Badiou: Macron é o nome de uma crise

Por Mathieu Dejean, via Verso Books, traduzido por Aukai Leisner

Em entrevista, Badiou fala sobre o “fantasma neoliberal” de Macron e o “petanismo renovado” da Frente Nacional na França. 


Mathieu Dejean: No dia 7 de maio, doze milhões de eleitores se abstiveram, o número mais alto desde 1969. Como você interpretaria essa insatisfação com os dois finalistas presidenciais?

Alain Badiou: Na tradição eleitoral e parlamentar francesa, o segundo turno da eleição presidencial tem como objetivo opor o candidato do assim chamado partido “de esquerda” ao partido da direita tradicional. Somente deste modo se pode validar a ilusão de uma escolha clara entre duas orientações políticas distintas. Dessa vez, dois fatores impediram essa ilusão de funcionar. Primeiramente, ao longo de seu mandato Hollande e Valls não fizeram nada a não ser – mais ou menos timidamente – macaquear a direita. Depois há o fato de que os dois principais partidos estão ambos divididos. O resultado foi que nenhum deles esteve presente no segundo turno, e em lugar da boa e velha ficção Direita/Esquerda, tivemos uma escolha forçada entre a extrema-direita – em tempos normais barrada do exercício do poder – e um partido de centro-direita neoliberal improvisado. Muitas pessoas rejeitaram essa escolha, seguindo a lógica do “nem um nem outro.”

Mathieu Dejean: Qual é o significado de Macron?

Alain Badiou: Macron é o nome da crise de qualquer política que pretende “representar” orientações políticas num espaço eleitoral. Isso se deve claramente ao fato de que o desaparecimento da hipótese comunista e seus partidos tornou pouco a pouco aparente a verdade sobre o parlamentarismo: qual seja, a de que ele somente “representa” pequenas nuances no consenso dominante em torno do capitalismo neoliberal – e não uma estratégia alternativa. A extrema-direita, no estilo brutal de Donald Trump ou com o Petanismo renovado de Marine Le Pen tira proveito desta situação, uma vez que embora ela se situe totalmente dentro deste consenso, é a única que aparenta estar de fora.

De fato, a partir dos termos de um capitalismo que ela não faz nada para desafiar, a extrema-direita avança um nacionalismo rançoso como substituição para a globalização do capitalismo contemporâneo, que é bastante mais polido. Macron, por sua vez, é a encarnação direta e completa do consenso neoliberal. Ele é seu clone. Ele foi montado às pressas por nossos verdadeiros mestres – a oligarquia empresarial – com esse fim.

Mathieu Dejean: A chamada para se reunir e barrar o FN (Frente Nacional) obteve sucesso apenas relativo, comparada a 2002. Como você explicaria esse enfraquecimento do front republicano? Você acha que através disso podemos ver que há um desejo político insatisfeito?

Alain Badiou: O que está sendo gradualmente constituído, em todo caso, especialmente entre a juventude educada, e ao mesmo tempo na camada propriamente “proletária” de nossa população – particularmente os trabalhadores estrangeiros e seus descendentes – é uma demanda por uma ofensiva política situada claramente fora do consenso. Mas uma alternativa verdadeira, não uma falsa e abjetamente identitária como a sugerida pelo FN. Foi isso que deu a Mélenchon e a France Insoumise sua força. O programa deste movimento não era nem um pouco estimulante, e estava muito distante de qualquer tipo de comunismo. Além disso, centrava-se numa proposta parlamentar, a Sexta República, que era extremamente vaga e nada revolucionária. Mas no caso específico de uma eleição, ficamos com o que temos. E esse desejo insatisfeito obviamente reapareceu no segundo turno, com a recusa categórica do fantasma neoliberal Macron. Embora ainda bastante vaga, é uma coisa muito boa, a única coisa em todo esse teatro eleitoral pela qual vale a pena se interessar.

Mathieu Dejean: Quando ela apareceu na fábrica Whirlpool em Amiens – que está ameaçada pela terceirização – Marine Le Pen disse “Aqui estou, no meu lugar, exatamente onde eu deveria estar.” O terreno da luta de classe e resistência à globalização foi tão abandonado pela esquerda que a extrema direita pode agora reclamar reivindicar monopólio sobre ele?

Alain Badiou: Isso é exatamente o que eu acabava de dizer. Eu acho que é verdade que seria uma boa ideia abandonar o significante “a Esquerda”, que se tornou totalmente ambíguo. Mitterrand capitulou em praça pública após nem dois anos. Jospin disse “claro, não vamos voltar a uma economia administrada.” Hollande perseguiu ciganos, foi incapaz de lidar com a questão do desemprego em massa, e desfilou com a bandeira francesa uma vez que, segundo ele, “a França está em guerra.” O que eles têm que ver com um anti-capitalismo resoluto e uma estratégia política combativa?

Mathieu Dejean: O que você achou da atitude de Emmanuel Macron em suas conversas com os trabalhadores da fábrica de Whirlpool, assumindo que ele não conseguiria salvar seus empregos?

