Por Sameh Naguib, via Jacobin Magazine, traduzido por Gabriel Landi Fazzio
A despeito dos grandes esforços da elite do Egito, a luta pela democracia nunca foi extinta.
A interpretação mais comum da Revolução Egípcia é algo como: em janeiro de 2011, milhares de jovens egípcios utilizaram as redes sociais para construir um movimento de massas contra o governo autoritário de Hosni Mubarak. Em fevereiro, a revolução derrubou Mubarak e pavimentou o caminho para eleições democráticas.
Mas após a Irmandade Muçulmana, com seu Partido Liberdade e Justiça, ganhar as eleições de 2012 e começar a implementar políticas islamitas, o exército foi forçado a entrar em cena para evitar que o país regredisse ao autoritarismo.
Essa descrição é fundamentalmente defeituosa. As origens da Revolução Egípcia têm suas causas profundas no fracasso do desenvolvimento do país como economia capitalista e nos movimentos sociais que surgiram em apoio à Intifada Palestina em 2000.
No centro da revolução estavam os trabalhadores, que se utilizaram de seu poder social e econômico para levar a luta adiante. E o golpe do exército contra a Irmandade Muçulmana foi um momento definitivo em um processo contrarrevolucionário que começou no mesmo dia em que Mubarak renunciou.
Na entrevista a seguir – conduzida por Eric Ruder, um colaborador da Interntional Socialist Review, alguns dias antes do aniversário de cinco anos da ocupação da praça Tahir – Sameh Naguib, dos Socialistas Revolucionários do Egito, passa a narrativa a limpo.
E ele coloca algumas das questões centrais com as quais a esquerda egípcia se depara hoje: quais os rumos da revolução? Qual o papel que desempenham os poderes internacionais na determinação do destino do Egito? E como a esquerda deve se relacionar com a Irmandade Muçulmana?
[Nota do tradutor: optamos por traduzir os trechos que permitem uma melhor compreensão dos antecedentes e do papel da classe trabalhadora na Revolução Egípcia, deixando de lado, por hora, os trechos relativos à contrarrevolução posterior.]
Eric Ruder: Cinco anos atrás, em 25 de janeiro, conhecido no Egito como o Dia da Polícia, ativistas organizaram uma demonstração que conduziu ao levante que se tornou a Revolução Egípcia. Quais foram as causas subjacentes que levaram a essa explosão, neste dia em particular? Como você explicaria os fatores econômicos, sociais e políticos que abriram caminho para a revolução?
Sameh Naguin: Se estamos falando sobre o dia, em si, uma das principais questões envolvidas no levante era a da brutalidade e da opressão policial, e daí a relação com o Dia da Polícia. Mas se você está falando sobre a revolução em geral, há três diferentes níveis de causas. Há causas históricas de longo prazo e estruturais; há causas de médio prazo, que têm a ver com desenvolvimentos durante a última década de governo de Mubarak; e há gatilhos que têm a ver com o porquê de o levante tomar lugar naquele momento em particular.
Em termos de causas de longo prazo e estruturais: há uma relação com as peculiaridades do desenvolvimento capitalista no Egito pós-colonial – não simplesmente as contradições gerais do desenvolvimento desigual e combinado, mas também a mudança da curta fase de capitalismo de estado, dos anos 50 e 60, para as tentativas fracassadas de desenvolver significativamente a economia através de reformas neoliberais.
Isso não significa que não houve nenhum desenvolvimento capitalista, mas esse desenvolvimento foi constantemente assolado por crises e lento, em comparação com outros países como a Turquia.
Sobre as causas de médio prazo da revolução durante os últimos dez anos do regime de Mubarak, há dois elementos principais. O primeiro foi a aceleração das reformas neoliberais de 2004 em diante – em termos de privatizações, em termos de remoção de subsídios estatais cruciais para os pobres, levando a um rápido declínio dos padrões de vida, e em termos da remoção de todos os tipos de restrição à livre movimentação do capital.
Isso se corporificou naquilo que tem sido chamado de governo dos empresários de Ahmed Nazif, que começou em 2004. Por um lado, houve uma concentração de riqueza e poder sem precedentes nas mãos de uma aliança que incluiu o exército e os generais da polícia, a liderança do partido governante e um grupo de capitalistas monopolistas ligados à família Mubarak, e por outro lado um acentuado crescimento da pobreza e do desemprego.
O segundo elemento é o desenvolvimento da uma variedade movimentos de protesto no Egito durante os últimos dez anos do regime de Mubarak. Vamos dividi-lo em movimentos políticos e movimentos econômicos.
