Sobre Žižek, o capitalismo neoliberal e mais além

Por João Paulo Rossatti

Introdução

Se estilo é o homem – como aludiu Buffon – então o estilo de Slavoj Žižek é o “caos”. Cabe notar, no entanto, que há um bom método nesse caos. Sua fala é afetada pela língua solta; o gestual maníaco de coçar o nariz compulsivamente o faz parecer destrambelhado; sua casa, pelo pouco que pudemos ver no documentário Žižek! (2005), é apinhoada de livros, revistas e filmes; sua escrita, desse modo, não teria como não ser uma barafunda sistematicamente desorganizada. Por conta dessas características ínsitas à sua obra/vida, o homem foi atacado à direita e à esquerda: o falecido Roger Scrutoni, expoente do conservadorismo acadêmico britânico, o chamou de “o príncipe palhaço da revolução” e criticou seu estilo justamente por pular de um exemplo a outro de modo tão rápido que o leitor distraído poderia se perder rapidamente em seu labirinto bufônico; já o esquerdista norte-americano Gabriel Rockhillii chamou o esloveno de “o bobo da corte do capitalismo neoliberal” e afirmou que suas repetições redundam numa superficialidade teórica que diz muita coisa para esconder o fato de que não tem nada a dizer.

Apesar disso, para o sim e para o não, é preciso reconhecer que ao menos desde que publicou Looking Awry, em 1991 – ainda sem tradução para o português –, há um grande esforço do filósofo em explicar o críptico pensamento de dois autores fundamentais para o seu argumento, G. W. Hegel e Jacques Lacan, a partir de exemplos do cotidiano e é assim que desfilam em seus escritos alusões a livros, filmes, acontecimentos cotidianos, notícias, anedotas, brinquedos e brincadeiras infantis “and so on”…, seu estilo, portanto, é formado por recortes, estilhaços, sobreposições e repetições que por meio de uma bricolagem criativa aparecem obra após obra como um texto “fechado”. Mas esse fechamento é coisa que o próprio Žižek afasta ao afirmar que: “No momento em que chego ao fim de um projeto, vem a ideia de que não consegui realmente dizer o que pretendia, de que preciso de um novo projeto (…).” (2006, p. 56) . Assim, o termo “fechado” é aspeado porque, acima de tudo, uma obra é sempre aberta e no caso de nosso Autor a sua obra aparece como sempre aberta porque ele continuamente retorna aos seus exemplos e temas:

Há sempre mais num exemplo do que um mero exemplo. (…) É só no livro seguinte, ou até depois, quando retorno ao mesmo exemplo, que desenvolvo plenamente seu potencial. Essa é uma das razões porque alguns de meus leitores, eu sei, se aborrecem com o fato de certos livros meus parecerem repetitivos. Mas não é uma simples repetição; trata-se, antes, de que tenho de esclarecer, tenho de transmitir o ponto que deixei escapar da primeira vez. Seria essa, portanto, a lógica da minha referência a exemplos, esta necessidade intrínseca de esclarecer as coisas. (2006, p. 57-8)

Um dos exemplos que sempre retornam no texto žižekiano, e que me interessa observar um pouco mais atentamente, é o constante recurso ao universo do filme Matrix (1999) das (agora) irmãs Wachowski. No entanto, não quero aqui me prender a uma simples exposição daquilo que Žižek faz ao recorrer a Matrix, ao contrário, gostaria de mostrar como é possível – e necessário – dar mais uma volta nesse parafuso “exemplar” para compreender o que o capitalismo, em sua faceta neoliberal, de fato faz com nossa experiência cotidiana, para isso partirei de um exemplo que me parece mais eficaz para compreender o capitalismo ultramoderno do que o aludido pelo filósofo esloveno.

