Por Gabriel Lazzari*
Marx e Engels já apontavam os limites constitutivos da consciência no que tange à luta imediata dos trabalhadores em suas reivindicações diárias, sem vínculo com uma luta política mais ampla, ou seja, os limites da consciência chamada por Lênin de “trade-unionista”. É precisamente ao observarmos os termos em que Marx formula sua primeira abordagem da questão que conseguimos perceber que, em sendo as relações de produção mencionadas contraditórias internamente, também permitem o surgimento de uma consciência contraditória no seio do proletariado, ainda que limitada pela falta de compreensão da articulação total dos fenômenos que estruturam a sociedade capitalista, as lutas entre as classes, inclusive.
Lênin: organização, consciência, agitação e propaganda
Organizar o pensamento dentro da chave leninista requer um estudo bastante delicado. Delicado porque todo o fundamento do pensamento de Vladimir Ilitch Ulyanov, conhecido pelo pseudônimo de Lênin, baseia-se não na construção teórica a priori ou na formulação de soluções dadas em abstrato; antes, segue a máxima marxista de que
“[a]s proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo algum, em ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo. […] São apenas a expressão geral das condições efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se desenvolve diante dos olhos”. [MARX, ENGELS, 2010: 51-52]
Assim, é preciso primeiramente observarmos a radical historicidade presente na obra de Lênin como elemento constitutivo de sua teoria: ele está se debruçando sobre elementos concretos, buscando resolver (como diz o subtítulo de seu texto “Que fazer?”) os “problemas candentes do nosso movimento”.
Assim, analisar Lênin implica em recuar a um princípio claro do marxismo, ao fundamento da lógica dialética, para, em primeiro lugar, conseguir distinguir entre os elementos estruturais e os elementos conjunturais de sua teoria. Isso se dá porque, ao pensarmos por meio do materialismo histórico-dialético, conseguimos fazer uma análise que articule elementos universais e particulares de cada momento histórico – e por conseguinte, de cada proposta feita utilizando o marxismo também como ferramenta de ação.
“Nessa perspectiva, a história é tanto resultado como pressuposto da vida cotidiana. O universal histórico nada mais é que síntese de vida cotidiana, mas, ao mesmo tempo, a vida cotidiana nada mais é que vida determinada historicamente. Duas mediações nos interessam aqui diretamente. Por um lado, esse fluir da vida cotidiana não desemboca diretamente na história, mas constitui momentos de condensação em que se cristalizam certas homogeneidades que chamamos de conjunturas, isto é, a variedade de ações e determinações casuais, de singularidade de interesses, intenções, de resistências e lutas, de passividade e amoldamento, resultam num desenho maior que permite vislumbrar cenários e tendências que apontam para o devir e que nos ajudam a compreender o processo que até ali se desenvolveu e as possibilidades que se abrem. […]
Nesse ponto se apresenta uma segunda mediação. É impossível perceber as determinações históricas presentes em uma conjuntura, a natureza das circunstâncias que constrangem o agir dos indivíduos, dos grupos sociais e das classes, caso não compreendamos a dimensão genérica na qual se insere esse agir. […]
A totalidade, numa compreensão dialética, não é apenas espacial, mas temporal. Não se trata de ampliar apenas a lente para que abranja mais ou menos elementos, mas de procurar na história os movimentos e formas passadas que constituíram o presente que estão abertas ao devir”. [IASI, 2017: 16-17]
Da mesma forma, portanto, que o marxismo, como ferramenta teórica de composição de um quadro ideal (ou seja, teórico) da dinâmica social que corresponda à dinâmica social realmente em movimento (PAULO NETTO, 2011), também os acréscimos leninianos buscam, a partir de uma análise concreta, construir uma estratégia e uma tática para seu objetivo: o comunismo, ou seja, “a abolição da propriedade burguesa” (MARX, ENGELS, 2010: 52).
Colocando o objetivo final em perspectiva, Lênin observa que é preciso clareza nas formulações estratégicas e táticas, ou seja, respectivamente nas de mais longo prazo, mais ligadas aos aspectos estruturais da sociedade, e nas de mais curto prazo, mais ligadas aos aspectos conjunturais da sociedade. Marta Harnecker coloca ambas nos seguintes termos:
“A estratégia revolucionária determina o caminho geral pelo qual deve ser canalizada a luta de classes do proletariado para conseguir seu objetivo final: a derrota da burguesia e a implantação do comunismo, ou seja, é a forma como se planejam, se organizam e se orientam os diferentes combates sociais para alcançar esse objetivo. […]
[A tática revolucionária] é o conjunto de orientações concretas formuladas para pôr em prática a estratégia revolucionária em cada nova conjuntura política.” [HARNECKER, 2012: 65; 114]
O grande problema esboçado por Lênin revolve em torno da organização política. Inúmeros são os textos em que o revolucionário formula uma sua ideia de “organização formada por revolucionários” (LENIN, 1986a: 149) e várias são as características que podemos esmiuçar ao estudarmos essa organização que ele propõe. Em primeiro lugar, é importante observar que Lênin pensa uma forma organizativa que corresponda às necessidades da luta concreta (CUNHAL, 2013: 31). Assim, se a luta concreta pode (e deve) ser observada em determinados elementos, dialeticamente correlacionados, que se desenvolvem no plano das tarefas estratégicas e das tarefas táticas, também a organização de revolucionários pensada por Lênin precisa sintetizar uma série de elementos (forma de organização do trabalho, tipos de trabalho, organização dos debates internos e públicos etc.) que podem ser divididos em elementos de cunho mais estratégico (estruturais) e de cunho mais tático (conjunturais).
Quanto a essa distinção, é preciso termos o significado claro: não significa que esses elementos, na vida orgânica da organização, sejam separados e autônomos; ao contrário, significa que estão, também os elementos característicos da organização, dialeticamente correlacionados, embora devamos sempre distingui-los.
Isso posto, cabe a nós distinguir alguns elementos/tarefas estruturais e alguns elementos/tarefas conjunturais da organização de revolucionários segundo Lênin, a fim de observarmos não somente eles, mas fundamentalmente a relação entre eles.
O primeiro aspecto estrutural a ser observado, e sobre o qual o enfoque desse estudo mais tende a se focar [1], é o da teoria revolucionária e da consciência revolucionária [2]. Lênin busca explicar o “surgimento” da teoria revolucionária a partir da fusão das formulações e práticas de intelectuais socialistas, por um lado, e do próprio movimento operário, por outro.