No aspecto político, houve o movimento em apoio à Intifada Palestina em 2000, liderado pela Irmandade Muçulmana, de um lado, e a oposição secular de outro. Eram efetivamente dois movimentos separados de solidariedade à Intifada. Se desenvolveram rapidamente, e pela primeira vez em décadas, nós vimos uma inesperada erupção da mobilização de massas.
Ocorreram demonstrações de estudantes secundaristas, demonstrações de massas partindo das universidades e mesmo algumas grandes demonstrações em distritos pobres em apoio à Intifada. Esse momento foi um importante ponto de inflexão na politização de amplas camadas da juventude no Egito, algo que não acontecia em tal escala desde os anos 70.
Então, novamente, em 2003, os mesmos tipos de grupos e redes de solidariedade se desenvolveram em resposta à invasão e ocupação do Iraque pelos EUA. Houve grandes demonstrações em quase todas as cidades egípcias, e naquele momento houve inclusive a primeira ocupação séria da praça Tahir. Foi a primeira vez que imagens de Mubarak foram queimadas e as pessoas estabeleceram uma conexão direta entre a oposição à guerra dos EUA e a oposição ao regime de Mubarak.
As mobilizações contra a Guerra do Iraque também marcaram a emergência de dois tipos de oposição: por um lado, uma oposição secular de esquerda; por outro lado, uma oposição islâmica, majoritariamente dirigida pela Irmandade Muçulmana, que queria exercer sua influência nas ações anti-Mubarak. Essas duas alas, ambas, contribuíram para o que mais tarde se tornou um movimento muito mais amplo.
Então, em 20014, os mesmos dois atores participaram no terceiro estágio do desenvolvimento dos movimentos de protesto político: o movimento pela democracia. E o movimento pela democracia, porque dependia de uma aliança de forças muito ampla, criou um tipo de frente única chamada Kefaya, que significa “Basta”.
Essa frente única incluía nasseristas, liberais e uma série de organizações de esquerda, incluindo o Partido Comunista Egípcio, os Socialistas Revolucionários e outros.
Isso, inclusive, uniu diversas importante figuras independentes, que aderiram ao movimento Kefaya – jornalistas, artistas, escritores, e assim por diante. A Irmandade Muçulmana também estava representada no movimento Kefaya, mas não assumiu um papel muito ativo no começo.
As demonstrações do Kefaya ao fim de 2004 tinham três demandas principais. A primeira era que Mubarak não se lançasse novamente candidato nas eleições e que seu filho não concorresse à presidência. A segunda era o fim as leis de emergência no Egito. E a terceira era que houvessem eleições parlamentares e presidenciais livres e justas. Como você pode ver, essas eram demandas democráticas bastante básicas e isso permitiu que uma ampla aliança tomasse forma.
O que foi surpreendente foi que, apesar do fato de que as primeiras demonstrações contra Mubarak, organizadas pelo movimento Kefaya, fossem bastante pequenas, o apoio geral nas ruas era bastante grande. A campanha ressoou tanto, na verdade, que a Irmandade Muçulmana esteve sob pressão extrema para que começasse a se mover na mesma direção.
Então, no começo de 2005, a Irmandade Muçulmana organizou demonstrações de massas justamente pelas mesmas demandas democráticas. Foram capazes de organizar demonstrações muito maiores, tanto nos campi universitários quanto nas ruas.
Essa foi a primeira vez em anos que a Irmandade Muçulmana organizou demonstrações, por exemplos, na Praça Ramsis, que está a meio quilômetro da praça Tahir, onde eles mobilizaram mais de sete mil ativistas da Irmandade. Ocorreram prisões em massa de membros da Irmandade Muçulmana em 2005, e embora tenha ocorrido diversas restrições ao Kefaya, não foi nada como o nível de repressão com o qual a Irmandade Muçulmana se deparou durante esse período.
A respeito dos movimentos econômicos, em 2006 se desenrolou a maior onda de greves dos trabalhadores na modernidade egípcia, começando com uma grande greve envolvendo 24 mil trabalhadores em El-Mahalla El-Kubra, uma cidade conhecida por sua massiva indústria têxtil.
Em 2007, a onda grevista se espalhou para quase todas as indústrias, incluindo o setor de serviços, todo o setor público e mesmo médicos, profissionais liberais e enfermeiras.
Isso não era totalmente sem relação com o fato de que havia ocorrido um movimento político significativo nos anos precedentes, mas não esteve diretamente ligado a esse movimento, nem organizado por aqueles que estavam mobilizando as demonstrações políticas.
Para a esquerda radical, a questão se tornou como tentar conectar esse movimento emergente dos trabalhadores com as demandas políticas democráticas que estavam começando a chamar mais a atenção da população. E isso permaneceu uma questão central.
