso fácil de que todo político não presta, pois certamente há pessoas sérias e comprometidas no interior das disputas das estruturas de poder do Estado. No entanto, não é a boa intenção de alguns políticos profissionais que pode mudar esse jogo, que como já se disse é viciado e tem regras muito difíceis de serem mudadas. As mudanças dependem de outro tipo de organização social, mas que não se dará sem uma partida decisiva contra o time montado pelos donos do capital que se fazem agora como os donos da bola.

O campo de batalha deve ser novamente as ruas, para se voltar a um trabalho que lá atrás não foi terminado na tentativa de retomar o compromisso com a unidade.

Dois movimentos estão diretamente relacionados: o anúncio do golpe de Estado pela via militar e o consequente avanço da direita, que tem as suas gradações, mas que de uma forma geral vem buscando forjar sua unidade e estratégias possíveis contra o que eles consideram o perigo vermelho.

A possibilidade de golpe de Estado com intervenção direta dos militares se colocou no Brasil a partir da declaração do general Mourão no dia 15 de setembro de 2017. Este anúncio, engendrado num discurso altamente moral, virulento e preconceituoso, soa como alerta e necessidade de mobilização imediata dos diferentes setores da classe trabalhadora. É preciso reiterar aqui que trata-se de nova etapa dos golpes perpetrados pela classe dominante, principalmente latifundiários, banqueiros, grandes empresários, (mas também setores ultra conservadores como os evangélicos), enfim, donos do grande capital e dos meios de produção, que vem se intensificando desde as manifestações de 2013, culminando no impeachment contra Dilma Roussef, desdobrando-se em diferentes crises no interior do estado burguês.

Os golpes, em última instância, têm funcionado como arranjos necessários para a boa condução da economia capitalista e da consequente conservação dos poderes estabelecidos; ora se dão dentro dos limites institucionais e por vezes extrapolam pela via direta militar. Isso quer dizer que tudo é decidido a partir de acordos entre as elites financeiras e as forças militares, que possuem exércitos capazes de garantir as exigências dos capitalistas.

A declaração do general Mourão enfatizou entre outros a necessidade de se retirar da vida pública os envolvidos em casos de corrupção – reparem que em nenhum momento ele fala em prender os corruptos. Essa afirmativa é não somente demagógica, mas propositiva já que os militares e boa parte da população não acreditam de fato numa regeneração das principais instâncias de poder que regem o país; e como, apesar da ditadura civil-militar de 64, o exército é visto com inabalável virtude de justiça e defesa patriótica, cabe a eles a função de limpar a sociedade dos perigos iminentes que na maioria das vezes são fantasmas que eles mesmos criam (como o medo ao comunismo), para dissimular suas reais intenções políticas de poder e dominação. Mais uma vez cabe aos militares o dever da salvação contra um inimigo interno, mas que na prática serve para garantir o bom funcionamento das redes de mercado reprimindo diretamente qualquer tentativa de oposição.

É necessário aqui perceber que essa limpeza diz respeito sem sombra de dúvidas ao conjunto das esquerdas. Ora, já tivemos demonstrações disso em julho de 2016 quando a polícia militar invadiu a sede do PCB no Rio de Janeiro justamente no dia que ocorria atividade sobre a desmilitarização. Em 2011 a polícia invadiu o DA de Ciências Sociais da UFF buscando supostos coquetéis molotovs. Diversas lideranças camponesas da Liga dos Camponeses Pobres foram brutalmente assassinados pela repressão com o apoio direto de capangas dos latifundiários. Enfim, podemos buscar diversos exemplos. Pelo menos no que diz respeito à repressão, dado o golpe veremos o passado se repetir quase tal e qual. Apesar da repressão ser intensificada com um golpe militar e ter uma natureza muito mais cirúrgica no que diz respeito à sua intervenção, o que vem sendo posto em prática é a quebra dos movimentos via perseguição direta contra trabalhadores organizados ou não.

É claro que essa descrença na política se justifica e é explicada de formas distintas dependendo do segmento em questão, mas ela é capitalizada como mote para justificar o possível golpe de Estado que se anuncia e independente de acontecer ou não deve servir como elemento de mobilização popular evidentemente contrário ao posicionamento dos generais do exército brasileiro, sendo esta agora uma pauta principal. Em nenhum dos casos a crença positiva na política institucional é uma qualidade da população, que de uma maneira geral atesta o grau de colapso que chegou as estruturas de poder.