“A fim de explicar esse erro do Rabochaya Mysl, devemos clarificar a questão geral da relação do socialismo com o movimento da classe trabalhadora. No primeiro momento, o socialismo e o movimento operário existiam separadamente em todos países europeus. Os trabalhadores lutavam contra os capitalistas, suas greves organizadas e sindicatos, enquanto os socialistas ficavam à margem do movimento operários, formulando doutrinas críticas do capitalismo contemporâneo, sistema burguesa da sociedade e demandando sua substituição por um outro sistema, um superior, o sistema socialista. A separação entre o movimento operário e o socialismo deu base à fraqueza e subdesenvolvimento recíproco: longe dos trabalhadores, as teorias socialistas permaneciam nada mais do que utopias, pios desejos sem efeito algum sobre a vida real; o movimento operário permanecia estreito, fragmentado, e não adquiria relevância política, não era iluminado pela ciência avançada da época. Por essa razão nós vemos. Todos países europeus uma necessidade constante e crescente de fundir o socialismo e o movimento da classe trabalhadora em um único movimento social-democrático. Quando essa fusão ocorre, a luta de classes dos trabalhadores se transforma na luta consciente do proletariado para emancipar-se da exploração das classes proprietárias, ele evoluiu para uma forma superior do movimento socialista dos trabalhadores – o partido social-democrático independente da classe trabalhadora. Ao direcionar o socialismo rumo a uma fusão com o movimento operário, Karl Marx e Frederick [sic] Engels prestaram seu grande serviço: eles criaram uma teoria revolucionária que explicava a necessidade desta fusão e dei aos socialistas a tarefa de organizar a luta do proletariado.”. [LENIN, 1964]
Essa teoria revolucionária, o materialismo histórico-dialético, portanto, precisaria ser guia de leitura de mundo e, consequentemente, de ação para toda organização de revolucionários. Quanto a isso, Lênin vai voltar à categoria de consciência, buscando explicar as diversas posições de ação política dentro do movimento operário da Rússia do começo do fim do século XIX, em que inúmeras greves foram deflagradas, para reivindicar melhores condições de vida e de trabalho. Observa que
“[e]m si mesmas, estas greves eram luta trade-unionista, não eram ainda luta social-democrata; assinalavam o despertar do antagonismo entre os operários e os patrões, mas os operários não tinham, nem podiam ter, a consciência da oposição irreconciliável entre os seus interesses e todo o regime político e social existente, isto é, não tinham consciência social-democrata”. [LENIN, 1986a: 101]
Lênin percebe a necessidade histórica de que os trabalhadores tenham consciência social-democrata, ou seja, a consciência das relações de totalidade da dinâmica de sua vida social concreta – auxiliados, claro, por uma teoria revolucionária de análise da realidade. Mas o que ele observa, como citado, é que “os operários não tinham, nem podiam ter, […] consciência social-democrata” (grifos nossos).
Antes de continuarmos, é preciso dar um passo atrás nessa afirmação de Lênin para enfocar esse aspecto preciso: os operários não podiam ter uma consciência revolucionária. Marx e Engels observam com muita precisão que “[a]s ideias dominantes nada mais são que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante, as ideias de sua dominação” (1979: 72), seguindo a mesma compreensão apontada por Marx anteriormente, segundo a qual
“[a] totalidade d[as] relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência“. [MARX, 1996: 52, grifos nossos]
Desse modo, Marx e Engels já apontavam os limites constitutivos da consciência no que tange à luta imediata dos trabalhadores em suas reivindicações diárias, sem vínculo com uma luta política mais ampla, ou seja, os limites da consciência chamada por Lênin de “trade-unionista”. Aqui, pode-se objetar a que, segundo essa linha de raciocínio, os trabalhadores, por estarem explorados cotidianamente, submetidos como classe dominada dentro do capitalismo, sequer chegariam a essa consciência trade-unionista. No entanto, é precisamente ao observarmos os termos em que Marx formula sua primeira abordagem da questão que conseguimos perceber que, em sendo as relações de produção mencionadas contraditórias internamente, também permitem o surgimento de uma consciência contraditória no seio do proletariado, ainda que limitada pela falta de compreensão da articulação total dos fenômenos que estruturam a sociedade capitalista, as lutas entre as classes, inclusive. Mauro Iasi parece nos oferecer uma leitura sintética e precisa do caso em questão.
“Quando um setor da classe operária confronta-se com o patrão exigindo, por exemplo, maiores salários, melhores condições de trabalho e outras reivindicações, dá mostras de que desvendou em parte o caráter da contradição fundamental entre a produção social e a acumulação privada e, sabendo disso, cobra do capitalista uma parte maior daquilo que produziu e que lhe foi retirado. O proletariado apercebe-se de sua força, de ser elemento-chave para o processo de produção, percebe seu poder de barganha e o usa contra o capital, adquire consciência de sua força, de sua união enquanto classe. Mas, digamos que essa luta atinja seus objetivos, que a greve seja vitoriosa. Os trabalhadores retornam ao trabalho com suas reivindicações atendidas. Estão novamente aptos a revalidar as relações de exploração, o trabalho alienado, ou seja, o próprio capitalismo.
Isso porque, ao se assumir enquanto classe, o proletariado nega o capitalismo afirmando-o. Organiza-se como qualquer vendedor que quer alcançar um preço maior por sua mercadoria. Portanto, em sua luta revolucionária, não basta o proletariado assumir-se enquanto classe (consciência em si) [ou, nos termos de Lênin, consciência trade-unionista], mas é necessário se assumir para além de si mesmo (consciência para si). Conceber-se não apenas como um grupo particular com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar diante da tarefa histórica de superação dessa ordem”. [IASI, 2011: 31-32]
A longa citação anterior reafirma e esclarece alguns apontamentos feitos por Lênin anteriormente: de que a consciência revolucionária não sobrevém aos trabalhadores nem por si só, nem mesmo no processo de suas lutas econômicas diretas. Voltemos, portanto, ao debate que ele apresenta. Se a consciência revolucionária não surge espontaneamente, como os trabalhadores poderão atingi-la?
Recuperando os apontamentos de Marx e Engels, Karl Kautsky apresenta sua visão de que a consciência revolucionária não surge espontaneamente, mas é “introduzida de fora”, cabendo à social-democracia “levar ao proletariado […] a consciência de sua situação e da sua missão” (KAUSTKY apud LENIN, 1986a: 107). Dessa forma, o que Lênin defende como “educação política” (LENIN, 1986a: 120) é de que é preciso não somente explicar a opressão política (expressão do poder da classe dominante) em abstrato, mas “fazer a agitação a propósito de cada manifestação concreta desta opressão (como começamos a fazer para as manifestações concretas da opressão econômica)” (Ibidem), polemizando com a perspectiva “economista”, que advogava por apenas uma agitação das opressões econômicas da classe trabalhadora, isso é, a exploração do patronato frente aos empregados, no que respeitava às condições de trabalho, salário, extensão de jornada, etc [3].
Ora, se está claro que uma educação política adequada às massas trabalhadoras e à luta revolucionária deve tomar como ponto de apoio um processo contínuo de denúncia da opressão e da exploração, em sentido econômico e político (de maneira integrada), o que nos cabe perguntar é: como? Quais são os apontamentos feitos pelo revolucionário russo que nos ajudam a balizar as características dessa denúncia, os modos pelos quais ela é feita?
