População excedente, reprodução social, e o problema da formação de classe

Por Bue Rübner Hansen, via Viewpoint Magazine, traduzido por Daniel Alves Teixeira

Este texto toma este diagnóstico como seu ponto de partida para novos desenvolvimentos teóricos, com o objetivo de refletir sobre o desafio que colocam em termos da formação e organização da classe. Propõe que a tarefa central da composição de classe seja responder ao problema da contingência da reprodução proletária, algo que todos os proletários têm em comum, mas com que lidam de muitas maneiras diferentes. Isto significa que a composição de classe deve partir do reconhecimento de que os modos de luta dos proletários são extremamente diversos: da condição limite dos camponeses que lutam contra a proletarização para a figura clássica do trabalhador assalariado em greve, reside toda uma série de lutas às quais os escritores feministas e anticoloniais estão mais sintonizados do que a maioria dos marxistas. Uma vez reconhecida essa heterogeneidade constitutiva das populações exploradas e expropriadas do mundo, reconhecemos que qualquer teoria geral do “proletariado” como agente revolucionário terá que partir da auto-organização e composição das diferenças e particularmente das diferentes estratégias de vida e sobrevivência.


1. Introdução

Hoje, poucos sustentam a velha crença de que o trabalho assalariado se expandirá gradualmente para cobrir a maioria da população mundial. Certa vez, essa foi a condição da crença histórica de que o capitalismo criaria as condições sob as quais o trabalho assalariado poderia ser organizado como um poder global para competir com o capital. Ao invés disso outra teleologia apareceu, afirmando que o desenvolvimento capitalista implica a desorganização da classe operária. Em vez de uma narrativa de progresso, trata-se de uma narrativa de declínio, de precariedade, de informalização e de miserabilização.

Marx havia predito uma vez que uma revolução se tornaria organizacionalmente possível através da “união cada vez maior dos trabalhadores” e materialmente urgente devido ao aprofundamento da miséria proletária: “Uma revolução radical só pode ser a revolução das necessidades radicais”[1]. No século XX, a combinação de miséria e organização era rara, devido às concessões dadas ao trabalho organizado no Norte Global, concessões que foram em grande parte possíveis graças à exploração, à miséria e à supressão violenta das populações coloniais. Hoje, vemos, ao contrário, uma tendência à desorganização do trabalho setentrional, o que é em grande parte devido à concorrência de trabalhadores mal pagos e menos organizados no Sul Global. Parece, portanto, que os dois elementos da teoria de Marx são mutuamente exclusivos, mas de uma maneira diferente da que muitos acreditavam em meados do século XIX, quando a ideia de pleno emprego e sindicalização era vista como uma possibilidade. Em vez disso, os fortes argumentos de Marx pela impossibilidade de pleno emprego foram re-atualizados através de uma re-leitura da teoria de Marx da “lei geral da acumulação capitalista” e da tendência capitalista de produzir excedentes populacionais.[2]

Os principais destaques desta reativação foram os defensores da teoria da comunização, entre os quais o coletivo Endnotes é talvez a voz mais influente no mundo anglo-saxão. Referindo-se a Endnotes, Fredric Jameson, por exemplo, ofereceu recentemente a sugestão provocadora de que O Capital é um livro sobre o desemprego e não sobre a exploração.[3] Os escritos dos teóricos da comunização sobre a população excedente são de interesse, tanto porque fornecem um quadro explicativo para a compreensão dos fenômenos empiricamente observáveis da informalização do trabalho e do desenvolvimento da miséria e das favelas, analisados por escritores como Jan Breman e Mike Davis, como também porque é uma dos mais sofisticados entre as (em qualquer caso, poucas) tentativas marxistas contemporâneas de pensar as condições da prática comunista revolucionária hoje.

Este texto toma este diagnóstico como seu ponto de partida para novos desenvolvimentos teóricos, com o objetivo de refletir sobre o desafio que colocam em termos da formação e organização da classe. Propõe que a tarefa central da composição de classe seja responder ao problema da contingência da reprodução proletária, algo que todos os proletários têm em comum, mas com que lidam de muitas maneiras diferentes. Isto significa que a composição de classe deve partir do reconhecimento de que os modos de luta dos proletários são extremamente diversos: da condição limite dos camponeses que lutam contra a proletarização para a figura clássica do trabalhador assalariado em greve, reside toda uma série de lutas às quais os escritores feministas e anticoloniais estão mais sintonizados do que a maioria dos marxistas. Uma vez reconhecida essa heterogeneidade constitutiva das populações exploradas e expropriadas do mundo, reconhecemos que qualquer teoria geral do “proletariado” como agente revolucionário terá que partir da auto-organização e composição das diferenças e particularmente das diferentes estratégias de vida e sobrevivência.