Como retirar da vida pública a maioria esmagadora dos políticos, já que dentro de um universo de mais de 500 deputados a maioria tem algum tipo de ligação com esquemas de corrupção? E o que é o exército senão a maior máquina que garante todos os esquemas de corrupção que é a livre circulação das mercadorias ao passo que restringe essa liberdade às pessoas, que se movimentam de acordo com a classe que pertence? Na verdade essa é uma equação impossível de ser resolvida através de reformas ou intervenções de exércitos que capitalizam para si o monopólio do poder. Em último caso os exércitos estão aí para garantir o funcionamento do capitalismo, não há nenhuma ação patriótica nisso.

Isso tudo abre campo para as mais diversas especulações e na maioria dos casos caímos em abismos ainda maiores por muitas vezes crer que uma possível mudança vem de novas representações partidárias ou lideranças liberais. O MBL, por exemplo, investe pesado na criação de figuras que representam liderança e que sequer chegou aos trinta anos e nem por isso deixam de ser competentes naquilo que se propõem a fazer. A comunicação, que rebate e constrói quase que em tempo real opiniões contrárias, funciona como um leme nas saídas encontradas pela elite em convencer a classe trabalhadora de que aquilo que parece pior é necessário e, portanto, inevitável, apostando na livre iniciativa em detrimento do encolhimento do Estado, contribuindo em última instância para acentuar o colapso social e despolitizar a classe trabalhadora condenando-a a uma vida ainda mais miserável.

A partir do enfraquecimento e esfacelamento dos segmentos populares (por diversas questões, desde fatores internos até a repressão sistemática contra os movimentos sociais), a direita pode reerguer-se voltando todas as pautas contra a classe trabalhadora com um discurso de que representa de fato alternativa factível aos trabalhadores do país.

Por mais fictício que possa parecer – pois transformam governos social democratas em revolucionários -, o medo do comunismo construído diariamente pela direita de uma maneira geral é a prova cabal da sua impotência pela forma como busca construir o consenso através da imposição generalizada utilizando os monopólios que obviamente estão sob o domínio da classe dominante que segue obedecendo o seu programa.

A sua impotência também é perceptível pelo seu modo de agir na política completamente apartado de uma ética horizontal tendo uma prática claramente aristocrática neutralizando as pautas populares utilizando meios populistas e demagógicos como é o caso da corrupção. A denúncia contra algo que em nada ameaça a sociedade funciona como mecanismo de controle contra trabalhadores fragilizando-os com o fim de entregar suas forças unicamente ao capital e às lideranças políticas que também tem o papel de imobilizá-los.

A questão da comunicação parece central dentro de todos esses confrontos, que não se resume aos métodos de narrativa que encontram para convencer determinado segmento da sociedade, mas às lutas reais de trabalhadores e capitalistas. Entendo por comunicação fator primário que proporcionará a possibilidade de gerar mudanças concretas na sociedade. A comunicação é o que no dia a dia estabelece relações, gerando conflitos e possíveis resoluções. Tomar para si a importância de desenvolver sua potencialidade assim como manter em diálogo o desenvolvimento constante de suas bases teóricas nos ajuda a não cair em equívocos por buscar antever através de acúmulos, estratégias e debates que nos sejam úteis no processo revolucionário. Aquele que pratica a comunicação, inclusive o capitalista, e não encontra no seu próprio bojo apoio nem conexão de trocas estará facilmente entregue a um processo de criação monótono ou ao rápido desaparecimento. A permanência de uma comunicação contrária ao modelo capitalista depende de trocas que façam emergir novas concepções de linguagem.

A comunicação independente, por ora dispersa, disposta em células, encontra-se mergulhada em tais contradições, mesmo quando pretensiosamente desligada do que a cerca. Essa comunicação se diferenciais não só entre os que aceitam a hegemonia do capital e os que são contrários às imposições de mercado, mas entre os que se organizam e os que permanecem distantes dessa possibilidade. Pensar uma comunicação democrática é defrontar-se com argumentos políticos favoráveis à manutenção da ordem burguesa onde se estipula que tudo que vem de fora das suas relações de controle representam necessariamente um perigo em potencial.


Link para vídeo criado pelo autor deste texto sobre o mesmo tema:

Comunicação e avanço conservador: um debate necessário

 

 

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