Jean-Pierre Dupuy, um “catastrofista esclarecido”

Entrevista por Hughes Simard, via Journaldesgrandesecoles, traduzido por Daniel Alves Teixeira

Politécnico e engenheiro geral de minas que se tornou filósofo, Jean-Pierre Dupuy abandonou os estudos da física e depois de economia, tendo encontrado uma muito separada da preocupação filosófica, e a outra desumanizada por um uso frenético de matemáticas triviais. Em seu último livro, ele interroga os fundamentos metafísicos do pensamento e da realidade econômica. Isso lhe permite principalmente uma leitura inédita da crise atual, que procederia antes de tudo, segundo ele, de uma “auto-transcedência” falhada….


Hughes Simard: Jean-Pierre Dupuy, seguindo René Girard você pensa que todos os fenômenos humanos derivam de um mecanismo profundamente religioso, dito “autotranscendente”, que consiste para o homem em conter sua violência primitiva ao exteriorizá-la sob as características de uma divindade, procedimento que culmina na encarnação cristã, uma vez que a figura de Deus é aqui identificada ao do bode expiatório, ao “Pharmakon” grego, veneno e remédio de uma só vez. Em que esse tipo de leitura pode ainda estar operante, em uma época tão dessacralizada como a nossa? Os substitutos da religião são também capazes de gerar o sagrado?

Jean-Pierre Dupuy: É realmente bom partir da antropologia da violência e do sagrado de René Girard para pensar o lugar essencial que a economia possui nas sociedades modernas, mesmo se René Girard ele mesmo não tenha escrito nada sobre esse assunto. O que está no coração da “hipótese” girardiana, é que o sagrado não é outra coisa do que a violência dos homens expulsa, exteriorizada, hipostasiada, sob a forma de mitos, de ritos e interditos. O sagrado é fundamentalmente ambivalente: ele faz barreira à violência pela violência. Ele contém a violência, nos dois sentidos da palavra. Isso é particularmente claro no caso do gesto sacrificial que restaura a ordem: nunca é mais do que um assassinato a mais, mesmo se é dado como o último.

Ora, sempre segundo Girard, a máquina de fabricar o sagrado está, dada a revelação cristão que clama a inocência da vítima sacrificial, irremediavelmente suspensa. Conseguindo cada vez menos sacralizar, ele produz cada vez mais violência, mas uma violência que perdeu o poder de se polarizar. É o mundo moderno, descrito como desprendimento dos fenômenos miméticos, mas sem uma fuga catastrófica nem resolução de qualquer tipo. A questão que eu tentei responder nesse quadro em meu último livro é aquela que o “sistema Girard” levanta, mas para a qual ele não oferece resposta: o que é que dá às sociedades modernas a capacidade, não somente de resistir, mas mesmo de se alimentar da indiferenciação crescente que delas resulta? Eu respondi: a economia, essa economia na qual Hegel viu “a essência do mundo moderno” e que cresceu em paralelo com a remoção do sagrado. Eu não digo, portanto , isso que seria uma metáfora banal mas falsa, que a economia se tornou nosso sagrado, mas que ela tem com relação a violência a mesma ambivalência que o sagrado quando ele era ainda a essência do vínculo social: a economia contém a violência nos dois sentidos da palavra. A economia é violenta, mas é por sua violência que ele nos evita em princípio de nos auto-exterminarmos completamente. Essa tese, de modo irônico, reconcilia duas tradições do pensamento sempre vivas que continuam a se opor: a afirmação marxista que a economia é a violência; e a ideia própria à Montesquieu e aos Iluministas escoceses, que é através da construção de laços econômicos que os homens deixarão de fazer a guerra (o “doce comércio”). Eu lembro que é sobre essa aposta que a União Europeia de Jean Monnet foi edificada.

HS: Você forjou o termo “economistificação” para denunciar a importância desmedida tomada pela economia em detrimento da política: quais são as vias possíveis de autotranscedência que poderiam permitir a economia escapar de sua própria potência de destruição atualmente em curso (desemprego, imigração maciça, fome, dificuldade de acesso à saúde….)? Em outros termos e para pegar o título de sua última obra, a economia possui um futuro?