Para elaborar tal teoria, eu me volto para o Marx do 18 Brumário, um texto que não está interessado na elaboração da dialética histórica abstrata da revolução comunista, mas no desenvolvimento e implantação de um método de análise das lutas concretas. Este texto foi justamente elogiado por muitos como um modelo de análise materialista da conjuntura – da crise, das relações das forças de classe, da temporalidade histórica dos acontecimentos, da dinâmica da representação política e da violência, etc. A rica meditação textual de Marx sobre o papel da contingência e da necessidade na revolução francesa de 1848 e suas consequências é um importante corretivo da tentativa marxista muito comum de limitar a análise política ao que pode ser derivado da crítica da economia política ou à questão das perspectivas da revolução. O que se segue é a tentativa de relacionar a concepção amplamente observada da contingência política e formação de classes no 18 Brumário com a questão da contingência da reprodução proletária. Partir deste último me permite ler o Brumário não apenas como uma análise das ações das classes constituídas, mas para extrair dela uma teoria da formação de classes e da diferenciação de classes.

Embora o problema da reprodução proletária tenha sido levantado com renovada urgência pela crise e pelo crescimento das populações excedentes, ela tem um significado mais amplo. Como observado por Michael Denning, o proletariado não é definido pela exploração e pelo trabalho, mas pela sua pobreza real ou virtual. A principal percepção deste texto é que qualquer prática de formação e organização de classe proletária – condição sine qua non da estratégia comunista – deve começar não só com essa pobreza virtual, mas com as verdadeiras estratégias de vida e sobrevivência pelas quais os proletários vivem este problema.

2. A necessidade da população excedente no capitalismo

Marx sempre deu uma dupla definição do proletariado: em termos do problema da contingência de sua reprodução, sua existência como “indigentes virtuais”, e em termos de sua exploração como trabalhadores.[4] Em outras palavras, o proletariado é definido por sua separação dos meios de reprodução e sua compulsão para se reproduzir enquanto reproduz o capital. A reprodução do proletariado (o valor da sua força de trabalho) é mantida em linha com a reprodução do capital através do funcionamento “normal” da lei do valor: se os salários subirem muito alto, o capital empregará menos trabalhadores, criando assim um exército de reserva exercendo uma pressão descendente sobre os salários. [5] O ponto aqui é que enquanto os empregados e os desempregados não se combinarem, os salários sempre voltarão a cair de acordo com as exigências da acumulação de capital.

Marx apontou que a violência do Estado é geralmente desencadeada se tal combinação forçar temporariamente a lei do valor para fora de controle. No entanto, existem duas outras limitações cruciais das organizações dos trabalhadores, que são ambas baseadas nas tendências seculares de longo prazo do capital. Em primeiro lugar, a produção e acentuação das diferenças dentro do proletariado segundo as linhas de gênero e raciais, o que leva à competição entre e dentro das forças de trabalho nacionais; e em segundo lugar, a produção de populações excedentes.

Como Marx observa em relação aos conflitos nacionais e religiosos entre os ingleses e os irlandeses, esse antagonismo é o segredo da impotência da classe trabalhadora na Inglaterra, apesar do nível de organização de sua parte inglesa. É o segredo da manutenção do poder pela classe capitalista. E esta última tem plena consciência disso. [6] Não se trata apenas de uma estratégia de dividir e dominar, mas de um efeito da perseguição do capital pela mais-valia absoluta, que – assim que ampliou a jornada de trabalho ao máximo possível – incorpora esta junto das forças de trabalho das áreas onde o custo reprodutivo do trabalho é menor, e onde o trabalho necessário é portanto menor relativamente ao tempo de trabalho excedente. No Grundrisse, Marx escreve:

