Por Louise Bryant, traduzido por Gabriel Landi Fazzio.
Chegando à Rússia em agosto de 1917, a jornalista Louise Bryant pode assistir à revolução de outubro como uma das poucas observadoras estrangeiras com acesso aos quadros do partido bolchevique. Ainda que tenha escrito diversas reportagens, muitas reunidas na obra “Seis meses vermelhos na Rússia”, nunca foi traduzida para o português. Seu marido, John Reed, também presente aos eventos, é autor do mundialmente conhecido “Os dez dias que abalaram o mundo”. Bryant, porém, aborda diversos elementos de menor relevo na obra de Reed – notadamente, a participação das mulheres na revolução.
Abaixo, a tradução livre de dois capítulos do livro de Bryant permite lançar luz sobre dois momentos antes e depois da revolução de outubro: as primeiras mobilizações da Guarda Vermelha, na defesa de Petrogrado; e a organização dos Tribunais Revolucionários, após a tomada do poder.
CAPÍTULO XVII: GUARDA VERMELHA E COSSACOS
Nunca me esquecerei da primeira vez em que vi a Guarda Vermelha entrar em uma batalha. Um vento cruel varreu as ruas amplas e lançou a neve contra os edifícios sombrios. Fazia 25 graus abaixo de zero; eu me sentia mal de frio sob meu casaco de peles. E então eles vieram, uma incrível e inspirada massa em casacos finos e esfarrapados, e com suas faces brancas beliscadas – centenas e centenas deles. Os cossacos marchavam em Petrogrado, e Petrogrado se levantara para repeli-los. Eles jorravam das fábricas em um poderosos, espontâneo exército do povo – homens, mulheres e crianças. Eu vi um garoto em tal exército com não mais de dez anos de idade.
Nós estávamos parados aos pés da Duma municipal, e um de seus membros, um Cadete, me disse: “Veja os vândalos… eles vão correr como ovelhas. Você acha que esses moleques podem lutar?”.
Eu não respondi. Eu estava pensando em muitas coisas, coisas de tempos atrás, que haviam causado profunda impressão em minha infância. Pela primeira vez eu vi Washington e seu exército faminto e irado no Vale Forge… eu senti repentinamente que a revolução deveria viver a despeito de derrotas militares temporárias, a despeito dos conflitos internos, a despeito de tudo. Foi a Guarda Vermelha que me fez perceber que a Alemanha jamais conquistará a Rússia em centenas de milhares de anos…
Eu queria que todos na América pudessem ter visto esse exército como eu o vi – desalinhado, em roupas aos trapos, com todo o tipo de acessórios de batalha antiquados – alguns armados apenas com pás. Se esse desejo pudesse ser realizado haveria muito mais simpatia e muito menos desdém pelo exército vermelho. Foi preciso coragem infinita, fé infinita para ir à tona sem treinamento e sem equipamentos, de encontro aos valentões tradicionais da Rússia, os lutadores profissionais, os inimigos pagos da liberdade. Todos eles esperavam pela morte. Subitamente eles irromperam em uma canção revolucionária gemida e melancólica. Eu atirei a discrição aos ventos e os segui.
Soldados em exércitos regulares costumavam ter desprezo pelos trabalhadores das cidades – os soldados eram em sua maioria camponeses. Costumavam dizer que as pessoas na cidade faziam toda o falatório, enquanto eles faziam toda a luta, mas isso foi antes da Guarda Vermelho vir a existir.
Os trabalhadores urbanos eram menores que os camponeses; eram raquíticos e pálidos, mas lutavam como demônios. Recentemente opuseram a mais desesperada resistência aos alemães na Finlândia e na Ucrânia. Nesse batalha em particular com os cossacos eles eram tão desabituados à guerra que eles esqueceram de disparar suas armas. Mas eles não sabiam o significado da derrota. Quando uma linha era posta abaixo, outra tomava seu lugar. Mulheres corriam direto em direção aos tiros sem qualquer arma. Era aterrador vê-las; elas eram como animais protegendo suas crias.
Os cossacos pareciam ser supersticiosos quanto a isso. Começaram a retirada. A retirada cresceu em debandada. Eles abandonaram sua artilharia, seus bons cavalos, e correram para milhas dali.