Dos desenvolvimentos importantes também tiveram lugar no movimento dos trabalhadores como uma consequência do aumento das lutas de classes. Um foi o surgimento de sindicatos independentes, que haviam sido completamente postos sob controle pelo estado desde que Nasser os havia nacionalizado e banido sindicatos independentes.
Com a massiva onda de greves de 2006 e 2007, o primeiro desenvolvimento importante foi o começo da evolução de comitês de greves em estágios iniciais de um movimento sindical independente. Essa foi uma mudança histórica significativa no movimento dos trabalhadores.
O segundo desenvolvimento de grande importância foi que os trabalhadores têxteis em Mahalla tentaram organizar uma greve geral em 6 de abril de 2008, mas a repressão estatal transformou tal evento em um massivo protesto anti-Mubarak. Na manhã de 6 de abril, forças de segurança irromperam na fábrica e a ocuparam antes que os trabalhadores o fizessem. A política tentou coagir os trabalhadores a manter as máquinas em funcionamento e escolta-los para fora da fábrica ao fim do dia, de modo a impedir que os protestos de massas se desenvolvessem.
Mas a repressão provocou uma grande explosão de protestos em toda a cidade de Mahalla, que é uma cidade industrial de cerca de meio milhão de pessoas. Os protestos envolveram todos os setores da população – trabalhadores, estudantes secundaristas, estudantes universitários, mulheres – e se tornou na maior manifestação que a cidade já vira em décadas.
Outdoors de Mubarak foram incendiados, diversos prédios governamentais foram atacados, carros da polícia foram postos em chamas, muitas pessoas levaram tiros e ocorreram diversos confrontos.
Eventualmente, o movimento em Mahalla foi cercado e esmagado, mas foi um sinal das coisas por vir. Esse foi o ensaio geral para o que ocorreria três anos depois. E é possível vislumbrar aqui a dimensão econômica e política começando a se combinar – as ações estatais sobre uma greve que tinha demandas puramente econômicas a transformando em uma demonstração massiva contra Mubarak.
É por isso que um dos maiores movimentos de juventude que se desenvolveu durantes os últimos anos do regime Mubarak se autodenominou Movimento Jovem 6 de Abril, que foi a data da greve de Mahalla em 2008.
Finalmente, para voltar aos três níveis de causas da Revolução Egípcia, nós já apresentamos as causas de longo e médio prazo, e agora partimos para o terceiro nível, os gatilhos de curto prazo. Há três principais.
O primeiro é a eleição de 2010. Nas eleições de 2005, 88 candidatos da Irmandade Muçulmana ganharam assentos entre os 400 do parlamento. Nas eleições de 2010, literalmente não houve oposição. Sequer um assento foi ganho pela Irmandade. E eleição foi totalmente manipulada, controlada completamente pela polícia.
Houveram três turnos nas eleições de 2010. No primeiro turno, a Irmandade lançou candidatos, mas a polícia cercou todas as sessões eleitorais e apenas permitiu a entrada que pessoas com o cartão do Partido Nacional Democrático ou conhecidas pela polícia.
Em resposta, a Irmandade boicotou o segundo e o terceiro turno. Como resultado, obteve-se um parlamento com poucos independentes, mas mais de 95% dos legisladores eram membros do Partido Nacional Democrático de Mubarak.
É claro, isso produziu uma enorme contradição. O governo estava se movendo no sentido de mais repressão, em uma tentativa de “nacionalizar” todo o espaço político, enquanto ao mesmo tempo o movimento dos trabalhadores e o movimento democrático emergiam como forças independentes e expressivas.
O segundo principal gatilho foi a Revolução Tunisiana. As eleições de 2010 ocorreram em novembro, e em dezembro, uma mobilização massiva do povo tunisiano derrubou o ditador Ben Ali, alinhado aos EUA, do poder.
O terceiro gatilhos foi a tortura, espancamento e assassinato de um jovem blogueiro de Alexandria, de nome Khaled Said. A morte de Said foi a faísca que deflagrou movimentos ao redor da página “Somos todos Khaled Said”, no Facebook, bem como protestos de rua em Alexandria, e seu assassinado se tornou emblemático da brutalidade, repressão policial e corrupção do regime Mubarak.
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Eric Ruder: No ocidente, há um entendimento difundido da Revolução Egípcia como um movimento de jovens no qual o Twitter e o Facebook foram essenciais para a expulsão de Mubarak. Qualquer que tenha sido o papel desempenhado pela mídia social, essa é apenas uma parte de uma explicação satisfatória. Você poderia falar sobre as outras forças sociais, além da juventude, que foram fundamentais na derrubada de Mubarak?
