Sobre a chamada Plataforma Mundial Anti-imperialista e sua posição danosa e desorientadora

Por KKE, via Solidnet, traduzido por Carlos Motta

Artigo da Seção de Relações Internacionais do CC do KKE, publicado nos jornais Rizospastis e 902.gr em 1 de abril de 2023 e na Solidnet, em inglês, em 10 de abril de 2023.

A eclosão da guerra imperialista na Ucrânia acirrou as contradições dentro do movimento comunista internacional em torno de graves questões político-ideológicas que o atormentam há anos e expressam a influência oportunista em suas fileiras. Naturalmente, o foco estava na postura em relação ao caráter imperialista da guerra que está sendo travada entre os EUA-OTAN-UE e a Rússia capitalista no território da Ucrânia, à postura em relação à burguesia e seus representantes políticos, como a social-democracia, às análises problemáticas do sistema imperialista e da posição da China e da Rússia, e outras questões, mais profundamente ligadas à questão da estratégia errônea de etapas rumo ao socialismo, de apoio e participação nos governos burgueses.

Nessas circunstâncias, às vésperas do 22º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), realizado em Havana em outubro passado, surgiu em Paris uma nova organização internacional denominada “Plataforma Mundial Anti-Imperialista” (PMAI), que já organizou uma série de atividades em Belgrado, Atenas e recentemente em Caracas, organizadas pelo governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O evento da PMAI na Venezuela coincidiu com o ataque antipopular lançado pelo governo social-democrata do PSUV à classe trabalhadora e às camadas populares da Venezuela, no momento em que chegou a acordos com a oposição de direita e os EUA, intensificando o ataques anticomunistas e ações subversivas contra o PC da Venezuela.

É importante observar quais as forças que a compõem, bem como as principais posições problemáticas da PMAI.

Um peculiar amálgama de forças políticas

Uma amálgama de forças políticas está envolvida nas atividades da PMAI, em que as forças social-democratas, como o já mencionado PSUV e uma organização sul-coreana (Partido Democracia do Povo) que surgiu do nada, desempenham o papel principal, juntamente com alguns Partidos comunistas e operários, como o Partido dos Trabalhadores Húngaros, o Partido Comunista (Itália), o Novo Partido Comunista da Iugoslávia, o Partido Comunista dos Trabalhadores Russos, o Partido Comunista Libanês, o maoísta Partido Comunista da Grã-Bretanha (ML), o Polo do Renascimento Comunista na França etc.

Além disso, como denunciou o Partido Comunista do México [1], até forças políticas nacionalistas, racistas e reacionárias participaram dos eventos em Caracas. Assim foi, por exemplo, a organização nacionalista espanhola “Vanguardia Española”, cujas raízes remontam ao filósofo nacionalista Gustavo Bueno, ativo combatente falangista e apoiador do ditador fascista Franco na década de 1950. A “Vanguardia Venezolana” (Vanguarda venezuelana) é de um tipo semelhante.

Da PMAI participam duas organizações desconhecidas da Grécia, carentes de ação de massas e base social: o “Coletivo de Luta pela Unificação Revolucionária da Humanidade” (D. Patelis) e a “Plataforma pela Independência” (V. Gonatas), que ultimamente foram marcados por uma intensificação dos sentimentos anti-KKE, muitas vezes escolhendo a ladeira escorregadia de ataques provocativos via Internet.

O imperialismo como uma “situação anormal” que pode ser remediada…

A PMAI apresenta uma imagem completamente invertida da realidade global que vivemos. A partir de suas análises, não podemos entender que vivemos no sistema capitalista, uma vez que o conceito de capitalismo foi banido de todas as declarações relacionadas (por exemplo, a Declaração de Fundação de Paris, os materiais da recente reunião de Caracas).