Era uma estranha procissão a que retornou a Petrogrado no dia seguinte. Uma grande multidão foi às ruas para encontrá-los com as usuais esvoaçantes bandeiras vermelhas, cantando o balanço das novas canções revolucionárias. O exército que retornava vitorioso estava sem comida por um longo tempo e estavam mortalmente desgastados, mas estavam enlouquecidos de alegria. A tradição dos cossacos havia sido quebrada! Nunca mais eles pareceriam invencíveis para o povo!
É bastante necessário, se a América e a Rússia vão algum dia gozar da amizade natural da qual deveriam gozar, que nós na América entendamos o que defendem a Guarda Vermelha, os cossacos, os tcheco-eslovacos e outras facções guerreiras continuamente expostas aos olhos do público.
A Guarda Vermelha é simplesmente a base do povo trabalhador das cidades e municípios. Não são anarquistas e têm uma tendência bastante construtiva. Eles acreditam e lutam pela forma soviética de governo. Eles são opositores dos alemães.
A maioria dos americanos conhece a história dos cossacos, mas há pontos interessantes sobre os quais não estão de todo informados. Um desses pontos é que os cossacos desempenharam um papel reduzido na grande guerra. Não importa que opinião tenhamos sobre as falhas da Rússia ao final, não devemos nunca esquecer que ela suportou a parte mais pesada dos primeiros anos, que suas baixas são as mais chocantes de qualquer nação, estimadas agora em sete milhões. Devemos manter em mente que esses sete milhões eram compostos majoritariamente por camponeses.
Os cossacos eram na verdade o ramo da cavalaria do exército e, devido ao fato de que virtualmente todas as batalhas são agora realizadas nas trincheiras, os cossacos não foram convocados para os serviços pesados. Eles tinha, consequentemente, tempo e energia para utilizar em tentativas contrarrevolucionárias. Eles têm sido uma excelente assistência para os alemães por conta de sua cooperação com a rica burguesia, de modo que eles rasgaram a Rússia com tão pavorosos conflitos internos que os revolucionários tiveram que despender tanta de sua preciosa energia em suprimi-los quanto em repelir os invasores. É por conta de tais condições que as tropas dos Sovietes têm sido incapazes de manter um front e tiveram de assinar uma paz desgraçada que deverão cedo ou tarde romper. Mas eles não podem rompê-la até que tenham livrado si próprios de tal jugo e possam reorganizar suas forças.
Se os cossacos fossem realmente tão patrióticos como pretendem ser, parece razoável que seu curso de ação teria sido um bocado diferente do que foi. Eles iriam eles próprios estar tão ocupado combatendo os alemães que não teriam tempo hábil para se somar ao caos na Rússia. Quando nós consideramos os cossacos nós temos de encarar o fato de que eles sempre foram guerreiros pagos; que eles haviam fuzilado o povo russo sob o comando do pior tirano, sem hesitar. Eles nasciam e eram criados como guerreiros, e homens e de tal tipo não costumam morrer pela revolução, mas bastante naturalmente se opõe a ela. Eles estavam mais confortáveis sob um regime militarista; eles iriam se encaixar melhor sob o mando prussiano que sob a democracia dos sovietes. Com a morte do militarismo e o curso prático da revolução eles teriam de buscar um outro mundo.
Mas desde a Revolução de Novembro [calendário gregoriano] as bases dos cossacos também tem se revoltado conta seus latifundiários e exploradores, e agora têm delegados nos sovietes, e são ao menos apoiadores passivos da revolução.
Escrever sobre a guerra civil me faz pensar sobre uma pequeno incidente que ilustra bastante bem a atitude de muitos russos de classe média no tempo presente. Era meados de dezembro e as pessoas ricas estavam começando a temer que o governo dos sovietes iria perdurar e estavam ficando preocupadas com isso.
Eu tinha sido convidado para jantar no lar de uma próspera família russa. A anfitriã explicou-me quando cheguei que ela estava desolada porque sua cozinheira havia partido. Ela lhe dava um salário de vinte rublos por mês e, na câmbio presente, tal quantidade somava dois dólares. A garota havia reclamado que, porque ela tinha de esperar longas horas na fila do pão todo dia, ela desgastava seus sapatos. Os sapatos mais baratos custavam, então, 150 rublos. Se ela guardasse cada centavo de seu salário ela apenas poderia comprar um par de sapatos a cada oito meses, e galochas estavam foram de questão.