Lênin utiliza a fórmula já consagrada no movimento social a partir dos termos agitação e propaganda como principais modos de articulação do conteúdo da teoria revolucionária para intervenção junto à classe trabalhadora em movimento de luta. Cabe-nos reproduzir uma extensa citação a respeito disso, em que ele inicia citando o camarada Martínov e, em seguida, expõe suas considerações sobre essa divisão:
“[…] as palavras de Plekhanov: ‘O propagandista inculca muitas ideias em uma única pessoa, ou em um pequeno número de pessoas; o agitador inculca apenas uma única ideia, ou um pequeno número de ideias, em troca, inculca-as em toda uma massa de pessoas’. […]
[Pensamos] (com Plekhanov e todos os dirigentes do movimento operário internacional) que um propagandista, ao tratar, por exemplo, do problema do desemprego, deve explicar a natureza capitalista das crises, mostrar o que as torna inevitáveis na sociedade moderna, mostrar a necessidade da transformação dessa sociedade em sociedade socialista etc. Em uma palavra, deve fornecer “muitas ideias”, um número tão grande de ideias que, de imediato, todas essas ideias tomadas em conjunto apenas poderão ser assimiladas por um número (relativamente) restrito de pessoas.
Tratando da mesma questão, o agitador tomará o fato mais conhecido de seus ouvintes, e o mais palpitante, por exemplo uma família de desempregados morta de fome, a indigência crescente etc., e apoiando-se sobre esse fato conhecido de todos, fará todo o esforço para dar à massa “uma única ideia”: a [ideia] da contradição absurda entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria; esforçar-se-á para suscitar o descontentamento, a indignação da massa contra essa injustiça gritante, deixando ao propagandista o cuidado de dar uma explicação completa dessa contradição.
Por isso, o propagandista age principalmente por escrito, e o agitador de viva voz. Não se exige de um propagandista as mesmas qualidades de um agitador. Diremos que Kautsky e Lafargue, por exemplo, são propagandistas, enquanto Bebel e Guesde são agitadores.
Distinguir um terceiro domínio, ou uma terceira função da atividade prática, função que consistiria em “atrair as massas para certos atos concretos”, é o maior dos absurdos, pois o “apelo” sob forma de ato isolado, ou é o complemento natural e inevitável do tratado teórico, do folheto de propaganda, do discurso de agitação, ou é uma função pura e simples de execução.
De fato, tomemos, por exemplo, a luta atual dos sociais-democratas alemães contra os direitos alfandegários sobre os cereais. Os teóricos redigem estudos especiais sobre a política alfandegária, onde “apelam”, digamos assim, para se lutar por tratados comerciais e pela liberdade do comércio; o propagandista faz o mesmo em uma revista, e o agitador nos discursos públicos. Os “atos concretos” da massa são, nesse caso, a assinatura de uma petição endereçada ao “Reichstag” contra a majoração dos direitos alfandegários sobre os cereais. O apelo a essa ação emana indiretamente dos teóricos, dos propagandistas e dos agitadores, e diretamente dos operários que passam as listas de petição nas fábricas e domicílios particulares. [LENIN, 1986a: 126-127, separações nossas]
Assim posto, podemos distinguir, conforme aponta o camarada Gabriel Landi (FAZZIO, 2019), alguns aspectos fundamentais entre as duas categorias, “um critério principal, referente à ‘densidade do conteúdo’ e à amplitude do público; e um critério acessório, relacionado à forma da comunicação (escrita ou oral)”. Ainda que a discussão posta por ele seja sobre redes sociais, os critérios apontados são úteis também para nossa discussão. O que nos interessa aqui sobremaneira é a modulação do discurso, entre o “perfeito conhecimento dos assuntos em causa” (KRUPSKAIA, 1939) e a capacidade de “identificar-se com o auditório e criar uma atmosfera de mútua compreensão” (Ibidem), aliada à necessidade de pôr as massas em movimento, esclarecendo e organizando, tudo mobilizado pelo mesmo aparato discursivo (Ibidem). Nesse trabalho, é importante observar, ganha caráter fundamental “a distribuição de literatura, a edição de panfletos” (LENIN, 2010: 138), além de outras formulações sobre o uso correto da linguagem.
Assim, buscando uma síntese de alguns elementos do trabalho político proposto por Lênin, podemos conjugar da seguinte maneira: ao partido social-democrata, cabe levar “de fora” a consciência revolucionária para o seio do proletariado, objetivando um avanço na consciência dessa classe, para que supere a consciência trade-unionista; esse trabalho é feito através da agitação e da propaganda, diferidas no que respeita à “densidade” do conteúdo e ao meio de divulgação (oral/falado ou escrito), calcadas de forma muito sólida em um trabalho de distribuição de textos e de discursos públicos (ainda que muitas vezes clandestinos) para e junto ao proletariado e às massas da população.
Schneuwly: objeto de ensino, trabalho docente, disciplinarização, dispositivos didáticos
Passemos agora a uma outra perspectiva. Nosso foco dar-se-á sobre alguns apontamentos teóricos de Bernard Schneuwly, estudioso da didática de língua francesa, mas ampliam-se para um estudo do processo de ensino em geral e do trabalho docente em particular. É nesse ponto que queremos centrar nossa atenção.
Schneuwly, na sua obra em parceria com Joaquim Dolz, Des objets enseignés en classe de français – Le travail de l’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordonnée relative, elabora alguns fundamentos, no primeiro e no segundo capítulos, para a análise do objeto de ensino em sala de aula e procede, enfim, a um estudo sobre o trabalho docente. Nosso enfoque, no entanto, buscará caminhar o percurso inverso: começaremos do trabalho docente para chegar ao objeto de ensino. Justificamos essa escolha por perceber que, em perspectiva histórica, é o trabalho docente por sua finalidade educacional que formata o objeto de ensino e as práticas escolares, não o inverso; é no trabalho (e nas “relações de produção”) docente(s) que podemos enxergar com precisão a gênese do objeto de ensino tal e qual se apresenta para Schneuwly em seu primeiro capítulo.
Schneuwly parte de uma interpretação marxista geral sobre o trabalho como fundamento da vida social humana e busca analisar o trabalho docente “por analogia com o trabalho em geral”, isso é,
“[o] ensino não seria, neste caso, um outro trabalho, mas como uma modalidade particular do trabalho em geral, com a mesma estrutura de base. Digamo-lo de maneira, sem dúvida, bastante simples: ensinar consiste em transformar os modos de pensar, de falar e de agir pelo auxílio de instrumentos semióticos. Trata-se de um trabalho que tem a mesma estrutura de qualquer trabalho. Ele tem um objeto: modos de pensar, de falar, de agir; ele tem um meio ou instrumento: signos ou sistemas semióticos; ele tem um produto: modos (de pensar, de falar e de agir) transformados. Os sistemas semióticos são exatamente instrumentos que agem sobre as funções psíquicas dos outros com vista a transformá-las. […] O professor, como trabalhador, é um agente de transformações visando a produzir, com o auxílio de instrumentos semióticos, uma série particularmente complexa de funções psíquicas como a escrita e a leitura, atividades linguageiras altamente desenvolvidas; ou como os modos de pensar disciplinares manifestos, por exemplo, nos conceitos científicos; ou ainda como formas elaboradas de expressão artísticas e artesanais”. [SCHNEUWLY, 2011b: 3]
Assim, vemos que a perspectiva marxista consta como uma das fontes importantes para analisar o trabalho docente, de modo a embasar um estudo científico-prático desse trabalho.