Sameh Naguin: É importante periodizar os eventos dos primeiros dias da revolução. O protesto do dia 25 de janeiro, o Dia da Polícia, foi convocado por uma ampla coalização de forças que, a propósito, não incluíam a Irmandade Muçulmana e não incluíam a esquerda legalizada no Egito, como o Partido Tagammu e o Partido Comunista. As forças principais que convocaram a ação do dia 25 de janeiro foram aquelas envolvidas no Kefaya, a esquerda revolucionária ao lado do Movimento Jovem 6 de Abril, e grupos similares.
Foram, portanto, os “suspeitos de sempre” que convocaram os protestos de 25 de janeiro, mas o que aconteceu naquele dia foi muito além destas forças. Seria possível dizer que, sim, os movimentos da juventude, as pessoas ativas no Facebook, desempenharam um papel importante através das mídias sociais, fazendo a mensagem circular numa camada mais ampla de pessoas.
Mas esses eventos por si próprios – o que se desdobrou naquele dia e nos dias seguintes – teve muito pouco a ver com o que você chama de ativistas de Facebook ou juventude de Facebook, ou, se você quiser ir adiante com a narrativa da mídia ocidental, teve muito pouco a ver com alguma juventude educada de classe média.
No Dia da Polícia, ativistas começaram demonstrações em diversas áreas pré-estabelecidas ao redor da cidade. Em cada um desses lugares havia presença policial ostensiva, porque não era um segredo que as pessoas estivessem planejando protestar. Mas esses pontos iniciais eram em bairros populares, majoritariamente bairros proletários, e pela primeira vez os ativistas contaram com a rápida adesão de uma torrente de pessoas – homens, mulheres, crianças, todos – que ultrapassaram em muito o contingente policial.
O que surpreendeu a todo foi essa reação das pessoas comuns, principalmente residentes proletários dos bairros pobres e populares ao redor do Cairo, que vieram aos milharas e rapidamente neutralizaram a polícia, passando a se mover em direção à praça Tahir.
Em 28 de janeiro – que foi um dia muito maior, em termos da escala da mobilização e do número de pessoas envolvidas – houve, inclusive, confrontos mais sérios com a polícia, e duas transformações qualitativas.
Em primeiro lugar, a Irmandade Muçulmana decidiu naquele dia se alinhar e mobilizar em larga escala. Em segundo lugar, erros sérios foram cometidos pelo regime Mubarak, tais como bloquear as conexões de internet e redes de celulares. Isso literalmente forçou as pessoas a ir às ruas, uma vez que esse era o único lugar no qual era possível descobrir afinal o que estava acontecendo.
Essa foi uma reação bastante estúpida e desesperada que se provou finalmente fatal – porque o número de pessoas nas ruas aumentou súbita e dramaticamente, uma vez que as pessoas não sabiam o que estava acontecendo. Com a presença massiva de multidões nas ruas, os confrontos com a polícia se tornaram muito mais violentos e sérios do que em 25 de janeiro.
Como um resultado, mais de uma centena de postos policiais foram queimados, milhares de carros e veículos da polícia foram postos em chamas, as sedes do Partido Nacional Democrático em várias cidades, incluindo Cairo, foram incendiadas, bem como os prédios de vários governos locais, e houve uma completa desintegração da força policial.
O ponto é que a completa desintegração da força policial naquilo que foi, por muito tempo, um estado policial, foi um evento de enorme magnitude em termos de como a consciência das pessoas foi afetada. Se tornou impossível para qualquer policial conhecido andar pelas ruas, porque ele seria imediatamente atacado. Eles todos precisaram se livrar de seus uniformes e caminhar à paisana.
Pela primeira vez você podia ver uma cidade como Cairo, que foi o centro de todos esses ventos, sem qualquer policiamento. Isso teve um efeito fortemente liberador sobre as pessoas.
Uma vez que, em 28 de janeiro, as pessoas tinham sido capazes de ultrapassar as linhas policiais e se reunir na praça Tahir, decidiu-se que o lugar não seria deixado até que as demandas fossem atendidas, e essas tomaram forma muito rapidamente, se desenvolvendo para além do primeiro rol de demandas.
As demandas de 25 de janeiro focavam em acabar com a repressão policial, um chamado pela demissão do ministro do interior, responsável pela polícia, e algumas demandas democráticas gerais – mas nada sobre a derrubada do regime ou a saída de Mubarak.
Mas, de 28 de janeiro em diante, as próprias demandas se tornaram mais radicais e mais abrangentes, centrando, é claro, em Mubarak, mas indo mesmo além disso. As pessoas começaram a apresentar demandas bastante gerais, como liberdade, dignidade, igualdade, justiça social, e assim por diante.