Minha anfitriã achava que a garota era extremamente despropositada. “Ela deveria tomar uma surra de laço”, ela disse.
À mesa a conversa desviou para política. Todos começaram a maldizer os bolcheviques. Eles diziam que seria maravilhoso se os alemães apenas viessem e se apossassem. Haveria policiais em cada esquina e “matilhas de camponeses” correndo por suas vidas.
Eu disse que tinha uma grande simpatia pelos bolcheviques, porque me pareciam ser o único partido com espinha dorsal o bastante para tentar dar ao povo o que desejavam. Minha anfitrião se endireitou em sua cadeira. “Porque, minha cara”, ela disse, sinceramente chocada, “você não sabe em absoluto do que está falando. Porque meu servos são bolcheviques!”.
Todos expressaram pesar pela aparente perda de poder dos cossacos.
“De qualquer forma”, pontuou uma mulher, “vocês não seriam tão estúpidos na América a ponto de ter uma guerra civil”.
Eu extrai de mim algum orgulhos. “Madame”, repliquei, “nós tivemos a Guerra Civil”.
Então me pediram que explicasse. Foi uma experiência estranha. Eu achava que todo o mundo sabia. Eu disse quantos anos durou, quantos foram mortos, em torno do que ela tinha sido. Quando comecei a falar sobre a escravidão e a posição dos negros minha anfitrião começou a parecer radiante de compreensão. Subitamente ela disparou: “Oh, sim, agora eu me lembro, e é bem certo que vocês deveriam ser bons para com os negros – eles têm músicas tão bonitas!”.
Eu estava impressionado e ao mesmo tempo deprimida. Essa história é tão típica. A classe média na Rússia parecia não saber nada sobre nossa Guerra Civil, sobre sua guerra civil ou sobre a relação entre tais eventos. E eram extremamente egoístas. Eles irão dizer-lhe que eles querem os alemães, ou que querem “lei e ordem”. O que eles realmente querem é o conforto ao custo da democracia e dos ideais.
Desde os dias da revolução de novembro, a Guarda Vermelha tinha se tornado constantemente mais forte e mais eficientes, e os cossacos cada vez mais fracos. Isso era parcialmente devido às boas políticas da parte dos bolcheviques. Quando eles começaram a dividir as terras eles disseram expressamente em seu decreto – isso não se aplica aos cossacos. Agora, há grandes donos de terras nas regiões cossacas bem como em qualquer parte da Rússia. Eles são ricos e pobres. Uma agitação por terra começou e cresceu e cresceu até finalmente uma delegação de cossacos do [rio] Don representando muitos milhares veio ao General Kaledin, Hetman dos cossacos do Don, e demandaram que sua terra fosse dividida de acordo com os modos da distribuição do governo dos sovietes. O General Kaledin replicou, “Isso apenas acontecerá sobre meu corpo morto”. Quase imediatamente as bases desertaram, se juntando os sovietes. Kaledin, se dando conta do desespero de seu erro, estourou seus próprios miolos.
O general Semionov foi recentemente expulso da Sibéria, seus homens matando seus oficiais e indo para o lado dos bolcheviques. A espinha dorsal do movimento cossaco parecia ter sido quebrada.
CAPÍTULO XIX: TRIBUNAL REVOLUCIONÁRIO
É impossível comparar o Tribunal Revolucionário Francês com o Tribunal Revolucionário Russo sem se impressionar imediatamente com a completa dissimilaridade das duas instituições. Nenhuma instituição pode ser uma expressão mais definida do pensamento revolucionários ou um indicador mais fiel do caráter de um povo que um tribunal revolucionário. A principal função da corte francesa era sentenciar pessoas suspeitas à morta pela guilhotina. Durante todo o tempo em que estive na Rússia e assisti esse extraordinário corpo em funcionamento, sequer uma pessoa foi sentenciada à morte.
Eu penso em dois casos característicos.
O primeiro é o caso da Condessa Panina. Quando os bolcheviques subiram ao poder, Panina tinha em sua posse 90 mil rublos pertencentes ao governo. Ela recursou-se a entregar-lhes às novas autoridades porque ela queria esperar até a Assembleia Constituinte; ela se recusou a reconhecer os clamores do governo dos Sovietes. Então ela foi detida e presa na Fortaleza de Pedro e Paulo.