Schneuwly percebe, assim, uma aparente contradição entre duas formas de “objeto” – o objeto de ensino (que abordaremos posteriormente) e o aluno-como-objeto, isso é, os modos de falar, pensar e agir dos alunos (ou seja, sua consciência e sua prática) tratados como “matéria-prima” para seu trabalho. Essa contradição – em realidade, uma distinção importante do que é e do que não é trabalhado efetivamente como objeto, mas não exatamente uma contradição – se resolve quando o autor verifica que existe uma impossibilidade efetiva de o trabalho docente incidir sobre a consciência dos alunos. Assim, ao trabalho docente cabe mobilizar uma série de instrumentos e práticas que, elas sim, criam as condições para uma transformação nesses estados psíquicos dos alunos [4].
O autor observa, assim, que esses instrumentos se dividem em três grupos, grosso modo, materiais físicos (lousa, caderno, sala de aula etc.), materiais “que asseguram a presentificação, o encontro e a interação do aluno com o objeto” (livros didáticos, fichas etc.) e os discursos utilizados nos materiais e na condução docente do trabalho. Como percebe-se facilmente, os três instrumentos não estão de forma alguma apartados uns dos outros; ao contrário, são complementares enquanto categoria, se imiscuindo na realidade do trabalho docente, muitas vezes nos mesmos objetos concretos.
Para destrinchar alguns aspectos do uso desses instrumentos, Schneuwly mobiliza três categorias:
“• Dispositivo didático: designamos por este termo aquilo que cria as condições para o emprego dos instrumentos da segunda e terceira categorias identificadas anteriormente, utilizados pelo professor para permitir ao aluno de se confrontar com ou estudar o objeto de ensino ou uma de suas dimensões. Empregamos este termo relativamente amplo porque ele permite englobar situações de perguntas-resposta ou o discurso do mestre, bastante frequentes, acompanhados, em geral, de materiais que tornam presente o objeto, mas também de situações em que a atividade do aluno escapa, não está sob o controle direto do professor […]
• Atividades escolares: designamos por este termo aquilo que o aluno é levado a fazer nos dispositivos didáticos. Dizendo “é levado a fazer” referimo-nos à representação que direciona a elaboração dos dispositivos e que pressupõe algo que se poderia chamar, por analogia ao termo “arquileitor” (Brockart, Bain, Schneuwly, Pasquier & Devaud, 1985), de um “arquialuno”. [5] […]
• Tarefa: forma particular de atividade que pode agregar-se à implementação de um dispositivo didático, implicando uma resposta sob forma de uma atividade dirigida para um objetivo, destinada aos alunos, individualmente ou em grupo. Observemos mais de perto este termo. As tarefas ocupam um lugar essencial nas sequências de ensino: elas são, em geral, catalisadoras do objeto, o que permite ao objeto existir, ao professor mostrá-lo e ao aluno acessá-lo”. [SCHNEUWLY, 2011b: 6-7]
Ou, em resumo, “utilizamos o termo ‘dispositivo didático’ quando nos referimos principalmente ao que o professor implementa para ensinar; ‘atividade escolar’ quando focalizamos o que o aluno é instado a fazer no dispositivo; e ‘tarefa’ para discutir de maneira mais técnica e detalhada certos aspectos dos dispositivos” (Idem: 7-8).
O autor prossegue para dispor de uma outra categoria, que atua transversalmente às três explicitadas e lhes dá concretude material – seja na forma de discurso falado ou escrito – no dia a dia da sala de aula: o “gesto”, que nada mais é do que uma formatação das práticas sociais historicamente determinadas para determinada atividade. Schneuwly aproxima seu significado da noção brechtiana de gestus:
“Sob o termo gestus cabe supor um conjunto de gestos, de jogos de fisionomia e (o mais frequente) de declarações feitas por uma ou várias pessoas dirigidas a uma ou a várias outras. Um feirante que vende peixe mostra, entre outros, o gestus da venda. […] Palavras, gestos podem ser substituídos por outras palavras, outros gestos, sem que o gestus da venda seja modificado”. [BRECHT apud Idem: 8]
O autor, por fim, distingue quatro “gestos fundamentais” do trabalho docente: implementar dispositivos didáticos, regular, institucionalizar e criar a memória didática. Justificamos o uso extenso das citações abaixo pela necessidade de darmos fidelidade total aos tipos de gestos elencados por Schneuwly, uma vez que, posteriormente, usaremo-nos de forma crítica, precisando deles da forma apresentada pelo autor.
“Implementar dispositivos didáticos
No desenrolar do ensino, a decomposição do objeto de ensino se traduz principalmente pelo emprego de instrumentos de ensino (suportes materiais, instruções e modos de trabalho) que objetivam mostrar e estudar certas dimensões a partir de diferentes perspectivas. Estes instrumentos e seu uso em sala compõem aquilo que agrupamos sob o nome genérico dispositivo didático. […] A implementação de dispositivos implica, em geral, na mobilização de uma série de meios que funcionam em diferentes registros semióticos: a própria disposição da turma (lugar do professor e dos alunos), textos escritos ou suportes para escrever sob diferentes formas (lousa, fichas, textos, livros, cadernos), o discurso do professor constituído em diferentes modalidades, incluídos a gestualidade e o deslocamento no espaço. Além disso, esta implementação implica frequentemente uma regulação: o professor observa obstáculos à compreensão, dá-se conta de que certos elementos do dispositivo não foram ou não foram suficientemente explicitados; ele identifica e define, introduz novos elementos, corrige algumas interpretações inadequadas, utilizando-se com frequência de diferentes modalidades semióticas a sua disposição. A implementação de dispositivos didáticos é um revelador particularmente importante do objeto ensinado, em um duplo sentido. Por um lado, a própria seleção do dispositivo didático pressuposta em sua implementação participa da determinação do objeto em construção e permite verificar como ele é recortado, como é abordado, como é posto em uma sequência progressiva de elaboração. […]
Por outro lado, as modalidades de implementação de um dispositivo didático – sempre resultado e variante de praticas profissionais largamente partilhadas – definem a significação dada aos meios utilizados, ao mesmo tempo pelas características dos meios de ensino propostos, pelo discurso utilizado e suas características lexicais e sintáticas, pela eventual explicitação das funções do dispositivo, pelos vínculos eventualmente estabelecidos com outros dispositivos e com o objeto abordado e pela precisão e redefinição contínua do dispositivo.
[…] As reformulações da instrução, da questão ou de outros atos de linguagem que surgem em função de obstáculos interpostos pelos alunos ou por que certos elementos foram menosprezados nas primeiras formulações, ajustam ou alavancam o dispositivo didático. Elas sempre são particularmente importantes para compreender de maneira aprofundada o dispositivo implementado.
Regular
A realização de um dispositivo didático implica uma regulação contínua que informe sobre a construção e a transformação do objeto ensinado. […] [C]oncebemos o gesto da regulação como tomada de informação, a interpretação e, o caso limite, a correção relativa à progressão do trabalho nos dispositivos didáticos em uso na construção do objeto ensinado em uma sequência de ensino. A regulação, baseada em critérios, implícitos ou explícitos, contribui de maneira decisiva para a construção do objeto. […] Um dos traços deste processo são exatamente os obstáculos encontrados pelo aluno, tornados visíveis pelas interações – trata-se tão somente da ponta do iceberg dos obstáculos, mais especificamente daquilo que influi diretamente na construção do objeto ensinado – e os aportes dos alunos à construção do objeto.