Permita-nos abrir um parêntese aqui, pois deve-se notar que na tradução grega da Declaração de Fundação de Paris, a palavra “capitalista” foi adicionada em um ponto antes de “imperialista”, algo que não aconteceu no inglês, espanhol e versões francesas desse documento. Parece que o tradutor grego tentou encobrir arbitrariamente essa afirmação em particular, o que obviamente não muda sua substância.

Ao mesmo tempo, há um uso indevido das palavras “imperialismo”, “imperialistas” e “anti-imperialismo” nos materiais da PMAI. Assim, o imperialismo, que segundo Lênin é o capitalismo monopolista, é tratado de forma distorcida simplesmente como uma política externa agressiva, separada de sua base econômica (os monopólios e a economia de mercado capitalista) e de sua essência de classe como o poder da burguesia.

Não é por acaso, portanto, que a derrubada revolucionária do poder burguês não surge nas posições da PMAI, e que a luta pelo socialismo foi abandonada e substituída pelo objetivo da soberania nacional e de uma nova arquitetura financeira global sem sanções e guerras comerciais, para “derrubar o sistema colonial que traz instabilidade, pobreza e violação dos direitos humanos às massas através da opressão política, pilhagem econômica e coerção militar”.

Em todas as suas afirmações é característica a identificação do conceito de imperialismo com a potência mais forte do sistema imperialista internacional até hoje, ou seja, os EUA. Mesmo quando se faz referência a outras uniões imperialistas, como a UE, a OTAN, o FMI, o Banco Mundial etc., assume-se que se trata de “interesses imperiais dos EUA”. Dessa forma, como num passe de mágica, ocultam-se as responsabilidades e interesses próprios das classes burguesas dos demais Estados capitalistas, exceto os EUA, que participam dessas alianças. Assim, os EUA são apresentados de forma distorcida como um império de um sistema colonial moderno, no qual todos os estados aliados a ele são seus subordinados.

Pelo contrário, considera-se que “a Rússia e a China não são potências imperialistas agressivas” e juntamente com outras, como a Coreia do Norte e o Irã, são apresentadas como “anti-imperialistas”, que, juntamente com os chamados governos progressistas da América Latina, resistem ao imperialismo.

Além disso, vemos que qualquer abordagem de classe é abandonada quando várias uniões regionais são elogiadas, “como ALBA e CELAC”, que envolvem basicamente estados capitalistas, mas a PMAI acredita que “reunirão as nações oprimidas da América Latina”.

Finalmente, no que diz respeito à guerra imperialista na Ucrânia, a PMAI a considera um ato de agressão dos EUA, que está usando a Ucrânia para atacar… as “anti-imperialistas” Rússia e China.

“Que não há dados econômicos que justifiquem caracterizar a China ou a Rússia como imperialistas. São países que não vivem de superexplorar ou saquear o mundo”, afirma a PMAI… A bandeira do sindicato dos estivadores do porto de Pireu, de propriedade do monopólio chinês COSCO, diz: “Nenhum morto a mais para os lucros da COSCO!”

Breve crítica das posições básicas da PMAI

1. O que é imperialismo e quem é anti-imperialista? Hoje vemos que o conceito de imperialismo é usado até mesmo por representantes das classes burguesas, chamando-se uns aos outros de “imperialista”, como fez recentemente o chanceler alemão Olaf Scholz, falando sobre o presidente russo V. Putin. Há também vários representantes das classes burguesas que se autodenominam… “anti-imperialistas”.

Várias forças oportunistas criam confusões semelhantes com suas posições, assim como as posições da PMAI, nas quais, por exemplo, até mesmo o estado capitalista do Irã, que usa a religião para intensificar a exploração de classe e a desigualdade social e nega direitos básicos às mulheres, é caracterizado como “anti-imperialista”. E isso é dito em um momento em que o Irã está sendo abalado por grandes manifestações pelos direitos democráticos burgueses básicos. Recentemente, o Irã “anti-imperialista”, por meio da mediação da China, assinou um acordo com a Arábia Saudita, que deu as costas aos EUA. Os reis e príncipes sauditas também se tornaram “anti-imperialistas” depois disso? Não ficaríamos surpresos com tal avaliação, já que há algum tempo algumas potências da América Latina chamavam Erdoğan, o presidente da Turquia, que mantém tropas de ocupação em pelo menos 3 países (Chipre, Síria, Iraque), um “anti-imperialista” . Isso foi combustível para a fogueira de Erdoğan, que declarou que “os EUA não o amam porque ele é… anti-imperialista”.