Quando chegou a hora de seu julgamento, este causou grande agitação. O tribunal estava repleto de um público variado, trabalhadores, reformadores, monarquistas. A maior parte das sessões tinham lugar no novo palácio de Nicolai Nikolaievitch. Era uma sala circular, de uma branco mortal, com penduricalhos vermelhos e parecia curiosamente como um rigoroso palco moderno. Em uma longa mesa de mogno com uma cobertura vermelha e dourada se sentavam sete juízes. Jukoff, um operário, era o presidente. Dois dos juízes vestiam uniformes de soldados de baixa patente. No primeiro dia eles pareciam um pouco envergonhados, mas em todas as ocasiões mantinham uma pose e uma dignidade surpreendentes.
A primeira pessoa a falar em defesa da Condessa Panina foi um velho operário que era grato a ela por várias razões. Ele levantou-se e disse que ela havia trazido luz a uma vida que outrora conhecia apenas escuridão. “Ela me deu a possibilidade de pensar”, ele disse. “Eu não sabia ler e ela me ensinou a ler. Então ela era forte e nós éramos fracos. Agora ela é fraca e nós (as massas) somos fortes. Nós devemos dar-lhe sua liberdade. O mundo não deve ouvir que somos ingratos e que aprisionamos os fracos”. Conforme ele falava ele ficava mais e mais emocional até que finalmente ele emitiu um estranho, histérico grito. “Eu não posso suportar vê-la sentada aqui como prisioneira!”, ele chorou e, lamentando em alto som, deixou a sala.
Advogados pagos não causavam qualquer impressão em particular nesses julgamentos; pontos técnicos importavam nada ao fim das contas. O advogado mais inteligente da Condessa Panina entediava terrivelmente sua plateia. O último orador era uma ardente garoto de uma das fábricas de Petrogrado. Ele não poderia ter mais de 18 anos de idade. Ele disse com efeito: “Não sejamos sentimentais. Panina não é uma condessa aqui, ela é uma simples cidadã, e ela tomou o dinheiro do povo. Nós não queremos feri-la – causar-lhe qualquer injustiça. Tudo o que nós pedimos é que ela devolva o dinheiro.”
“O velho homem é grato que ela lhe tenha ensinado a ler. Nós vivemos em uma nova época agora. Nós não dependemos da caridade para a “luz”. Nós acreditamos que todo homem tem o direito a uma educação. Com o dinheiro tal qual o que Panina retém do povo nós iremos fundar escolas, onde todos deverão aprender. Como revolucionários nós não acreditamos em caridade, nós não somos gratos pelas migalhas de chances que caem das mesas dos ricos”.
Em seguida a este argumento a corte foi suspensa, e após alguns minutos retornou com essa decisão: a Condessa Panina deverá permanecer na Fortaleza de Pedro e Paulo até que devolva o dinheiro do povo. No momento em que ela cumprir tal demanda ela terá sua liberdade integralmente restaurada e ela deverá ser entregue ao desprezo popular.
Panina decidiu imediatamente renunciar aos fundos. Em quase qualquer outro país nestes tempos tensos teriam matado Panina, especialmente uma vez que ela era uma das chefes dos sabotadores contra o novo regime. Com sua experiência ela poderia ter sido de grande auxílio, mas ela fez todo o possível para afundar o governo proletário.
Outro julgamento, que teve lugar no bairro de Wiborg, em Petrogrado, e foi presidido por dois homens e uma mulheres ilustra o tratamento dos pequenos casos. Dessa vez a corte estava cheia de trabalhadores. O caso dizia respeito a um homem pobre que havia roubado dinheiro de uma mulher vendedora de jornais nas ruas. O tribunal questionou o homem, e ele se ergueu para defender-se.
“Eu me sentia muito triste”, ele disse. “Eu estava cansado de andar ao léu pelas escuras e frias ruas. Eu pensei que se apenas eu pudesse ir a um lugar quente onde houvessem luzes e pessoas rindo e ficaria então feliz. Eu pensei no Norodny Dom e pensei que gostaria de ir lá e ouvir Tchaliapin.”
“Por que você decidiu roubar desta mulher em particular?” perguntou a corte.