Institucionalizar
A institucionalização é “o processo pelo qual o professor mostra aos alunos que os conhecimentos que construíram se encontram já na cultura (de uma disciplina), e pelo qual os convida a se tornarem responsáveis de saber estes conhecimentos” (Sensevy, 2001, p. 211). […] A institucionalização tem funções precisas no ensino. Ela fixa, de modo explícito e convencional, o estatuto cognitivo de um saber para construir uma aprendizagem. O aluno sabe que pode utilizar este saber em novas circunstâncias e o professor pode exigi-lo. A institucionalização permite a progressão do programa – ou currículo efetivo – de um ponto de vista disciplinar. Para nossa problemática, a institucionalização visa a criação de uma cultura comum da turma que reflete as normas sociais. […] A institucionalização opera por reformulações em função de um movimento de descontextualização recontextualização que se realiza sob a forma de uma generalização. […] [O]s momentos de institucionalização supõem uma parada, uma suspensão ou um parêntese na progressão do tempo didático sendo-lhe ao mesmo tempo necessárias. […]
Criar a memória didática
O gesto da construção de uma memória didática é próximo ao anterior, mas funciona de maneira transversal. Ele objetiva essencialmente a conjugação, o vínculo entre os diferentes elementos do objeto decomposto para formar uma totalidade. […]
A memória, tal como utilizada em sala de aula, é, deste modo, não cronológica, “ahierarquizante”, e visaria, como um ideal, a compreensão, a sincronização e a síntese dos elementos. Esta memória promove múltiplos vínculos entre elementos disjuntos por efeito do ensino, sem buscar especificamente uma estrutura lógica destes elementos. Ela conforma em um discurso noções gerais, preservando pontos particulares, espécies de detalhes. Ela toma retrospectivamente ou prospectivamente noções que constituem o objeto para reconfigurá-las, para realocá-las em um conjunto. A memória projeta também o conjunto como objeto ainda não apropriado, como totalidade por vir, com a finalidade de dar sentido ao percurso intelectual e de atuação dos alunos. O rearranjo operado pela memória, conjugando passado, presente e futuro, permite ao professor reapresentar o presente como um lugar pleno de significação em que trabalham todos os atores, em torno de um objeto de transação e de negociação. Por um trabalho enunciativo constante no qual está presente, frequentemente, como ator (“nós vimos… vocês se lembram… vocês fizeram… eu disse a vocês… vamos ver… ”), o professor se coloca sempre no jogo em execução, embora sua atuação confirme, ao mesmo tempo, a assimetria topogenética decorrente do próprio fato de ser capaz e de ter autoridade para enunciar aquilo que enuncia nesta posição de professor”. [Idem: 9-14]
É com essa configuração de práticas, dispositivos, gestos etc. que Schneuwly expõe sua teoria do trabalho docente. Como dissemos, pensamos que agora é hora de compreender qual é sua visão sobre o objeto de ensino, que é seu ponto de partida, nosso ponto de chegada.
O autor começa explorando algumas categorias, com ênfase no processo pelo qual, através da disciplinarização, o professor recorta os conhecimentos científicos e os rearranja de modo a estabelecer uma sequência didática focada em ensinar determinado objeto aos alunos. O enfoque da sua análise está no processo de transposição didática, em que o professor produz esse rearranjo da matéria a fim de colocá-la em determinados formatos – as atividades – através da implementação de determinados dispositivos didáticos. Essa transposição didática sofre condicionamento de dois “sistemas”, um externo, conformado pelas práticas sociais, expectativas da sociedade, currículos de governo etc.; e um interno, conformado pela disciplinarização, ou seja, o sistema de divisão do conhecimento humano segundo áreas predeterminadas, constituindo um cânone específico.
Essa transposição didática, portanto, se configura, grosso modo, no processo de “elementarização”, de separação dos diversos elementos menores de um determinado conteúdo e seleção desses elementos conforme o andamento planejado pelo professor. Esse processo, ao mesmo tempo, através da institucionalização e da criação da memória didática, recria o objeto em sua totalidade. A relação, porém, das diversas “elementarizações” entre si e o objeto total, tanto no quesito “como” (“elementarizar”, isso é, como organizar essas cisões) quanto no quesito “por quê” (por que organizar determinadas cisões e implementar determinados dispositivos didáticos), não consta no exercício teórico (e, portanto, também abstrato) de Schneuwly.
O trabalho docente e a agitação e a propaganda revolucionárias
Pudemos, então, verificar elementos importantes de dois teóricos, Vladimir Lênin e Bernard Schneuwly, dentro de estudos importantes feitos por eles e por outros. Cabe, agora, observar o porquê de compararmos ambos. Primeiramente, por não ser elemento central do estudo, é interessante observar que ambos estão, de um modo ou de outro, ancorados sobre uma leitura marxista, buscando articular conhecimentos dos seus campos de análise a partir de uma perspectiva materialista histórico-dialética. Em que pese que Lênin está diretamente vinculado à tradição do movimento comunista e Schneuwly, não, podemos, ainda assim, verificar o esforço em buscar constituir uma teoria do trabalho docente a partir da perspectiva do trabalho como fundamento da vida social humana; de início, o estudioso suíço recusa o idealismo de quem vê no trabalho docente algo de “mágico” ou deslocado da realidade em que se insere, e pensa ele como uma modalidade do trabalho humano geral.
Partindo, assim, para o elemento central do nosso estudo, queremos estabelecer alguns paralelos entre categorias mobilizados por ambos autores, compreendendo o papel diferenciado que há entre ambas as práticas – uma, de trabalho docente na educação formal; a outra, de agitação e propaganda revolucionárias. O próprio Lênin, em um manuscrito cujo acesso atual se dá apenas de forma fragmentada, enfatiza uma importante diferença entre pedagogia e política, no que respeita ao trabalho social-democrata revolucionário, já em 1905:
“[…] pela mesma razão que o trabalho de intensificar e ampliar nossa influência sobre as massas é sempre necessário, depois de cada vitória como após cada derrota, em tempos de quietude política, como nos períodos mais tempestuosos da revolução, não devemos transformar a ênfase nesse trabalho em uma palavra de ordem especial ou construir sobre ele qualquer tendência especial, se não quisermos correr o risco de descer para a demagogia e degradar os objetivos da classe avançada e única verdadeiramente revolucionária. Há e sempre haverá um elemento pedagógico na atividade política do Partido Social-Democrata. Devemos educar toda a classe de trabalhadores assalariados para o papel de combatentes pela emancipação da humanidade de toda opressão. Devemos constantemente ensinar mais e mais seções dessa classe; devemos aprender a abordar os membros mais atrasados, mais subdesenvolvidos desta classe, aqueles que são menos influenciados pela nossa ciência e pela ciência da vida, de modo a poder falar com eles, aproximar-se deles, erguê-los constante e pacientemente ao nível da consciência social-democrata, sem fazer um dogma seco de nossa doutrina – ensiná-los não apenas a partir de livros, mas através da participação na luta diária pela existência dessas camadas atrasadas e não desenvolvidas do proletariado. Há, repetimos, um certo elemento de pedagogia nesta atividade cotidiana. O social-democrata que perdeu de vista esta atividade deixaria de ser um social-democrata. Isso é verdade. Mas alguns de nós esquecemos, nos dias de hoje, que um social-democrata que reduzir as tarefas da política à pedagogia também, embora por uma razão diferente, deixaria de ser um social-democrata. Quem quer que pense em transformar esta “pedagogia” numa palavra de ordem especial, em contrapô-la à “política”, em construir uma tendência especial sobre ela e em apelar às massas sob esta palavra de ordem contra os “políticos” da social-democracia, instantaneamente e inevitavelmente descer à demagogia”. [LENIN, 1905: s/p]
O que está posto é: não devemos pensar que a tarefa política é apenas a de explicar as coisas, mas é também de ligar esse conteúdo à atividade prática, às palavras de ordem, às tarefas concretas a serem desempenhadas no movimento revolucionário.