Do exposto fica claro que o uso indevido e arbitrário do conceito de imperialismo e suas palavras derivadas leva a uma grande confusão. É importante, por isso, abordar o conceito de imperialismo numa base sócio-econômica científica, e não na base que os burgueses e oportunistas querem impor para justificar as classes burguesas e as potências imperialistas, tentando transformar o joio em trigo. Lênin comprovou as características básicas do imperialismo: “1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes” [2].

Vivemos, portanto, na época em que o capitalismo tem certas características específicas descritas por Lênin em sua obra. Estamos falando de traços uniformes no domínio dos monopólios, das poderosas sociedades anônimas e no acirramento da concorrência capitalista, na formação do capital financeiro, na importância crescente da exportação de capitais em relação à exportação de mercadorias, na luta pela redivisão dos mercados e territórios entre Estados capitalistas e grupos monopolistas internacionais. Lênin trata o imperialismo como a “etapa superior do capitalismo”, como intitulou sua brochura sobre o assunto, destacando que o capitalismo monopolista “é a mais completa preparação material do socialismo, é a sua antecâmera, é o degrau da escada da história entre o qual e o degrau chamado socialismo não há nenhum degrau intermédio.”[3].

Como podemos ver, a abordagem científica leninista do imperialismo está muito longe do uso comum do imperialismo como uma política externa agressiva ou da identificação com um único estado, ainda que seja o mais poderoso, como a PMAI, entre outros, argumenta. Além disso, a PMAI, na prática, classifica cada estado, independentemente de sua posição na pirâmide imperialista, sob o rótulo de “anti-imperialista” com base apenas no critério de saber se, em determinado momento, a liderança política daquele estado capitalista particular está em oposição ou até mesmo em conflito com os EUA ou com as suas escolhas, no quadro da intensificação da concorrência internacional entre os monopólios e os Estados que representam os seus interesses.

O imperialismo é o capitalismo monopolista. No atual sistema imperialista, todos os estados capitalistas estão integrados a ele e são caracterizados por relações de interdependência, competição e cooperação desiguais. Isso certamente não significa que eles tenham o mesmo poder e capacidades; significa que todas as classes burguesas participam da repartição dos espólios, da partilha do mais-valor produzido pela classe trabalhadora em todo o mundo, com base no poder político, militar e econômico de cada Estado.

2. Soberania nacional, uniões regionais, nova arquitetura financeira global ou socialismo?

A PMAI, como já apontamos, rejeitou a luta pelo socialismo e promove a luta pela soberania nacional, a formação de uniões regionais e uma nova arquitetura financeira global, que, apesar da preservação das relações capitalistas de produção, garantirá “liberdade e igualdade das nações, permitindo que cada país siga uma agenda econômica soberana e independente sem interferência externa”.

Na percepção da PMAI, todos os problemas decorrem da ingerência estrangeira, da imposição da vontade das potências imperialistas, e principalmente dos EUA, em cada país. Na prática, busca forjar alianças no seio das chamadas burguesias nacionais. Além da confusão sobre o imperialismo, também é aparente uma subestimação do caráter internacional da era do capitalismo monopolista, que se reflete em todo Estado capitalista com o acirramento da contradição básica entre capital e trabalho e o fortalecimento da tendência de deterioração absoluta e relativa da posição da classe trabalhadora.