“Eu pensei por um longo tempo”, explicou o homem. “Eu estava parado na equina da rua assistindo ela vender seus jornais. Ela vendeu para muitas pessoas ricas – inimigos do povo – e eu decidi que de algum modo ela própria era uma monarquista e uma capitalista. Por acaso ela não vende os jornais deles da mesma forma que os nossos? Então tomei seu dinheiro. E por três dias ela não fez nada para me encontrar”.
A corte meditou por alguns minutos e finalmente um dos juízes perguntou de maneira bastante solene. “Você se sentiu melhor depois de ter ido ao teatro?”.
Os russos são verdadeiramente maravilhosos. Nenhuma pessoa sequer na corte riu desta pergunta. O ladrão respondeu que ele tinha se sentido melhor. Ele disse que era impossível não ter seu ânimo levantado por tão belo canto.
A vendedora de jornais fez sua defesa. Ela manteve que não era, de forma alguma, capitalista, mas uma pessoal de grande utilidade para a comunidade. Ela era uma revolucionária, ela acreditava na liberdade de expressão e por conseguinte ela pensou que era justo que ela fornecesse notícias de todos os lados.
A corte foi suspensa. Quando retornaram anunciaram que acreditavam que o argumento da mulher era honesto e justo. O argumento do homem era injusto, de modo que o homem deveria de alguma forma reembolsar a mulher pelo que lhe havia tomado. Disseram ao público que poderiam decidir o que o homem deveria dar, após explicar que o homem não tinha nenhum dinheiro.
Todos se consultaram em excitados pequenos grupos e após uma hora chegaram a esta decisão: o homem deveria deveria dar suas galochas para a mulher. Elas valiam aproximadamente o mesmo que a quantia de dinheiro que ele havia tomado. A mulher estava inteiramente satisfeita: como ela havia dito, estava sem galochas e era necessário para ela ficar de pé nas ruas o dia todo. O homem estava inteiramente satisfeito porque ele disse que isso aliviava sua consciência. Ele apertou as mãos da mulher e eles viraram amigos. Todos foram para casa sorrindo.
Parece uma histórica engraçada a menos que se pense sobre isso, e então isso assume todo um outro sentimento. Justiça, se é justiça, tem de ser simples. Nas complicadas leis dos altamente civilizados países nós temos muito bem esquecido da justiça real; nós dependemos de truques, álibis, tecnicalidades, evasivas de todos os tipos. As leis russas eram particularmente ruins. O governo dos sovietes decidiu reconstruir a coisa toda e nesse meio tempo estabeleceram um tribunal revolucionário. Nunca foi a intenção de nenhum dos partidos no poder continuar indefinitivamente essa justiça crua.
Em Petrogrado eu conheci um grupo de mulheres advogadas. Uma era a jovem irmã de Evreimov, o dramaturgo. Natalie Evreimov era a primeira mulher ministra de uma Convenção de Magistrados, que na Rússia era uma corte formal regular de três juizes que considerava pequenos casos. Ela tinha trabalhado um ano antes das cortes terem sido abolidas e ela estava furiosa com os Sovietes. Esse grupo de mulheres advogadas era todo de liberais, mas elas estavam impacientes para praticar e tinham grande desdém pela justiça simples sendo aplicada no tribunal.
Uma tarde eu fui a lazer à casa de uma delas. Minha anfitriã usava um anel que me lembrou da América. Era uma faixa de ouro com letras inglesas esmaltadas. Quanto inquiri sobre isso, minha anfitriã enrubesceu e me contou uma história. “Isso foi-me dado por um homem de negócios americano”, ela disse. “Ele era então meu noivo. Eu tinha 17 e ele 40. Ele não pode suportar a frivolidade de uma jovem garota russa. Eu estava constantemente provando ele e fazendo da sua vida um fardo, então ele retornou à América e eu nunca ouvi dele de novo. O anel é muito misterioso. Por anos em ponderei o significado das letras. Uma vez eu pedi a ele que explicasse o significado, mas ele disse que ele estava obrigado a não contar”.
Ela deslizou o anel do seu dedo e eu li, assombrada: I.O.O.F. E não tive o coração para desiludi-la.
3 comentários em “Duas cenas da revolução russa nas memórias da jornalista Louise Bryant”
“Socialist” sexism: every comrades knows John Reed’s work but knows nothing of Louis Bryant’s work.