Em tendo todos esses elementos dispostos, é agora o exercício de comparar as categorias mobilizadas pelo revolucionário russo e pelo acadêmico suíço o que nos interessa.
Buscando esmiuçar os paralelos, podemos partir da concepção do que deve ser o objeto de ensino ou a teoria revolucionária. Schneuwly e Lênin partem de um pressuposto semelhante: existe um conjunto de formulações sobre a realidade que não estão disponíveis aos alunos e/ou proletariado em primeira mão. Essas formulações – que em Schneuwly são os “saberes científicos, das artes e dos ofícios” (SCHNEUWLY, 2011a: 3) e em Lênin são a “consciência […] de fora” (LENIN, 1986a: 101) – remetem a outras formas de conhecimento, descobertas e construídas antes do processo de educação [6]. Assim, o trabalho educativo, como fundamento, parte de um processo consciente e bem determinado, lutando contra o conhecimento espontâneo que poderia ser adquirido por alunos e trabalhadores a partir de sua vivência direta com o mundo.
Para operar, assim, esse trabalho, ambos autores constituem visões sobre esse processo, o processo de partir de um conhecimento previamente estabelecido (ou conquistado, ou descoberto) para uma formulação que tenha como finalidade chegar ao aluno e ao proletariado para mobilizá-lo no processo de transformação de seus estados psíquicos (ou de sua consciência, ou de seus modos de pensar, falar e agir). Chegamos, então, à perspectiva da transposição didática schneuwlyana. A construção apontada por ele, conforme já discutimos, envolve o esforço – materializado por meio do trabalho docente – em “elementarizar” os conteúdos advindos da “ciência pura”, formatando-os segundo as necessidades de construção de determinados instrumentos didáticos a partir dos quais o processo de aprendizado pode ser desencadeado no trabalho junto aos alunos. Assim, os conteúdos complexos frutos da pesquisa científica, que constituem uma perspectiva mais total, são inseridos de forma adaptada, “transposta”, à realidade escolar.
Voltemos, portanto, à discussão leniniana do papel da consciência vinda de fora no movimento revolucionário. Lênin, embasando-se nas discussões já abordadas por Engels e Plekhánov, discute a necessidade de uma ciência total, complexa, uma visão de mundo específica, ser levada ao encontro do movimento operário, desencadeando processos cujo resultado, no âmbito da consciência das massas, é uma nova etapa de consciência da classe trabalhadora – que passa a compreender seu papel como classe em si e como classe para si.
Mas, como não poderíamos deixar de notar, essa transposição requer instrumentos práticos, concretos, a serem trabalhados junto aos “educandos”. Esses instrumentos são os gestos, propostos por Schneuwly, que desenvolvem o processo de ensino. A implementação dos dispositivos didáticos, gesto primário do processo, se concretiza quando o professor “propõe” algo, seja ao começar a aula, seja ao apontar uma atividade a ser feita, seja ao começar uma explicação. Também, nesse sentido, conseguimos traçar paralelos evidentes: a “educação” política leninista nada mais é do que uma série de implementações de dispositivos didáticos que explicam e/ou levam à ação o conjunto de pessoas às quais ela é levada. No jargão leninista, a categoria de “mediação” normalmente é mobilizada para descrever esse processo, em que um conjunto de conhecimentos anteriores e bem estruturados é decomposto e recomposto segundo as necessidades práticas de interagir com o nível de consciência do conjunto de trabalhadores aos quais são dirigidos.
Essa educação, para Lênin, desenvolve-se a partir de uma prática de agitação e propaganda. Essa agitação e essa propaganda envolvem discursos políticos em variados lugares e “distribuição de literatura”, ou seja, na mesma toada que Schneuwly, existe um lugar específico para a linguagem falada (como na ação do professor em sala de aula) e para a linguagem escrita (que o estudioso suíço identifica com a forma escolar [7], na ideia de escriturização). Igualmente, para ambos, esse uso da linguagem direcionado ao “público-alvo” se traduz não somente em um conjunto de ideias afirmadas, mas também na implementação de atitudes a serem desenvolvidas pelo público-alvo. Da mesma forma como um professor aponta ações muito práticas a serem feitas pelos alunos – como “abram na página tal” ou “escrevam a redação da seguinte forma”–, também a agitação política leninista busca conclamar as massas trabalhadoras o tempo todo a desenvolverem ações práticas, como aponta a revolucionária Krupskaia, citando Lênin,:
“Se renunciássemos a apontar nos decretos o caminho a seguir, trairíamos o socialismo. Estes decretos que puderam imediatamente ser aplicados na íntegra, desempenharam um importante papel do ponto de vista da propaganda. Se anteriormente tínhamos feito a nossa propaganda na base das verdades comuns, hoje temos de a fazer com o nosso trabalho. Este também é propaganda pela ação, e não no sentido de ações isoladas de alguns indivíduos, que tanta chacota nos provocaram na época dos anarquistas e do velho socialismo. Os nossos decretos são apelos, mas não no velho estilo: “Operários, levantai-vos e derrubai a burguesia!”. Não, são exortações às massas, são apelos a ações práticas. Os decretos são instruções que convidam à ação prática das massas. Isso é o essencial.” [LENIN apud KRUPSKAIA, 1939, grifos da autora]
Aqui podemos começar a aproximar algumas noções dos gestos didáticos de Schneuwly à prática política de Lênin. O gesto de implementação dos dispositivos didáticos parece oferecer o maior “guarda-chuva” conceitual no que se refere à aproximação com os conceitos leninianos; com ele, podemos comparar as variadas aproximações propostas, como trabalho social-democrata revolucionário, de agitação, propaganda, distribuição de literatura, organização de manifestações etc. A implementação de dispositivos didáticos não somente mobiliza discursos, seja orais ou escritos, de maior ou menor “densidade”, mas também coloca atividades práticas a serem desempenhadas pelos alunos, tal e qual, na formulação leniniana, a agitação e a propaganda não só materializam as compreensões materialistas histórico-dialéticas, como apontam as tarefas de luta que constituem os passos dos embates entre o proletariado e as classes antagônicas a ele.