A abordagem equivocada acima não é nova, pois traduz abordagens errôneas que prevaleceram por muitos anos no movimento comunista internacional e focaram no nível diferenciado de desenvolvimento das forças produtivas, assumindo erroneamente que qualquer atraso se devia exclusivamente à dependência externa de um Estado e não a fatores históricos como o atraso no surgimento das relações capitalistas, o mercado nacional relativamente pequeno, as condições históricas que levaram a burguesia de um Estado capitalista a investir, por exemplo, na exportação de energia ou no transporte de capital em vez da indústria. Nesse contexto, desenvolveu-se a estratégia de etapas rumo ao socialismo, em que a etapa inicial seria livrar-se da “dependência estrangeira” e estabelecer a “soberania nacional”, o que seria alcançado por meio de uma aliança com a burguesia “nacionalmente orientada” em oposição à “compradora”, dependente e subordinada aos ditames da burguesia imperialista.

Hoje sabemos que a fragmentação da estratégia dos PCs em etapas falhou! Da mesma forma, a separação da burguesia em “subserviente aos estrangeiros” e “patriótica” e a tentativa de formar uma aliança com esta última provou ser irrealista. A burguesia, apesar de certas diferenciações de interesses econômicos que possam existir dentro dela, tem seu próprio instrumento uniforme para explorar a classe trabalhadora e oprimir as camadas populares, ou seja, o Estado burguês. O Estado burguês também atua como regulador de quaisquer diferenças entre os vários setores da burguesia. Cada Estado burguês nacional (hoje existem cerca de 200 deles em todo o mundo) contribui para a formulação da estratégia da burguesia do país e gerencia suas alianças internacionais, sua participação em uma ou outra união interestatal de estados capitalistas, em que as leis da economia capitalista aplicam-se em conjunto com as regulamentações interestaduais.

Lênin, em seu artigo “Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa”, refere-se às abordagens errôneas de sua época em relação aos “Estados Unidos democráticos da Europa”, enfatizando que não bastava simplesmente derrubar os regimes autoritários existentes na Europa de então. A base econômica sobre a qual essa união seria criada era de grande importância; e como essa base era o capitalismo, seria, portanto, uma união reacionária. E isso porque, nas palavras de Lênin, o “capitalismo é a propriedade privada dos meios de produção e a anarquia da produção. Preconizar a “justa” partilha do rendimento nesta base é proudhonismo, estupidez de pequeno burguês e filisteu. (…) Pensar nisso significa descer ao nível dum padreco que todos os domingos prega aos ricos a grandeza do cristianismo e aconselha a dar aos pobres … bem, se não uns quantos milhões, pelo menos umas quantas centenas de rublos por ano”. Ele concluiu que esse slogan está errado “porque poderia dar lugar à falsa interpretação da impossibilidade da vitória do socialismo num só país”[4].

A abordagem da PMAI sobre a necessidade de “derrubar o sistema colonial”, sobre a soberania nacional e a criação de uniões regionais de “Estados soberanos”, ignora de forma a-histórica que o sistema colonial ficou no passado já há décadas. Em seu lugar surgiram dezenas de Estados “soberanos” e em cada um deles existem contradições de classe não resolvidas entre o capital e a classe trabalhadora. Além disso, as relações atuais entre os Estados burgueses “soberanos” são regidas por relações de interdependência desigual, nas quais todas as classes burguesas estão envolvidas de acordo com seu poder – fato que falta na análise da PMAI.

As dependências que surgem para cada Estado capitalista dentro desta “pirâmide” imperialista não são uma patologia, um desvio ou distorção, que será corrigida pela derrota dos EUA por um mundo supostamente multipolar, como argumenta a PMAI, mas um fenômeno inerente ao desenvolvimento do capitalismo, ou seja, a internacionalização do capital. Além disso, a PMAI esconde a essência: que essa rede de interdependência desigual só pode ser dissolvida pela derrubada do poder burguês e do Estado da ditadura do capital, pela construção da nova sociedade socialista-comunista.