Na superfície, essas eram demandas vagas, mas no contexto do movimento que vinha se desenvolvendo durante a última década de mando de Mubarak, não eram tão vagas assim – eram parte de todo um conjunto de demanda, uma explosão de demandas de todos os tipos, que se concentraram em Mubarak e no regime, mas eram muito mais profundas do que simples demandas por aquilo que se poderia chamar de uma mera “transição democrática”.
Eric Ruder: E qual foi o papel do movimento operário na derrubada de Mubarak?
Sameh Naguin: A esta altura, havia literalmente mais de dois milhões de pessoas ocupando a praça Tahir, mas não apenas Tahir. Essas ocupações de praças centrais se disseminaram por cidades em todo o país.
E eram principalmente pessoas da classe trabalhadora que estavam nas barricadas, protegendo as várias ocupações e se defrontando com as tentativas reiteradas do regime, e em particular das forças da inteligência militar, para esmagar esses movimentos.
Nós sabemos isso como resultado de estatísticas detalhadas sobre as pessoas que morreram nas barricadas. Mais de 75% das pessoas que morreram nos primeiros 18 dias do levante eram jovens da classe trabalhadora. Eles não eram ativistas de Facebook, ou “de classe média” em qualquer sentido. É claro, para um marxista, isso deveria fazer bastante sentido. As pessoas que lutam nas barricadas não seriam, em geral, pessoas de classe média.
O regime tentou ignorar o que estava acontecendo na praça Tahir, enquanto tentava “reiniciar” o país, pôr a economia novamente em movimento, propondo um longo processo de “negociações” com as pessoas que ocupavam a praça. Enquanto isso, o regime procurava usar seu controle sobre a mídia para apostar em uma campanha ideológica contra o que estava acontecendo na praça, usando a mesma linguagem continuamente empregada por Sisi atualmente.
O regime alegava, por exemplo, que os protestos eram parte de uma conspiração organizado por palestino do Hamas, que os manifestantes estavam armados, que eles recebiam dinheiro dos EUA – eles diriam qualquer coisa que acreditassem servir para isolar as pessoas na praça Tahir.
O que tornou impossível tal manobra foi que, a partir de 6 de fevereiro, (o dia em que eles tentaram pôr Cairo para trabalhar novamente) os trabalhadores em importantes postos no setor público e na administração pública, tais como ferroviários e condutores de ônibus, entraram em greve. Então a tentativa de pôr novamente ao trabalho esses centros econômicos saiu pela culatra, deflagrando uma onda de greves similar, mas na verdade muito maior, às greves que ocorreram em 2007 e 2008.
As greves eram obviamente em apoio ao movimento na praça Tahir. Não se tratou de milhares de trabalhadores saindo das fábricas em direção à praça Tahir, mas a onda de greves era claramente relacionada ao que estava acontecendo lá.
Entrando em greve, esses trabalhadores se recusaram a salvar o regime – recusando-se a pôr os ônibus, trens e bancos para funcionar. E foi essa onda de greves que convenceu os generais do exército de que havia chegado um limite, que era possível que eles perdessem totalmente o controle se não fizessem algo rapidamente, tal como fazer uma grande concessão.
Esse momento foi uma ilustração perfeita do argumento de Rosa Luxemburgo em seu famoso livro, A Greve de Massas, sobre a ressonância entre o movimento operário e o movimento político, entre o político e o econômico. O ponto é que os movimentos não são idênticos, mas ressoam um no outro.
A onda de greves não significou que, subitamente, os trabalhadores estavam liderando a revolução. Mas as demandas políticas emitidas das praças centrais das cidades em todo Egito estava ressoando nas fábricas e locais de trabalho. E o contrário também estava ocorrendo: a onda de greves deu mais confiança ao povo nas praças, em particular a Tahir, para que fossem mais resistentes, para que continuassem a pressionar contra Mubarak.
E quando Mubarak fez seu último discurso e anunciou que não iria renunciar, as pessoas começaram a marchar às dezenas de milhares em direção ao palácio presidencial com o objetivo aberto e claro de ocupa-lo. Foi quando as cabeças do serviço de inteligência vêm à tona e dizem que havia acabado, que Mubarak havia saído, Mubarak estava deixando a presidência.
Portanto, os trabalhadores não lideraram a revolução contra Mubarak, mas sua onda de greves, antes de tudo, salvou o movimento nas praças e, em segundo lugar, foi, em última análise, a causa principal por trás da decisão do exército de se livrar de Mubarak.
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