Quando ao gesto da regulação, recorreremos a outro teórico, de base leniniana, para observar alguns elementos fundamentais. Se, no âmbito da escola, é o trabalho docente que promove a regulação dos processos de ensino – entendendo seus resultados práticos como fundamento para essa regulação –, em uma organização de tipo leninista, esse esforço é coletivo e autodirecionado, baseando-se igualmente na análise dos resultados práticos do trabalho político. Álvaro Cunhal, à época Secretário-Geral do Partido Comunista Português, descreve isso usando as categorias de “crítica e autocrítica”:
“A crítica e a autocrítica constituem processos normais e correntes do trabalho do Partido. São parte integrante do estudo dos acontecimentos, da análise da atividade e da conduta do Partido, dos seus organismos e dos seus quadros.
Qualquer balanço do trabalho realizado implica que se observem não só os êxitos e os resultados positivos, mas as insuficiências, as deficiências, as faltas e os erros, e que se encarem as medidas e os esforços para superá-los e corrigi-los. […]
O exame crítico e autocrítico do trabalho realizado tem duas finalidades principais: a melhora do trabalho do Partido no imediato e no futuro e a ajuda, a formação e o aperfeiçoamento dos quadros”. [CUNHAL, 2013: 142-144] [8]
Continuando com o esforço aproximativo de ambas as teorias, chegamos em um ponto mais complexo. Ao passo que a implementação de dispositivos didáticos e a regulação são mais facilmente discerníveis no plano concreto das atividades políticas e, portanto, mais facilmente comparáveis com aspectos do leninismo, a criação de memória didática e a institucionalização, ainda que tenham pertinência mais clara quando circunscritas ao ambiente escolar, exigem um esforço de abstração para compreender seus traços fundamentais, estruturantes, e compará-las.
Analisando a fundo, vemos na institucionalização, na perspectiva de Schneuwly, dois aspectos, um de conteúdo e um de forma, em interação. O primeiro diz respeito à funcionalidade do gesto de institucionalização: ele se propõe a inserir em uma totalidade do conhecimento humano o aprendizado realizado em cada momento ou em cada sequência didática na escola. O segundo, por sua vez, se relaciona com a forma escolar e, vinculado a ela, diz respeito à validação docente dessa inserção do conteúdo em uma totalidade da experiência humana com a ciência e o conhecimento. Analisando dessa maneira os elementos, podemos compreender a necessária transposição de forma (forma-escola para forma-partido) desse processo. Se na escola, a posição hierarquizada confere ao professor um posto de validação, um processo diverso acontece na atividade política revolucionária: os revolucionários não se entendem como e não trabalham para ser um corpo apartado da classe trabalhadora; ao contrário, entendem-se como “um destacamento, uma parte da classe operária, parte intimamente ligada a esta com todas as fibras da sua existência” (STALIN, 1924: s/p), de modo que toda a forma da institucionalização não reside sobre a autoridade formal do professor e sim sobre um processo duplo, de clareza científica quanto ao conhecimento disseminado e de referência e confiança política dos trabalhadores em relação ao partido. No plano do conteúdo, por sua vez, precisamos também entender o processo dentro do qual Lênin compreendia a cultura e o conhecimento da humanidade em geral, isso é, dentro do quadro da reelaboração desse conhecimento em prol de um conjunto de saberes próprios ao proletariado. Defendia, assim, que
“Sem a compreensão clara de que só comum conhecimento preciso da cultura criada por todo o desenvolvimento da humanidade, só com a sua reelaboração, se pode construir a cultura proletária, sem esta compreensão não realizaremos esta tarefa. A cultura proletária não surge do nada, não é uma invenção das pessoas que se chamam especialistas em cultura proletária. Isso é pura idiotice. A cultura proletária deve ser o desenvolvimento lógico da soma de conhecimentos que a humanidade elaborou sob o jugo da sociedade capitalista, da sociedade latifundiária, da sociedade burocrática”. [LENIN, 2004: 388-389]
A institucionalização, portanto, é também um caráter do trabalho político leninista, pensada, no entanto, sempre na chave da “reinstitucionalização”, um processo ativo e dinâmico de reelaboração do conhecimento humano em geral em prol do avanço da classe trabalhadora em seus rumos políticos e históricos.
A criação da memória didática, por sua vez, também precisa ser encarada com a mesma atenção quanto à forma e ao conteúdo e a relação entre ambos. Enquanto no âmbito escolar, essa memória didática tem como funcionalidade manter a ligação entre as diversas partes dos elementos de um objeto de ensino/ensinado, com vistas à constituição de um todo, no âmbito da atividade política revolucionária, o objetivo é de manter a conexão entre as apreensões particulares dos fenômenos das lutas de classes, em geral, e de reestabelecer o vínculo histórico de continuidade entre as lutas de cada momento com as que lhes precederam cronologicamente, em particular. Assim, inúmeros textos, panfletos, publicações etc. feitas por Lênin e seu partido obedeciam rigorosamente a esse modus operandi, restituindo, muitas vezes sem brevidade, o quadro imediatamente passado das lutas, as condições objetivas do país e do mundo, para, aí, “implementar o dispositivo didático”, ou seja, explicar os próximos passos do desenvolvimento das lutas e as atividades que a classe trabalhadora deveria empreender junto a ele.
Considerações finais
Depois dessa análise, conseguimos traçar um quadro comparativo, feito, é claro, grosso modo, uma vez que as compreensões teóricas de ambos autores, embora partam de alguma compreensão comum, em pouco dialogam diretamente. Esse quadro comparativo não tem como objetivo expressar uma correspondência direta entre os conceitos de cada autor; antes, busca aproximar determinados conceitos enquanto categorias na acepção marxista, isso é, como reproduções ideais de uma dinâmica real. Vale, antes de tudo, trazer algumas considerações que nos ajudem a embasar a escolha de tal sistematização. O camarada José Paulo Netto, em uma obra tão simples quanto basal para o estudo do materialismo histórico-dialético, apresenta o que essa teoria entende como categorias:
“Ora, o objetivo da pesquisa marxiana é, expressamente, conhecer “as categorias que constituem a articulação interna da sociedade burguesa”. E o que são “categorias”, das quais Marx cita inúmeras (trabalho, valor, capital etc.)? As categorias, diz ele, “exprimem [ … ] formas de modo de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade determinada” – ou seja: elas são objetivas, reais (pertencem à ordem do ser, são categorias ontológicas); mediante procedimentos intelectivos (basicamente, mediante a abstração), o pesquisador as reproduz teoricamente (e, assim, também pertencem à ordem do pensamento – são categorias reflexivas). Por isso mesmo, tanto real quanto teoricamente, as categorias são históricas e transitórias: as categorias próprias da sociedade burguesa só têm validez plena no seu marco (um exemplo: trabalho assalariado). E, uma vez que, como vimos, para Marx “a sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida, mais diferenciada da produção” -vale dizer: a mais complexa de todas as organizações da produção até hoje conhecida , é nela que existe realmente o maior desenvolvimento e a maior diferenciação categorial. Logo, a sua reprodução ideal (a sua teoria) implica a apreensão intelectiva dessa riqueza categorial (o que significa dizer que a teoria da sociedade burguesa deve ser também rica em categorias)”. [PAULO NETTO, 2011: 46-47]
Assim, se apresentamos esse quadro, é porque compreendemos que as palavras comparadas expressam, em alguma medida, processos que possuem semelhanças entre si no plano do funcionamento concreto, real, de seu movimento na história e no trabalho dos atores que nele se envolvem. A aproximação conceitual abstraída dessas determinações reais tanto pouco nos interessam quanto esfumaçariam nosso objetivo nessa comparação: como as aproximações entre o estudo da política revolucionária leninista e da metodologia do ensino schneuwlyana podem nos oferecer maiores compreensões sobre ambas no âmbito do processo social da nossa sociedade contemporânea e das tarefas políticas que se impõem historicamente às classes exploradas e oprimidas.