Quando os abutres imperialistas se enfrentam, o lado certo da história é não escolher o lado do abutre mais fraco para que ele possa ocupar o lugar do mais poderoso. O lado certo é a luta contra todo abutre, toda burguesia e aliança imperialista.

3. Qual é a natureza da China e da Rússia?

A PMAI argumenta que “não há dados econômicos que justifiquem caracterizar a China ou a Rússia como imperialistas. São países que não vivem superexplorando ou saqueando o mundo. Eles não colocam outros países em escravidão militar, tecnológica ou por dívida” e que “Rússia e China não são potências imperialistas agressivas, mas, ao contrário, são alvos de nossos inimigos porque se opõem ao domínio global completo dos EUA”.

Com essas afirmações, a PMAI procura mais uma vez distorcer a realidade. É como se a China e a Rússia não participassem das cúpulas do G20, as reuniões dos 20 Estados capitalistas mais poderosos do mundo, juntamente com os EUA, Alemanha, Reino Unido, França etc. É como se os monopólios chineses e russos não exportassem capitais para outros países, visando ao lucro que vem da exploração da força de trabalho não só dos trabalhadores de seu próprio país, mas também de muitos outros países da Europa, Ásia, África, América, onde quer que seus monopólios se desenvolvam. É como se o exército privado russo “Wagner” tivesse sido implantado na África por motivos de caridade e não para defender os interesses dos monopólios russos que operam lá. É como se a China não estivesse mais se movendo em uma direção semelhante para salvaguardar a Iniciativa do Cinturão e Rota por meios militares. É notável que essa iniciativa inclua o pequeno, mas muito importante em termos geográficos, Estado de Djibuti – cuja dívida com a China chega a 43% do seu Rendimento Nacional Bruto – onde foi inaugurada em 2017 a primeira base militar da China fora das suas fronteiras.

As afirmações sobre países “que não colocam outros países em escravidão militar, tecnológica ou por dívidas” referem-se a Estados que desempenham um papel especial no comércio de armas e são atualmente países credores, como a China, que é a maior nação credora do mundo.

Eles se referem à Rússia, onde monopólios gigantes (Gazprom, Rosneft, Lukoil, Rosatom, Sberbank, Norilsk Nickel, Rosvooruzhenie, Rostec, Rusal etc.) exploram milhões de trabalhadores, não apenas na Rússia, mas também nas ex-repúblicas soviéticas, na Comunidade de Estados Independentes (CEI), na África, na América do Sul, na Europa, no Oriente Médio, no Golfo Pérsico etc. Como é sabido, a exportação de capital, distinta da exportação de mercadorias, significa a produção de mais-valor extraído pelo país exportador de capital do país importador de capital. Em 2014, a Rússia ficou em 8º lugar entre os exportadores de investimento estrangeiro direto (IED) globalmente e caiu para 18º lugar no ranking global devido a sanções em 2018. Em 2021, o IED da Rússia atingiu US$ 65,189 bilhões, dos quais US$ 1,808 bi foram investidos em países da CEI e US$ 63,381 bi em países “estrangeiros”. Segundo o Banco Mundial, a Rússia ocupa o 5º lugar entre os credores dos países “em desenvolvimento”, atrás de China, Japão, Alemanha e França [5].