Bem-vindo ao deserto do real

As primeiras menções de Slavoj Žižek ao filme Matrix começam imediatamente após o lançamento do filme na primavera de 1999, desde que ele o assistiu em um cinema na Eslovênia – a primeira intervenção a partir do filme, pelo que pude levantar, remonta a outubro de 1999. Para o filósofo o interesse pelo filme não está necessariamente em seu argumento, uma vez que ele não é essencialmente original – a ideia de viver em uma realidade simulada, afinal, é algo banal na ficção científica. O que tornou o filme interessante para Žižek desde o início é a ambiguidade da experiência virtual que simula a “realidade” experimentada pelos personagens, minando a própria vivência da realidade (2009, p. 152) que, nestes termos, é vivida como um estrato de simulações produzidas por uma máquina. A narrativa ocorre em dois níveis, na realidade simulada a história ocorre no século XX, na realidade real (se assim podemos chamar) os humanos fora da Matrix já estão vivendo no século XXII. A importância da experiência simulada que os humanos plugados na matriz vivem se deve ao fato de que os estes são cultivados em campos para produzir energia elétrica para máquinas, portanto, é fundamental que vivam/experimentem uma realidade coletiva fastasística, que foi produzida/simulada pela máquina matriz para emular a vida no final do século XX – entendida pela matriz como a “melhor época da humanidade”. Logo, no contexto do estilo de nosso Autor, em que exemplos são fundamentais, o filme ganha peso importante na sua tessitura argumentativa construída obra após obra (principalmente entre o final de 1999 e 2006, dali por diante as referências ao filme diminuem consideravelmente – mostrando que o exemplo fora “esgotado”).

A Matrix, na interpretação de Žižek, representa o Outro. Conceito que, no edifício lacaniano, equivale àquela instância que estrutura a realidade para nós, ou seja, que retroativamente nos produz enquanto sujeitos ao introjetar uma gramática normativa da experiência vivida: “[…] toda realidade é transcendentalmente construída, ‘correlativa’ a uma posição subjetiva […]” (2013, p.541). Em suma, a constituição subjetiva do sujeito, para a teoria lacaniana, é sempre o resultado do assujeitamento a um conjunto de coordenadas estruturadas que simbolizam e significam a experiência da vida cotidiana, logo, o indivíduo é alienado pelo Outro e, portanto, subjetivado pelas coordenadas dessa ficção simbólica advinda dessa instância que, por fim, estruturam a própria experiência da realidade. Assim, um dos elementos fundamentais para que tal experiência seja bem sucedida é o papel da fantasia, pois, afinal, se “o desejo é sempre o desejo do Outro” – como no famoso dito lacaniano, aludindo, aliás, à “história dos desejos desejados” de Kojève – então aprender a desejar é fundamental para toda a “cena” onde se desenrolam desejo e fantasia seja efetiva – daí porque o inescapável caráter retroativo da constituição subjetiva, uma vez que o sujeito é um “lugar vazio” preenchido por significantes-mestres que ensinam até mesmo o que é desejável. No filme, o megacomputador que mantém os humanos em seu “sono dogmático”, funcionando como meras baterias que alimentam as máquinas, opera como esse Outro lacaniano, conforme aludido pelo nosso Autor: tal simulação “[…] funciona como a ‘tela’ que nos separa da realidade, que torna tolerável o ‘deserto do real’.” (2009, p. 159). Isto é, a matrix é aquela que produz (no amplo sentido do termo) os humanos, ensinando-os a desejar aquilo que desejam – o bife que o personagem Cypher come junto com o agente Smith é um exemplo desse desejo produzido: ele sabe que o bife é uma simulação, mas ainda assim o deseja.

A propósito, nesse ponto Žižek aponta para um retorcimento da distopia do Real em uma utopia da realidade simulada (2009, p. 170). Por isso, para o Autor, o que “o deserto do real” representa, em última instância, é uma metáfora ao mundo pós-11 de setembro, uma vez que os ataques realizaram na prática o que a fantasia cinematográfica produzia no imaginário (o fim do mundo, a destruição dos EUA por alguma força estrangeira ou seja lá o que mais viesse de Hollywood). Em uma palavra, o que foi “expulso” pela imaginação retornou na realidade. No entanto, esse uso analítico da metáfora Matrix não é necessariamente o que me interessa aqui, portanto, sigamos.

O que o megacomputador que funciona como a matriz simbólica do mundo fantasístico humano representa, assim sendo, é o compartilhamento de uma fantasia em comum: a benfazeja bonança capitalista de um mundo sem-fronteiras, onde a globalização conectou todos os habitantes do planeta em uma forma de comunhão universal, apenas interrompida pelo “deserto do real”, o encontro traumático com a realização daquela fantasia, isto é, um mundo já colapsado: “[…] a Matrix funciona como a ‘tela’ que nos separa da realidade, que torna tolerável o ‘deserto do real’.” (2009, p. 159). O ponto interessante aqui é que Matrix representa, nos termos propostos pelo Autor, uma metáfora bastante eficaz para explicar o funcionamento do capitalismo, para além de um sistema produtor de mercadorias, como um sistema produtor de fantasia (uma só, compartilhada coletivamente pelo Outro).