JPD: A referência à Europa que termina minha resposta precedente me facilita a resposta: isso não funciona mais! A economia não preenche mais seu papel político e isso porque ela colocou a política de joelhos. Olhe para eles, esses homens políticos que marcham a passos de veludo para não assustar “os mercados”, ou bem, ao contrário, tal como os Tartarins de Tarascon, que lhes declaram a guerra. Cada vez mais os economistas no poder, isso é o que fazem cada vez mais os povos europeus. Mas a capacidade que a economia tem de regular sua violência ao se projetar de alguma forma ao exterior dela mesma – isso que eu chamo, de fato, auto-transcedência – exige que ela se incline a uma verdadeira exterioridade, que, em uma sociedade sem sagrado, não pode vir senão da política. Ao “economistificar” o político, digamos, quase vulgarmente, ao “se pagar”, a economia se priva de toda exterioridade e se condena ela mesma. Mas esse título se refere antes de tudo ao tipo de relação ao futuro que uma economia que mereça o bom nome de política cria em nós. A economia nos torna capaz, no nível coletivo, de realizar uma exploração metafísica que, no nível individual, faz parte de nossa condição: torna o futuro presente, enquanto que ele não exista ainda. Uma sociedade dominada pela economia constantemente se refere ao futuro e toma-o por guia, já que se vê capaz de moldá-lo. É essa mistura de fatalismo (o futuro já é aquilo que ele será) e de voluntarismo (o futuro é aquilo que nós faremos dele) que eu analiso em seus fundamentos filosóficos. Isso me leva a dar um sentido rigoroso às expressões que nós utilizamos correntemente, uma vez que, colocadas ao pé da letra, eles são privadas de sentido ou, pior, contraditórias, como: “ter confiança no futuro” ou “escolher seu destino”. Por isso eu as revisito dando uma nova interpretação à famosa tese de Max Weber sobre as relações entre o espírito do capitalismo e a doutrina calvinista da predestinação.

HS: Com a “A marca do sagrado”, você pensou um futuro apocalíptico e foi por vezes sido acusado de “bio-catastrofismo”. Você denunciou principalmente os riscos da convergência de novas tecnologias, “nano”, “orgânico”, “info”, “cogno”. Aqui também, como para a economia a que ela se encontra intimamente ligadas, é de uma falta de consciência de que sofre a ciência, culpada de autismo e irreflexão segundo você, capaz de retornar a violência do homem contra seu próprio ambiente? O que exatamente é o “catastrofismo esclarecido” que você promove?

JPD: Tem havido muito engano sobre o sentido a ser dado a esse “catastrofismo esclarecido”, ao me fazer dizer que eu anuncio como certo um futuro apocalíptico. O que eu disse é que às vezes é útil fazer como se o desastre fosse necessário ou, se você quiser, como se ele fosse o nosso destino. “Necessário” e “certo” são duas categorias que não têm nada a ver uma com a outra. Eu não sei mais do que você se a técnica vai nos fazer mergulhar no abismo. Mas se eu apresento esta queda como necessária, é para nós finalmente levarmos ela a sério. E eu acrescento: o destino catastrófico, nós podemos optar por rejeitá-lo. Um homem da política acaba de publicar um livro intitulado Mudança de Destino. Eu não sabia que a crítica tinha protestado que este título era um absurdo filosófico!

O efeito das técnicas de que você fala sobre o homem é insidioso. Eu mostrei que ela poderia ao termo alterar as dimensões essenciais da condição humana: a natalidade, a mortalidade, a individualidade. Se há um fim apocalíptico no horizonte, ele se dará provavelmente nos termos do belo poema de T. S. Eliot: not with a bang, but a whimper. Não haverá explosão, simplesmente os gemidos. O grande filme de de Lars von Trier, Melancholia, joga genialmente sobre os dois tipos fins possíveis: o choque de um exo-planeta chamado Melancholia colidindo com a Terra com força total; mais sutilmente, a infinita tristeza que se abate sobre os protagonistas que se sabem privados do futuro.

HS: Uma das questões cruciais colocada pelo necessário despertar das consciências a que você aspira, é a da formação. Você que foi politécnico e professor em Stanford, o ensino superior francês deve ser profundamente reformado? O sistema americano lhe parece superior?

JPD: Eu talvez vá surpreendê-lo com a minha resposta. Certamente, o ensino superior e a pesquisa são infinitamente mais agradáveis de praticar nos Estados Unidos do que na França. Tudo é mais fácil, acessível, os meios não se comparam. E no entanto, há muito mais liberdade, e portanto de potencial de gênio, na França do que nos Estados Unidos. Por quê? É a contra-produtividade da pesquisa concorrencial de excelência que faz a diferença. Quando seu objetivo é ganhar o prêmio Nobel ou equivalente, você deve, segundo as palavras cruéis de Max Weber, colocar as viseiras. Ora o pensamento, para se desdobrar, deve rir das fronteiras pelas quais as disciplinas estreitas acreditam que podem definir sua autonomia.

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