Einstein contra o relativismo

Na contramão do senso comum relativista de nossos tempos, Einstein foi um defensor ferrenho da verdade e da totalidade.     


“Tudo é relativo”. O relativismo absoluto desse afirmação anda lado a lado com o multiculturalismo cínico dominante em nossos tempos – ditos líquidos ou pós-modernos por aqueles que tentam negar a manutenção sólida das contradições da modernidade entre nós. Não é raro, inclusive, ver esse tipo de ideia buscar sua comprovação no físico socialista alemão Albert Einstein. Afinal, não seria a Teoria da Relatividade do genial físico alemão a prova de que tudo é relativo, mesmo na natureza?

Antes de mais nada, cabe afirmar que Einstein jamais disse qualquer frase sequer parecida com “tudo é relativo” (que remete na verdade a uma notória afirmação do Dalai Lama!). Em seu artigo original intitulado “Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento”, o cientista nunca sequer utilizou a expressão “Teoria da Relatividade” – cunhada e popularizada pelo seu colega Max Planck. Einstein, ele próprio, se referia à sua teoria como “Teoria da Invariância”. Haveria algo menos relativista que falar em invariância?

Para Einstein, em seu realismo teórico, o Princípio da Relatividade significa que as leis da física são as mesmas para todos referenciais inerciais. Mas a Teoria da Invariância apenas se completa quando tal princípio é combinado ao Princípio da Constância da Velocidade da Luz – aquele que afirma que a velocidade da luz no vácuo é a mesma para todos os referenciais inerciais. Enquanto já Galileu postulava o primeiro princípio, o que torna Einstein pioneiro reside exatamente em afirmar, ao lado disso, o caráter invariável da velocidade da luz.

Além disso, Einstein era mesmo avesso à centralidade dada ao conceito da “probabilidade” na nascente física quântica. “Deus não joga dados”, afirmou o físico certa vez, em polêmica com Niels Bohr. Para muitos, aqui estaria o cerne do anti-relativismo de Einstein: sua convicção na existência da verdade estaria intimamente ligada à sua fé no divino. E, ainda que o segundo ponto distancie o físico alemão do materialismo histórico, não deixa de ser admirável seu esforço filosófico em refletir as implicações teóricas de tal ou qual concepção física da realidade.

O teórico não ignorava a relação que havia, para si, entre a fé e a verdade. Em sua obra “Como vejo o mundo”, afirma:

Devemos escolher como finalidade independente do nosso esforço o conhecimento da verdade ou, exprimindo-nos mais modestamente, a compreensão do mundo inteligível por meio do pensamento lógico? […] Esta atitude, por assim dizer, religiosa do cientista perante a verdade não deixa de ter influência sobre a sua personalidade. Pois, além daquilo que resulta da experiência e além das leis do pensamento, não há para o investigador, por princípio, nenhuma outra autoridade cuja decisão ou informação, por si, possa pretender ser «verdade». Daí resulta o paradoxo de que o homem que dedica o melhor dos seus esforços às coisas objetivas, se torna, socialmente falando, um individualista extremo que — em princípio pelo menos — em nada confia senão no seu próprio juízo.

Qualquer semelhança entre esse cientista instrumentalista que Einstein denuncia como individualista extremo que em nada confia senão no seu próprio juízo e o sofista Protágoras, que afirmava a Sócrates que “a verdade é relativa. É questão de opinião” não é mera coincidência. [1]

Consequente com seu anti-relativismo teórico, Einstein ao fim da vida buscava formular aquilo que veio a vulgarmente ser conhecido como Teoria de Tudo. Se inspirava na evolução teórica que o eletromagnetismo significara para a física: em 1864, James Clerk Maxweel formulou sua teoria dinâmica do campo eletromagnético, primeiro exemplo de teoria capaz de unir duas teorias de campo anteriormente separadas, (a da eletricidade e a do magnetismo) e criar uma teoria unificada do eletromagnetismo. Em seu artigo “Sobre a Teoria do Campo Unificado”, Einstein postulava a possibilidade unificar a teoria da relatividade geral e a teoria do eletromagnetismo – ou seja, superar a concepção segundo a qual o eletromagnetismos e a gravidade seriam forças substancialmente diferentes em nome duma concepção pela qual todas as forças da natureza poderiam ser explicadas por uma mesma teoria unificada. Albert Einstein morreu, no entanto, sem conseguir produzir a contento tal unificação teórica. [2]