Alain Badiou: Ele ainda não adquiriu o talento de um político profissional de esquerda, que sempre consistiu em prometer alguma coisa, somente para mais tarde explicar que lamenta muito mais que a “situação” não lhe permitiu permanecer fiel ao que tinha dito antes. Uma pura criatura do consenso dirigido pela oligarquia econômica, Macron acredita que pode admitir impunemente a natureza desse consenso, seu verdadeiro conteúdo e seus inevitáveis efeitos anti-populares. Em suma, ele ainda não entende claramente porque ele está lá: que é de fato para fazer o que a “situação”, ou seja, os mestres do capital, exijam que ele faça, mas também para fazer as pessoas acreditarem que ele não está contente, e gostaria de fazer diferente. Ele aprenderá.

Mathieu Dejean: Jean-Luc Mélenchon fez uma inovação eleitoral, colocando-se a missão de “federar as pessoas” contra a oligarquia, numa perspectiva pós-marxista teorizada por Chantal Mouffe e Ernesto Laclau. Você acha que essa é uma estratégia oportuna para reconstruir a esquerda radical (la gauche de la gauche)?

Alain Badiou: A “gauche de la gauche” existe somente na medida em que seus princípios – o que eu chamo de “a ideia comunista” – são explícitos, na medida em que sua atividade é estrategicamente independente de acontecimentos eleitorais acidentais, e na medida em que tem uma relação fortemente estabelecida e organizada com as massas populares – acima de tudo os trabalhadores precários e proletários nômades. Eu não vi nada disso na aventura de Mélenchon – não mais do que vejo no populismo que você menciona. Estamos no início de uma completa reformulação das categorias da ação política emancipatória. Estamos, se quiser, muito mais próximos de Marx nos anos 1840 do que de Lenin em 1917.

Mathieu Dejean: Você acha que os partidos do governo, mantidos fora do segundo turno da eleição presidencial, estão condenados a acabar na lixeira da história?

Alain Badiou: Como você deve imaginar, não estou muito preocupado com o destino deles. Mas eu aprendi que não devemos subestimar a oligarquia capitalista e a capacidade de duas diferentes projeções políticas manobrarem na configuração eleitoral que se chama “democracia.” Veja o Parti Socialiste, e seu antecessor, o SFIO: depois de comandar a sórdida guerra colonial na Algéria quase do começo ao fim e depois lamber as botas de De Gaulle durante o golpe militar em 1958, pareceu que ele estava realmente fora da jogada. Naquele tempo, parecia que o Partido Comunista estava prestes a ganhar tudo na “Esquerda.” Lembremos das eleições de 1969: Gaston Defferre (do SFIO) estava com 5%, menos que Hamon desta vez, e o PCF podia se dar ao luxo de defender a abstenção no segundo turno, dizendo que os dois candidatos, Pompidou e Poher eram “como 6 e meia-dúzia,” algo que os abstencionistas e eleitores que votaram em branco poderiam ter dito a respeito do segundo turno desta vez. Mas doze anos depois, foi o Parti Socialiste que se estabeleceu na posição de um grande partido de governo, ao ponto de ocupar a presidência por um total de quase vinte anos. Por outro lado, o PCF – que tomou a vexatória posição de não mais ser um partido “de fora do sistema”, porque participou de vários governos – murchou, encolheu e tornou-se quase impossível de identificar. É claro, na medida em que entramos na terceira sequência da hipótese comunista, após sua criação no século XIX e depois de sua experiência em última instância malograda com a forma estado durante o século XX, todas essas coisas acidentais vão sem dúvida acabar na lixeira da história. Mas pode muito bem ser que isso aconteça ao final de uma marcha bem longa. A hipótese comunista, que desde sua primeira aparição propôs uma ruptura com tudo o que existiu na política ao longo de milênios, existiu somente ao longo de dois curtos séculos. Como disse Mao certa vez, o maior defeito dos comunistas é a sua impaciência. Então sejamos pacientes ao encher as latas de lixo. Haverá muitas mais eleições, o que significa muitas outras desilusões, falsas escolhas e traições.

Mathieu Dejean: Protestantes do dia primeiro de maio previram cinco anos tumultuosos para Macron. Você acha que a instabilidade política extrema alcançada durante a luta contra as reformas trabalhistas pode continuar com o mesmo impulso?

Alain Badiou: Mas onde diabos você viu “extrema instabilidade política”? Houve alguns protestos de sindicatos, de dimensões muito menores que os que se opunham às leis da previdência alguns anos atrás. Houve alguns confrontos com a polícia, e eles me lembraram da minha juventude, demonstrando uma certa coragem rebelde, mas nas condições presentes suas consequências políticas são ou inexistentes ou francamente negativas. Teve o Nuit Debout, uma imitação limitada e meio insossa das grandes ocupações de praça que vimos antes no Egito, na Grécia, na Espanha, na Turquia, em Honk Kong ou mesmo nos Estados Unidos. Já podemos ver que todas essas ações de massa espetaculares foram liquidadas ou pelo grande fortalecimento da extrema-direita ou do exército – al Sisi, Erdogan, Trump – ou pelo peso esmagador de capitulações eleitorais, como com o Syriza ou o Podemos. Então francamente, na França… Dito isso, qualquer sinal de uma mobilização duradoura contra o governo de Macron será bem-vinda, e digna de se acompanhar de perto. A paciência é saber também medir e acolher real progresso ao longo do caminho, por menor que seja.


Compartilhe:

Posts recentes

Mais lidos

Deixe um comentário