“O tempo excedente é o excesso do dia útil acima daquela parte que chamamos de tempo de trabalho necessário; ele existe em segundo lugar como a multiplicação de dias de trabalho simultâneos, isto é, da população trabalhadora. … É uma lei do capital … criar trabalho excedente, tempo disponível; ele pode fazer isso somente ao colocar o trabalho necessário em movimento – ou seja, entrando em troca com o trabalhador. Por conseguinte, é igualmente uma tendência do capital aumentar a população trabalhadora, bem como colocar constantemente uma parte dela como população excedente – população que é inútil até o momento em que capital possa utilizá-la. (…) É igualmente uma tendência do capital tornar o trabalho humano (relativamente) supérfluo, de modo a conduzi-lo, como trabalho humano, ao infinito.” [7]

Em segundo lugar, Marx descobre que a busca pela mais-valia relativa substitui os trabalhadores por máquinas, levando a uma tendência interna secular em direção ao crescimento de populações excedentes. [8] Assim, ao inscrever novas populações como trabalhadores e expulsando os trabalhadores existentes em favor da maquinaria, o capital produz classes trabalhadoras cada vez maiores ao lado de populações excedentes sempre maiores, o que só aumenta os desafios de suspender a lei do valor através da organização. Vemos aqui duas tendências do capitalismo: seja em crise ou em períodos de crescimento, as linhas de produção existentes irão derramar trabalho. Apesar das crises periódicas, o capital acumulará cada vez mais capital e empregará cada vez mais proletários. Isso nos dá “a lei geral da acumulação capitalista”:

“Quanto maior a riqueza social, o capital em funcionamento, a extensão e a energia de seu crescimento e, portanto, quanto maior a massa absoluta do proletariado e a produtividade do seu trabalho, maior é o exército industrial de reserva. As mesmas causas que desenvolvem o poder expansivo do capital, também desenvolvem a força de trabalho à sua disposição. Mas quanto maior for este exército de reserva em proporção ao exército de trabalho ativo, maior é a massa de uma população excedente consolidada, cuja miséria está em razão inversa à quantidade de tortura que tem de sofrer sob a forma de trabalho. Quanto mais extenso, por fim, os setores pauperizados da classe operária e do exército industrial de reserva, maior é o pauperismo oficial. Esta é a lei geral absoluta da acumulação capitalista. Como todas as outras leis, ela é modificada em seu funcionamento por muitas circunstâncias, cuja análise não nos interessa aqui.” [9]

Se tentarmos quebrar isso temos três efeitos desta lei: a expansão da massa de proletários empregados (“ativos”), do número de proletários desempregados (“reserva”), e da massa de proletários não empregáveis (“consolidados). [10] O efeito dessas duas últimas categorias é pressionar para baixo os salários, ou seja, a parte monetária da reprodução da população trabalhadora. De fato, o capital produz constantemente uma população trabalhadora relativamente redundante, isto é, uma população que é supérflua à realização de seu impulso de valorização. [11] A reprodução expandida do capital é então ambas, a reprodução ampliada tanto das populações empregadas quanto das desempregadas, estabelecendo um superávit relativo cada vez maior, um “exército de reserva descartável” criado pelo modo de produção capitalista.[12] “Toda a forma de movimento da indústria moderna depende, portanto, da transformação constante da população trabalhadora em mão-de obra desempregada ou semi-empregada.” [13]

Nas últimas décadas, essas populações excedentes foram majoritariamente produzidas pela automação ocorrida no Norte Global, enquanto que as populações excedentes do Sul Global continuam sendo vítimas do impulso combinado do crescimento populacional com a agricultura industrial nas áreas rurais (subdivisão da terra, competição capitalista e expropriação). A migração para o norte vinda das ex-colônias introduz uma população já racializada em uma força de trabalho natural do país, sendo que esta última se torna então insegura pela prática do off-shoring, automação e informalização, e saudosa do auge do trabalho no Norte durante a época da supremacia branca aberta e do estado social nacional.