Quadro comparativo de categorias |
|
Em Lênin | Em Schneuwly |
Mediação | Transposição didática |
Agitação e propaganda | Implementação de dispositivos didáticos |
Distribuição de literatura | Escriturização |
Consciência revolucionária | Saberes científicos, das artes e dos ofícios |
Processo de consciência | Aprendizagem |
Trabalho político revolucionário | Ensino |
Consciência revolucionária | Modos de pensar, falar e agir transformados |
Crítica e autocrítica | Regulação |
Reelaboração do conhecimento humano | Institucionalização |
Retomada do curso das lutas (na agitação e na propaganda) | Criação de memória didática |
A tabela acima exposta, como já dito, não pretende ser estritamente precisa, assim como esse estudo não pretende apresentar disposições definitivas sobre as aproximações entre os amplos campos da luta política e da metodologia do ensino. No entanto, entendemos, à guisa de conclusão, que existe um processo claramente estabelecido no que tange ao funcionamento do partido de tipo leninista, suas atividades políticas e suas formas de atingir a classe trabalhadora e apontamentos do funcionamento de processos de ensino. Isso se dá, a nosso ver, porque, em ambas teorias, existe uma necessidade premente de um processo de alteração nos modos de pensar, falar e agir de pessoas, sobre o qual docentes e revolucionários, cada qual a seu modo, entendem ser sua responsabilidade (independente de quem ou o quê lhes confere tal responsabilidade) atuar.
Podemos afirmar, portanto, que a teoria leninista da organização e da ação revolucionária tem um forte componente didático/pedagógico, que se expressa em suas formulações fundamentais. Esse primeiro passo, que nos permitirá, futuramente, observar os desdobramentos disso para outros estudos, nos afasta de considerações muitas vezes infundadas sobre a teoria leninista (no que diz respeito ao pensamento leninista sobre como mobilizar a massa trabalhadora) e, ao mesmo tempo, configura a possibilidade de constituição de uma forma organizativa política realmente preocupada com o avanço da consciência da classe trabalhadora e com mudanças profundas nessa classe e no futuro da sociedade.
* Gabriel Lazzari possui Bacharelado e Licenciatura em Letras, pela USP, é professor da rede privada de ensino em São Paulo e Secretário Político Nacional da União da Juventude Comunista (juventude do Partido Comunista Brasileiro).
[1] Uma vez que buscamos também nós trabalhar a partir de um instrumental teórico materialista histórico-dialético, ao realizar um exercício de cunho mais teórico, somente conseguimos captar as dinâmicas mais estruturais do objeto. Se estivéssemos realizando um estudo de caso, as dinâmicas mais conjunturais viriam à tona pelo estudo mais direto de uma situação específica.
[2] A partir desse ponto, ver-se-á muito as expressões “consciência social-democrata” e “consciência revolucionária” usadas por nós como sinônimos. A despeito do uso atual do termo “social-democrata”, Lênin o utilizava como sinônimo de “comunista” ou “marxista revolucionário”, uma vez que era o Partido Operário Social-Democrata de Toda a Rússia o partido que congregava os revolucionários adeptos do marxismo. Depois da chamada “falência da II Internacional” (LENIN, 1916), que congregava os partidos social-democratas da Europa, Lênin defende como parte das suas “teses de Abril” que o partido bolchevique se intitule “Partido Comunista” (LENIN, 1988: 15), retomando o termo cunhado por Marx e Engels no Manifesto Comunista, intitulado originalmente Manifesto do Partido Comunista (BRAZ, 2011).
[3] O revolucionário húngaro György Lukács também cria uma formulação para sintetizar essas compreensões da dinâmica da consciência:
“Não corresponderia ao marxismo pensar que, enquanto existir o capitalismo (e ainda por um tempo depois dele), a classe trabalhadora inteira atingirá “espontaneamente” aquele nível de consciência que corresponde objetivamente à própria situação econômica objetiva. O desenvolvimento consiste justamente no fato de que esse “de fora” da classe seja trazido cada vez mais para dentro e para perto, que ele perca aos poucos seu caráter confrontante, sem que – no atual estágiode desenvolvimento – a relação dialética descrita com precisão por Lenin pudesse ser superada. Pois o ser social do proletariado o põe, no plano imediato, apenas numa relação de luta com os capitalistas, ao passo que a consciência de classe do proletariado só se torna de fato consciência de classe enquanto conhecimento da totalidade da sociedade burguesa”. [LUKÁCS, 2015: 71, grifos do autor]
[4] Em importantes discussões feitas com outros estudiosos, verificamos aí a aparição de um elemento que carece de pesquisa mais aprofundada: o trabalho discente. Percebemos que, uma vez que o trabalho docente não incide diretamente sobre os modos de pensar, falar e agir dos alunos, mas, por sua vez, mobiliza objetos com os quais os alunos vão interagir no processo de aprendizagem (modificando, assim, seus modos de pensar, falar e agir), existe um trabalho do aluno sobre esses objetos. Dessa forma, o desdobramento do aluno entre aluno-objeto-do-ensino e aluno-sujeito-da-aprendizagem precisa ser melhor caracterizado e compreendido nas suas relações dialéticas internas a partir da análise desse trabalho. Isso não é, contudo, objeto de discussão desse estudo. Poderá ser, no futuro, de outros.
[5] Sobre a discussão do “arquialuno”, Schneuwly se refere à perspectiva de que existe um aluno em expectativa durante a prática escolar; um aluno abstrato, considerado em sua média, e em relação ao qual o professor constrói toda a sua prática docente.
[6] É importante, no entanto, observar diferenças importantes. Para Lênin, é também o exercício da prática que nos ajuda a apreender elementos do real antes inacessíveis (ver mais em IASI, 2011: 155-172), enquanto Schneuwly, a nosso ver, observa a construção do conhecimento exterior à escola sem se perguntar (ao menos nos materiais que estudamos) o processo de constituição deste ou daquele conteúdo, historicamente.
[7] Cabe observar: a nosso ver, Schneuwly dá peso demasiado ao caráter escrito das formas de circulação da linguagem como componente determinado fundamentalmente pela forma escolar. Ao observarmos o pensamento de Lênin sobre o trabalho social-democrata, vemos que a forma escolar é uma esfera de circulação que promove a escriturização, mas a relação entre elas não nos parece direta ou absoluta.
[8] Grosso modo, quadro é um militante destacado em suas tarefas, com grandes capacidade de condução do trabalho partidário. Para maiores explicações sobre o termo ver CUNHAL, 2013: 125-151 e BOGO, 2011: 129-173.
Referências:
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