Referem-se à China, cujos concorrentes afirmam o seguinte: “A China tem agora uma responsabilidade especial na economia global, pois é o maior credor mundial, superando a soma dos empréstimos do Banco Mundial, do FMI e dos membros do Clube de Paris ( …) 44 países têm dívidas de mais de 10% de seu PIB com os credores chineses (…) A opacidade em torno dos empréstimos chineses significa que, em alguns casos, por exemplo, na África subsaariana, isso cria uma ‘dívida oculta’, que é o que os governos buscam, já que não está incluído nos relatórios oficiais e estatísticas de organizações internacionais e, portanto, ‘protege’ os tomadores de empréstimos de serem considerados como tendo dívidas insustentáveis. Muitos desses empréstimos requerem a existência de contas especiais, em banco aceito pelo credor, e provisões a amortizar com receitas provenientes de projetos financiados pelo credor ou de outros fluxos de caixa. Isso significa essencialmente que uma parcela significativa das receitas do governo está fora do controle do Estado devedor soberano. Muitos desses empréstimos têm condições claras de que o país devedor não pode recorrer ao Clube de Paris para reestruturar a dívida em questão ou a uma instituição similar. Os termos que permitem ao credor rescindir o empréstimo e exigir o reembolso imediato são mais amplos em muitos desses empréstimos e até incluem linguagem geral, como ações prejudiciais a entidades da República Popular da China ou mudanças significativas na política do país a providenciar o empréstimo”[6].

Dados semelhantes do Banco Mundial referentes a 68 países “em desenvolvimento” mostram que os empréstimos da China a esses países em 2020 chegaram a US$ 110 bilhões, sendo a China a segunda nação credora do mundo depois do Banco Mundial [7]. Um dos países cujas dívidas com a China chegam a bilhões de dólares é a Venezuela, onde o partido governista sediou os trabalhos da recente Conferência da PMAI [8].

Além disso, outra categoria de empréstimos de particular importância é a posse de títulos, principalmente títulos dos Estados Unidos. Em janeiro de 2023, a China detinha US$ 859,4 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA, ficando em segundo lugar, apenas depois do Japão [9].

A PMAI se recusa a encarar a realidade. Em um momento no qual se desenrolam confrontos e conflitos entre os EUA e as outras potências imperialistas euro-atlânticas e a Rússia e milhares de pessoas são massacradas na Ucrânia, os capitalistas de ambos os lados da guerra e os seus governos ainda mantêm, embora limitados em comparação com antes de fevereiro de 2022, uma parceria estável, incluindo uma relação comercial. Assim, por exemplo, a Rússia ainda vende urânio para os EUA e a França para suas instalações nucleares. A bem da verdade, ela cobre 20% das necessidades dos 92 reatores nucleares americanos [10], enquanto em 2022 a França recebeu 153 toneladas de urânio russo, cobrindo 15% de suas necessidades [11]. A “Gazprom” russa anunciou que em março enviou milhões de metros cúbicos de gás natural para a UE através dos gasodutos da Ucrânia devastada pela guerra, para deleite de seus acionistas capitalistas. A “Chevron” norte-americana continua a carregar o petróleo que extrai do Cazaquistão no porto russo de Novorossiysk, no Mar Negro, que chega por meio de um oleoduto de 1.500 quilômetros que passa pelo território do Cazaquistão e da Rússia. É por esse oleoduto que dois terços do petróleo extraído no Cazaquistão são colocados no mercado mundial.

Da mesma forma, apesar da chamada nova guerra fria entre os EUA e a China em 2022, “o comércio entre os EUA e a China atingiu um recorde, refutando as teorias de dissociação entre as duas economias. De acordo com dados oficiais do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, o comércio bilateral atingiu US$ 690,6 bilhões, com as exportações dos Estados Unidos para a China aumentando em US$ 2,4 bilhões, chegando a US$ 153,8 bilhões. Ao mesmo tempo, as importações de produtos chineses no mercado americano aumentaram US$ 31,8 bilhões, chegando a US$ 536,8 bilhões” [12].

Surge a pergunta: em um momento em que sanções econômicas estão sendo impostas, quando os gastos militares disparam, quando o derramamento de sangue está ocorrendo na Ucrânia, quando as várias potências envolvidas no conflito estão aumentando a ameaça de armas nucleares, como é possível que os capitalistas de ambos os lados estejam lucrando com relações comerciais diretas ou por meio de terceiros? Nas palavras de Marx, “o capital nasce escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça aos pés (…) Com um lucro adequado, o capital torna-se audaz. Com 10%, ele está seguro, e é possível aplicá-lo em qualquer parte; com 20%, tornase impulsivo; com 50%, positivamente temerário; com 100%, pisoteará todas as leis humanas; com 300%, não há crime que não arrisque, mesmo sob o perigo da forca”[13].