Realmente tal proposta, quando transposta para a crítica social, parece bastante óbvia, no entanto, a pergunta que proponho é: tal exemplo ainda é eficaz? O ecossistema das redes sociais e a ultraconectividade avançaram muito desde o início dos anos 2000; a inteligência artificial e o uso extensivo de algoritmos que organizam nosso cotidiano também. Há um mundo novo e, ao mesmo tempo, ele ainda é bastante parecido com o daquela realidade imaginada, mas a diferença fundamental é que hoje em dia cada feed é feito “exclusivamente” para cada consumidor do mundo conectado, criando uma bolha de desejo, consumo e desejo por reconhecimento. Portanto, ao que me parece, é preciso fazer uma simples pergunta: o exemplo žižekiano ainda é adequado ao mundo atual?

Um novo exemplo para o novo tempo do mundo

Se em Matrix temos uma fantasia comum socialmente compartilhada visando a extração da energia vital, mas de modo grupal, no anime japonês Naruto Shippuden temos o exemplo da produção de uma fantasia individualizada, adequada ao sujeito sob controle garantindo uma adequação à sua gramática normativa. É preciso contextualizar melhor a história para entender o que esse exemplo pode significar: no desenho, Madara – um dos grandes vilões da historia – pretende aplicar um genjutso (uma técnica de ilusão) usando como suporte a Árvore Divina; a técnica chamada (ironicamente…) de pesadelo infinito consiste, em resumo, na mesmerização dos indivíduos por meio de uma técnica visual e no encasulamento de seu corpo pelas raízes da Árvore, transformando os capturados em meros dispositivos utilizados para a extração de energia vital que é remetida para a Árvore visando produzir um fruto. Aqui o ponto principal, uma vez que o processo de encalusamento ocorre, o sujeito capturado experimenta um mundo de sonhos, elaborado a partir dos seus desejos individuais mais intimos, ou seja, a Árvore se adequa a cada fantasia e calibra seu funcionamento para realiza-la individualmente. Cria-se um mundo particular para que cada fantasia seja realizada em sua plenitude visando a extração máxima da energia vital.

Ao meu ver, no capitalismo neoliberal, nos dias que correm, esse exemplo parece muito mais eficaz para entrever o funcionamento do sistema. A propósito, apenas a título de esclarecimento: uma ideia não anula a outra, afinal, mesmo que vivamos em um mundo globalizado pelo capitalismo (como em Matrix) não estamos cada vez mais próximos de uma individualização da fantasia como fosse um sonho (ou pesadelo¸ no caso de nosso exemplo)?

A mim, ao menos, parece que o pesadelo infinito explica de modo muito mais eficaz o entrelaçamento do discurso ideológico com a fantasia fundamental que estrutura nossa relação com a realidade. Assim, pois, a Árvore, ao gerenciar as fantasias individuais, opera como mediador entre os registros do Real (aquilo que é “impossível”, traumático, não-simbolizado), do Simbólico (aquilo que passou pela linguagem), e do Imaginário (como função da imagem que se faz de si), controlando os limites da interpenetração individual do desejo de cada sujeito com os aspectos simbólicos da realidade vivida. Torna-se possível aludir a isso por que a nossa economia libidinal já está convertida em (apenas mais) um produto a ser gerido pelos pressupostos transumanos mercadológicos do neoliberalismo, ou seja, já estamos vivendo um tipo de pesadelo infinito e, de certo modo, a matrix “mora” em cada um de nós. É importante ressaltar que toda a antropologia do homem neoliberal gira em torno dessa pressuposição que individualiza os fluxos de desejo, pois o capitalismo em sua fase tardia explora não apenas a circulação de mercadoria e de capital, mas, também, o fluxo de gozo, retirando, por exemplo, da expectativa de tirar as férias da sua vida ou de se reinventar como empreendedor, etc., etc., um excedente, aquilo que a teoria lacaniana chama de mais-gozar. É esse excesso que permite a continua expansão do sistema a novas fronteiras.iii