Também no tocante às suas convicções políticas Einstein caminhava lado a lado ao ponto de vista da totalidade. Em seu artigo “Porque Socialismo?”, escrito por ocasião do lançamento da revista marxista estadunidense Monthly-Review, lançada em maio de 1949, defende uma concepção da história humana como história da luta de classes, e afirma estar convencido “de que existe apenas um caminho para eliminar esses graves males, e esse é o estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional orientado para objetivos sociais. Em uma economia tal, os meios de produção são propriedade da própria sociedade, e utilizados de modo planejado. Uma economia planejada, que ajusta a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre todos os capazes de trabalhar, e garantiria o sustento de cada homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de desenvolver suas próprias habilidades inatas, se empenharia em desenvolver nele um senso de responsabilidade por seus companheiros de humanidade, em lugar da glorificação do poder e do sucesso, como temos na sociedade atual.

Em suma: Einstein era um defensor da existência da verdade, de uma concepção total da realidade e da existência de um único meio para a superação da totalidade das contradições do capitalismo. Contra o relativismo pós-moderno, podemos afirmar seguramente, ao lado do físico alemão: “duas coisas são infinitas: a universo e a estupidez humana”, e quem sabe começar por aí a demonstrar o quão frágil é toda a apologia do relativo. Ou, ao menos, combater a apropriação indevida do físico alemão por tal tipo de concepção da realidade. Que seja impossível analisar qualquer fenômeno sem entendê-lo em movimento, em relação com outros, nisso estamos de acordo. Mas se furtar a entender que esta relação se insere em e engendra uma totalidade, uma unidade dialética, é exatamente abrir mão da relação como chave para o entendimento. O que falta, neste caso, é “a dimensão da verdade em sua oposição ao conhecimento: verdade enquanto conhecimento autorreflexivo “engajado” ou “prático” que é validado não por meio de sua adequatio rei, mas pelo modo como ele se relaciona com a posição do sujeito da enunciação.” O que escapa aos relativistas é que não se trata de contrapor a fé numa verdade divina à inexistência de uma verdade, – já que, do ponto de vista da crítica irreligiosa, tais perspectivas são coincidentes – e sim contrapor a busca por um “conhecimento objetivo” à possibilidade de uma verdade prática, ativa e histórica.

Tentando pôr as coisas em seu devido lugar, reiteramos: o Princípio da Relatividade significa que as leis da física são as mesmas para todos referenciais inerciais. Exceto pela luz, não há referencial absoluto a priori – mas tomado um dado referencial, a ele se aplicarão da mesma forma todas as leis da física que se aplicam para outro referencial qualquer relativamente inerte em relação a este. Alguma coisa aqui é relativa – jamais tudo.


[1] Ao que respondia Sócrates: “A minha opinião é: a verdade é absoluta, não é opinião, e que você, Sr. Protágoras, está absolutamente errado. Como esta é a minha opinião, então você deve concordar que ela é verdade, de acordo com a sua filosofia.”. Nada mais fácil que enredar um relativista em si próprio!

[2] Como afirma Slavoj Zizek, na obra supracitada: “Tomemos, por exemplo, a impossibilidade de reconciliar a teoria da relatividade e a física quântica em uma consistente Teoria de Tudo: não há como resolver a tensão entre as duas por meio de uma reflexão dialética “imanente” na qual o problema em si torna-se sua própria solução. Tudo o que podemos fazer é esperar um avanço científico contingente – só assim será possível reconstruir retroativamente a lógica do processo.”

P.S: Escrito em 2015. Sobre o tema, vide Lênin e Paul Cockshott.

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