A PMAI esconde cuidadosamente o fato de que tanto na China quanto na Rússia as classes burguesas, os monopólios, estão no comando, lidando e se chocando com os monopólios dos EUA, da UE e de outros estados capitalistas e uns com os outros. Nenhum dos lados do conflito, portanto, é inocente como uma pomba, como a PMAI os descreve, mas todos são abutres. A China até desafia diretamente a supremacia dos EUA no sistema imperialista. Como Lênin apontou, quando os abutres imperialistas se enfrentam, o lado certo da história é não escolher o lado do abutre mais fraco para que ele possa tomar o lugar do mais poderoso. O lado certo da história é escolher o lado dos povos contra o campo dos capitalistas, que ora ganham com a paz, ora com a guerra, derramando o sangue da classe trabalhadora e dos povos.

4. Guerra por procuração dos EUA na Ucrânia ou guerra imperialista?

A abordagem seletiva da PMAI de que a guerra na Ucrânia é “uma provocação da OTAN com uma guerra por procuração contra a Rússia no território da Ucrânia” tenta, antes de tudo, desviar a atenção da questão principal: que essa guerra é “focada na divisão da riqueza mineral, energia, territórios e força de trabalho, oleodutos e redes de transporte de mercadorias, pilares geopolíticos, quotas de mercado” [14] e está sendo travada pelas classes burguesas da Ucrânia, em aliança com os EUA e a OTAN, e da Rússia e seus aliados. Esses são os critérios básicos que verificam que o caráter da guerra é imperialista e está sendo travada por interesses estranhos aos dos povos.

Claro, o fato de que os EUA estão usando a Ucrânia como ponta de lança contra a Rússia capitalista, cercando-a com a ampliação da OTAN, com novas bases militares e com armas é inegável hoje. O KKE lutou contra tudo isso, votou contra na Grécia e no Parlamento Europeu. Foram os comunistas que, ao completar um ano desde o início da guerra imperialista, organizaram centenas de protestos nos portos, na frente das bases, nas ruas e nas ferrovias contra os EUA-OTAN-UE e seus planos imperialistas agressivos, contra o envolvimento da Grécia na guerra. Os membros do CC do KKE e do CC da KNE foram presos e julgados pela burguesia grega e seu estado por suas manifestações anti-OTAN, e não os membros das organizações gregas inexistentes, com nomes inventados, que participam da PMAI.

Assim como também é verdade que a inaceitável invasão militar da Rússia na Ucrânia, lançada pelos interesses e planos estratégicos da burguesia russa, que o KKE também condenou inequivocamente, funciona objetivamente como um amortecedor para a China em seu grande conflito com os EUA pelo controle do sistema imperialista mundial.

As forças políticas de cada país não estão divididas, como afirma a PMAI, entre “pró-Rússia” e “pró-EUA” em razão da guerra imperialista. Essa é uma distinção falsa, que não é feita apenas pela PMAI. Foi feita anteriormente pelo Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) [15] em relação às resoluções do 22º EIPCO e, é claro, ao lado dos partidários do imperialismo euro-atlântico. Assim, ao mesmo tempo que a PMAI e o PCFR acusam o KKE de “sentimento antirrusso”, o jornal informal da UE, o euobserver, acusa o KKE de “russofilia” com base nas votações ocorridas no Parlamento Europeu [16].

