Proibicionismo e capitalismo

Por Eitor Ramiro Sena de Macedo

“Portanto, o debate proibicionista raramente está relacionado à saúde do usuário, mas sim à produtividade e a uma discussão, sobretudo, moral, buscando um controle dos corpos.  A proibição como forma de lidar com os problemas gerados na saúde se mostra ineficiente ano após ano, o que demonstra a falsa pretensão na defesa do bem-estar dos consumidores de drogas.”


A produtividade é condição essencial dentro do modo de produção capitalista, e a busca por extrair a máxima potência dos trabalhadores é a grande utopia por parte dos burgueses. Karl Marx, nos seus manuscritos econômico-filosóficos diz: “[…] o trabalhador tem o azar de ser um capital vivo e, portanto, que tem necessidades, que a cada instante em que não trabalha perde os seus juros e com isso a sua existência (p. 211)”. A partir desse fragmento, nota-se que a produtividade acaba por ser não apenas o desejo dos donos dos meios de produção, mas também dos próprios trabalhadores, visto a assimilação por parte destes, da ideologia produtivista e exploradora do capital. A relação de necessidade que o trabalhador tem com o trabalho faz com que este busque a todo custo uma excessiva produção, com o intuito de não perder a sua própria vida.

O professor Henrique Carneiro, em seu livro “Drogas: a história do proibicionismo”, ao tratar da política de proibição nos EUA, vai trazer à tona a figura de Henry Ford, um industrial americano que não se notabilizou apenas por ser um homem de negócios, mas também por suas interferências nos costumes dos trabalhadores. Ford escreveu um panfleto antitabagista chamado: “O caso contra o pequeno escravizador branco”. Neste panfleto, destaca o cigarro como um grande inimigo, sendo aquele que provoca a má eficiência do trabalhador, imoralidades e a destruição da saúde.

A luta de Henry Ford é algo fácil de entender, afinal o cigarro é uma substância que é capaz de gerar um efeito sedativo no usuário, como também de realizar certa dispersão no ambiente de trabalho, por exemplo, a saída do empregado do local de produção para fumar, mas a ênfase de Ford não tem final aí. A busca por demonizar a figura não só do fumante, mas também daquele que bebe álcool ou faz uso de qualquer outra droga é, sobretudo, um debate moral, e que busca interferir amplamente na vida privada de todos aqueles que vendem a sua força de trabalho.

Além de trazer o debate mencionado acerca de Henry Ford, Henrique Carneiro vai relembrar a relação de vigilância dentro das fábricas, que é retratado no filme: “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, onde a vigilância realizada sobre os empregados é feita até no interior dos banheiros. Essa busca por manter o trabalhador o máximo possível realizando a sua função e sendo produtivo, é parte essencial em seu processo de alienação e desumanização e como trata Marx, novamente em seus manuscritos: “o atual regime econômico busca aperfeiçoar o trabalhador e degradar o homem (p. 137)”.

Portanto, o debate proibicionista raramente está relacionado à saúde do usuário, mas sim à produtividade e a uma discussão, sobretudo, moral, buscando um controle dos corpos.  A proibição como forma de lidar com os problemas gerados na saúde se mostra ineficiente ano após ano, o que demonstra a falsa pretensão na defesa do bem-estar dos consumidores de drogas. John Collins, o diretor-executivo do Projeto Internacional de Legislação sobre Drogas (IDPP), afirma: “a prova que a guerra contra as drogas fracassou pode ser encontrada na América Latina. […] se encarcerou muita gente, se fez a guerra contra os cartéis, mas tudo isso teve virtualmente um impacto nulo no mercado real”. Ou seja, quanto à política de drogas, é perceptível que os administradores do capital ao evidenciarem questões de saúde ou imoralidades, na verdade, busca-se constituir apenas um arcabouço de ideias que mascarem a real e única intenção, que é a máxima exploração da classe trabalhadora.

Além disso, destaco ainda as politicas de redução de danos e de educação, que se mostram mais condizentes com a realidade dos indivíduos e de suas relações com as mais variadas substâncias ao longo da história. Como demonstra a Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA), “a maior parte das ações de redução de danos são de baixo custo, fáceis de implementar e têm um alto impacto na saúde individual e comunitária”. Ou, como traz Henrique Carneiro: “Consumidores de drogas, essa é a condição humana eterna que foi potencializada na era mercantil e industrial […]”. O primeiro trecho demonstra a efetividade das políticas de redução de danos e de educação; o segundo demonstra que a droga, enquanto gênero é, e sempre será, parte da nossa vida, e que essa condição deve ser entendida como tal, ou seja, compreendendo as relações de causa e efeito do uso e garantindo, individualmente, um auxílio que ajude o indivíduo a buscar a mais benéfica forma de se relacionar ou não com qualquer substância.


* Eitor Ramiro Sena de Macedo é graduando em Direito na Universidade Estadual da Bahia, Juazeiro.


Notas:

1: MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Martin Claret, 2017.

2: CARNEIRO, Henrique. Drogas: a história do proibicionismo. Henrique. São Paulo. Autonomia literária, 2018.

3: O que é Redução de Danos? Uma posição oficial da Associação Internacional de Redução de Danos, Londres, Grã Bretanha, 2010. Disponível em: https://www.hri.global/files/2010/06/01/Briefing_what_is_HR_Portuguese.pdf. Acesso em 24 de jul. de 2020.

4: Especialistas dizem que criminalizar drogas é ineficaz. Exame, São Paulo, 15 de fev. 2016. Disponível em: <https://exame.com/ciencia/especialistas-defendem-que-criminalizacao-do-uso-de-drogas-e-ineficaz.> Acesso em 24 de jul. 2020.


 

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