Quando esse movimento ocorre em sua plenitude, um paradoxo se instala no cerne da subjetividade do homem hodierno, isto porque o gozo enquanto prazer a ser fruído se transforma em demanda sádica do superego (e tanto no exemplo de Žižek quanto no meu, é desse intricado processo que advém a energia a ser extraída pela Matriz ou pela Árvore). Outro ponto importante a ser observado é que a liberação dessa energia pulsional é totalmente comodificada, sendo mais um objeto a ser explorado – o que vemos, em última instância, é a mercantilização daquilo que até então pensávamos ser o mais íntimo em nós: nossas pulsões. Em outras palavras, aquilo que produz o laço social no capitalismo tardio tem como escopo a instituição de um tipo de imperativo egóico em torno de um objeto, e é este que coordena um modelo de totalização por meio da palavra de ordem “goze!” como padrão normativo advindo do Outro. Ao fazer esse movimento o neoliberalismo (re)desenha os contornos espectrais que o objeto causa do desejo (pequeno a) tomará, pois que, como uma espécie de “tampão”, este (re)cobre a falta constitutiva do ser, fixando o gozo total – seja lá do que for – como fundamento do laço social: “o gozo hoje funciona efetivamente como um estranho dever ético: indivíduos sentem-se culpados não por violar inibições morais entregando a prazeres ilícitos, mas por não serem capazes de gozar.” (ŽIŽEK, 2010, p. 128)

O que o neoliberalismo faz, portanto, não é somente estabelecer uma “corporeidade específica” (como nos sintagmas biopolíticos: faça exercícios, se alimente bem, aprenda um novo idioma, seja criativo, vá ao salão de beleza, invista em sua educação, etc.), mas sim a afirmação daquilo que podemos chamar de uma “vida psíquica do poder” como elemento constituinte da própria subjetividade, que, com seu jargão de autenticidade, parece instituir uma forma de vida em que cada sujeito experimenta de forma “única” o gozo. Isso se expressa melhor no matema lacaniano que condensa a fórmula da fantasia: $ <> a (o sujeito barrado – na falta constitutiva, isto é, como sujeito da castração – em sua relação com o objeto causa do desejo).

Se a função da fantasia é acomodar e situar o desejo, e este é sempre o desejo do Outro, pela lógica, uma fantasia só pode aparecer como resposta a pergunta primordial: “o que quer você?”. É em torno desta pergunta estruturante que se organizam as demandas do inconsciente, pois existe, a partir daí, a passagem do desejo puro a algo que poderíamos chamar de domesticação do desejo: aqui, por isso mesmo e para retornar ao meu exemplo, a Árvore, ao gerenciar a individualidade de cada desejo, aparece como esse Outro que formula a pergunta “o que quer você?” e, a partir das respostas oferecidas individualmente por cada sujeito, constrói uma “fantasia particular” para cada um, isto é, diferente da matrix em que os sujeitos poderiam viver o sucesso ou insucesso, na Árvore cada um viverá o seu desejo no máximo. Toda a economia libidinal do sujeito se estrutura em torno dessa falta constitutiva, preenchida por um objeto espectral (pequeno a – produzido pelo desejo do sujeito mas modelado pela ação da Árvore) que, atravessado pelo Outro e pelo desejo, nos “interpela” e pode assumir qualquer forma – tendo em mente, é claro, que aqui estamos falando de ideologia e que esta deve ser situada historicamente – o que faz de toda a quadratura discursiva, no sentido lacaniano, um semblante. O semblante, na teoria lacaniana, é um efeito produzido pelo discurso, ou seja, no exemplo aqui aludido, a Árvore e seu pesadelo infinito produzem um semblante para cada um; este tem a eficácia da experiência da realidade porque ao encobrir a dureza do Real com a realização da fantasia individual o que se objetiva é a extração máxima do mais-gozar, a energia vital que sustenta a Árvore.

O neoliberalismo, em última instância, me parece fazer uma amálgama dessas duas formas de experimentação da realidade ficcionalmente construída: a montante a globalização necessária do capitalismo nos remete direto para a fantasia socialmente compartilhada produzida pela matriz, a jusante a fantasia geral precisa aparecer como o objeto causa do desejo de cada indivíduo em particular. O resultado dessa mistura bem sucedida é um sistema que parece inexpugnável, inescapável, eterno…! Como disse Fredric Jameson, parece mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.