A verdade é que o KKE está firmemente ao lado da classe trabalhadora e dos povos e contra o campo das classes burguesas, dos Estados e seus governos. Esse é um remédio amargo para a PMAI engolir, que por sua existência confirma nossas recentes observações de que o movimento comunista internacional está sujeito a pressões ligadas a interesses geopolíticos estatais [17] alheios aos princípios ideológicos e políticos do movimento comunista revolucionário. A esse respeito, não se explora apenas um “anti-imperialismo” oco, mas também um “antifascismo” falso e desdentado, que separa o fascismo do capitalismo que lhe deu origem. Essa abordagem apoia o pretexto de exploração pelas classes burguesas para servir aos seus interesses antipopulares na guerra imperialista na Ucrânia.

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NOTAS:

1. PARTIDO COMUNISTA DO MÉXICO. Nota sobre la Reunión en Caracas de la “Plataforma Mundial Antiimperialista”. Disponível em: http://www.solidnet.org/article/CP-of-Mexico-Nota-sobre-la-Reunion-en-Caracas-de-la-Plataforma-Mundial- Anti-imperialista/

2. LÊNIN, V.I. O imperialismo: etapa superior do capitalismo. Campinas, SP: FE/UNICAMP, 2011, p. 218. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/imperialismo.pdf

3. LÉNINE, V.I. “A Catástrofe que nos Ameaça e como Combatê-la”. In: Obras Escolhidas em três tomos. Lisboa: Edições Avante!, 1978, t2, p. 165-200. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/09/27-2.htm

4. LÉNINE, V.I. “Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa”. In: Obras Escolhidas em três tomos. Lisboa: Edições Avante!; Moscou: Edições Progresso, 1977. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1915/08/23.htm

5. Comitê Ideológico do CC do KKE, “Alguns dados sobre a economia da Rússia”, Revista Comunista (KOMEP), edições 5–6, 2022

6. “China como anti-FMI: A diplomacia dos empréstimos”, 21/09/22, https://www.ot.gr/2022/09/21/analyseis-2/i-kina-os-anti- dnt-i-diplomatia-ton-daneion/

7. “O Papel da China na Dívida Externa Pública nos Países DSSI e na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) em 2020”, https://greenfdc.org/brief-chinas-role-in-public-external-debt-in-dssi-countries-and-the-belt-and-road-initiative-bri-in-2020/

8. “Estes são os países mais endividados com a China”, https://globelynews.com/world/top-countries-most-in-debt-to-china/

9. “Apenas negócios: por que a China está vendendo a dívida do governo dos EUA”, https://iz.ru/1484989/dmitrii-migunov/tolko-biznes-pochemu-kitai-prodaet-amerikanskii-gosdolg

10. “As exportações de tecnologia e combustível nuclear da Rússia cresceram mais de 20% em 2022”, https://forbes.ua/ru/news/

11. “A França comprou 153 toneladas de urânio enriquecido da Rússia para suas usinas nucleares em 2022”, https://tass.ru/ekonomika/

12. “Comércio recorde entre os EUA e a China”, https://www.kathimerini.gr/economy/562269919/se-ypsi-rekor-to-emporio-anamesa-se-ipa-kai-kina/

13. MARX K. O Capital. Vol. 1. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 1010 da versão disponível em: https://www.gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-colecoes/marx-e-engels/o-capital-livro-1.pdf.

14. Resolução do CC do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia, http://inter.kke.gr/en/articles/RESOLUTION-OF-THE-CENTRAL-COMMITTEE-OF-THE-KKE-ON-THE- GUERRA-IMPERIALISTA-NA-UCRÂNIA/

15. “Sobre o confronto ideológico-político no 22º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários e o “truque” sobre o sentimento “anti-russo” e “pró-russo””, Rizospastis 26–27/11/22, https://www.rizospastis.gr/story.do?id=11915448

16. “Dados de votação revelam eurodeputados favoráveis à Rússia no Parlamento da UE”, https://euobserver.com/world/156762?utm_source=euobs&utm_medium=email

17. Teses do CC do KKE para o 20º Congresso, http://inter.kke.gr/en/articles/THESES-OF-THE-CC-FOR-THE-20th-CONGRESS-OF-THE-KKE/

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