Mais além

O sentido elementar de qualquer política emancipatória, e aquela que deveria ser a tarefa de todo crítico, gira em torno de algumas questões básicas: como desencasular os sujeitos desse pesadelo infinito que lhes extraí mais-valia e mais-gozar? Isto é, como devemos nos organizar para lutar contra um sistema que se apodera não só da força viva de nosso trabalho mas também dos mais íntimos desejos? Como imaginar um novo mundo, diferente daquele que se apresenta, quando tudo parece possível, quando cada sujeito, se se esforçar bastante (sic), pode realizar qualquer coisa? O primeiro passo, para dar uma resposta muito simples diante de perguntas tão importantes, talvez passe pela instituição de uma crítica realmente libertária, que tenha como meta a coragem de propor a destruição – não a reforma ou a adequação – de tudo o que está aí (talvez seja a hora de admitir que absolutamente mais nada do modelo neoliberal-capitalista valha a pena ser salvo): ou destruímos o capitalismo, por mais sedutor que ele se apresente, ou ele, em seu processo de acumulação infinito, nos destruirá. Assim, para recuperar a ideia central de meu exemplo, o objetivo precisa ser a destruição da “Árvore do capitalismo” por meio de uma ação coordenada que vise extinguir todas essas fantasias individualistas e que consiga produzir, por fim, uma noção de realidade experimentada como verdadeiro Comum.

Como chegar a isso eu não sei, por isso ainda resta a questão fundamental dos tempos de crise: o que fazer?

Notas:

(1) https://estadodaarte.estadao.com.br/roger-scruton-sobre-slavoj-zizek-o-principe-palhaco-da-revolucao-parte-1/

(2) https://aterraeredonda.com.br/slavoj-zizek-o-bobo-da-corte-do-capitalismo-neoliberal/

(3) Uma interessante observação de Jonathan Crary pode nos oferecer a real dimensão dessa forma de colonização subjetiva: “A televisão havia colonizado arenas importantes do tempo vivido, mas o neoliberalismo exigia que houvesse uma extração de valor mais metódica do tempo de televisão e, a princípio, de toda hora de vigília. Nesse sentido, o capitalismo 24/7 não é mera apreensão contínua ou sequencial da atenção, mas também uma composição densa do tempo em camadas, na qual múltiplas operações ou atrações podem ser atendidas quase simultaneamente, independente de onde estamos ou do que estamos fazendo. Os assim chamados aparelhos ‘smart’ recebem esse nome não tanto pelas vantagens que podem oferecer aos indivíduos, mas por sua capacidade de integrar o usuário nas rotinas 24/7 de forma mais completa.” (2016, p. 93) Em outros termos, se a dupla rádio/televisão é o modelo da constituição subjetiva do capitalismo fordista a internet – e seus gadgets – é o do capitalismo tardio, flexível e adaptável tal qual os sujeitos desse novo tempo.

Referências:

CRARY,  Jonathan.  Capitalismo  24/7:  capitalismo  tardio  e  fins  do  sono.  São  Paulo:  Ubu  Editora, 2016.

ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe. São Paulo: Boitempo, 2008.

________. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2003.

_______. Lacrimae rerum: ensaios sobre o cinema moderno. São Paulo: Boitempo, 2009.

________.  Menos  que  nada:  Hegel  e  a  sombra  do  materialismo  dialético.  São  Paulo:  Boitempo, 2013.

ŽIŽEK, Slavoj; DALY, Glyn. Arriscar  o  impossível: conversas com Žižek. São  Paulo:  Martins Fontes, 2006.

iii Uma interessante observação de Jonathan Crary pode nos oferecer a real dimensão dessa forma de colonização subjetiva: “A televisão havia colonizado arenas importantes do tempo vivido, mas o neoliberalismo exigia que houvesse uma extração de valor mais metódica do tempo de televisão e, a princípio, de toda hora de vigília. Nesse sentido, o capitalismo 24/7 não é mera apreensão contínua ou sequencial da atenção, mas também uma composição densa do tempo em camadas, na qual múltiplas operações ou atrações podem ser atendidas quase simultaneamente, independente de onde estamos ou do que estamos fazendo. Os assim chamados aparelhos ‘smart’ recebem esse nome não tanto pelas vantagens que podem oferecer aos indivíduos, mas por sua capacidade de integrar o usuário nas rotinas 24/7 de forma mais completa.” (2016, p. 93)

Em outros termos, se a dupla rádio/televisão é o modelo da constituição subjetiva do capitalismo fordista a internet – e seus gadgets – é o do capitalismo tardio, flexível e adaptável tal qual os sujeitos desse novo tempo.

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