Nesta crescente miserabilização do proletariado, é possível encontrar ambas, uma contradição cada vez mais profunda entre capital e trabalho – e portanto uma esperança crescente de um choque revolucionário em vez de um compromisso de classe integracionista – e uma competição crescente entre trabalhadores e entre trabalhadores e desempregados, e desta forma uma menor esperança de solidariedade e ação coletiva. Nós descobrimos essa ambivalência nos escritos da revista e coleção de escritos comunacionista Endnotes. Em sua segunda edição, a Endnotes desenvolveu uma análise estrutural que afirmava que os ciclos reprodutivos do capital e do trabalho estavam se desacoplando cada vez mais, levando a uma “crise secular” da “reprodução da relação capital-trabalho em si” e à uma pressão objetiva sobre o proletariado para abolir o capital. [14] A incapacidade do capital para satisfazer as demandas dos trabalhadores era então uma condição de possibilidade do comunismo. No entanto, em sua terceira edição, essa condição de possibilidade apareceu como uma condição de impossibilidade: “uma situação cada vez mais universal de dependência do trabalho não conduziu a uma homogeneização dos interesses. Ao contrário, o proletariado está estratificado internamente”, e seus interesses coletivos têm sido muitas vezes capturados por marcas de raça, nação, gênero, etc. [15] Essas observações nos permitem, como veremos, não mais que uma esperança baseada em uma teoria do secular aprofundamento do antagonismo entre capital e trabalho e o esgotamento de todas as possibilidades de mediação entre eles. No que se segue veremos que as meditações de Endnotes sobre as necessidades do desenvolvimento capitalista e a possibilidade abstrata de comunização nos deixam sem um método materialista da formação de classes.

3. Crise da Reprodução e Esperanças Revolucionárias.

A teoria da revolução da Endnotes baseia-se na tendência à reprodução antagonista dada pela Lei Geral de Acumulação Capitalista. Eles propõem um aprofundamento da crise da reprodução da própria relação de classe, em que a reprodução do capital e do proletariado entrará num antagonismo cada vez mais profundo:

“Com a sua própria reprodução em jogo, o proletariado não pode deixar de lutar, e é esta própria reprodução que se torna o conteúdo de suas lutas. Como a forma salarial perde sua centralidade na mediação da reprodução social, a própria produção capitalista em si parece cada vez mais supérflua ao proletariado: é isso que nos torna proletários, e que então nos abandona aqui. Em tais circunstâncias o horizonte aparece como de comunização; de tomar diretamente medidas para deter o movimento da forma valor e reproduzir-nos sem capital.” [16]

A tendência aqui descrita só pode ser vista como apontando para a direção da revolução ou da comunização se afirmarmos que o capitalismo atingiu um limite absoluto à expansão, algum esgotamento da própria teleologia capitalista. Caso contrário, o capital terá margem de manobra e concessões e nós estaríamos então lidando com um limite contingente, que não representa mais que uma janela de oportunidades revolucionárias ou campos mais fluidos de lutas. Colocando tudo em um processo totalizante global de subsunção e abjeção, a teoria da comunização descreve um processo que está caminhando para o seu limite. Esta teoria tende a reduzir a questão da revolução à sua condição estrutural: o aperto geral sobre as condições de vida. Mas como os processos de acumulação capitalista acarretam tanto a competição crescente como a atomização dos trabalhadores, as Endnotes só podem conceber a luta como a reunião espontânea dos separados, principalmente em greves e insurreições. Mas nessa dualidade de tendência objetiva e irrupção subjetiva, é facilmente negligenciado que os motins são condicionados por resistências diárias que trabalham contra a naturalização da opressão e que exploram as limitações de outras formas de reforma menos antagônicas. É igualmente fácil esquecer o papel de sussurros, rumores e camaradagens que precedem um motim, marcando o tom de sua atmosfera afetiva contagiosa de raiva e de confiança mútua. Compreender tudo isso é necessário para entender a conexão entre as “condições estruturais de possibilidade de motins” e o próprio motim. Talvez seja a crença na iminente exaustão do processo global de acumulação capitalista que torna possível negligenciar tais considerações.

Albert O. Hirschman observou uma vez que, quando Marx e Engels, no final da década de 1840 – mais marcadamente no Manifesto – pensavam que o capitalismo estava chegando ao seu limite final, eles falharam em reconhecer a capacidade do imperialismo de deslocar as contradições do capitalismo e adiar sua crise. [17] Mais problematicamente, a priorização de Marx da tese de que a revolução viria através da globalização e do esgotamento do desenvolvimento capitalista o levou a dar um breve apoio ao colonialismo como motor do processo que faria do proletariado uma realidade global e, portanto, o comunismo uma possibilidade global. [18] Esta implicação baseia-se numa reversão dialética formal abstrata, que oblitera completamente a forma como os efeitos da divisão global do trabalho são divisivos e disciplinadores, e portanto a difícil e necessária tarefa de desenvolver a solidariedade transfronteiras. Da mesma forma, segundo Hirschman, V. I. Lenin e Rosa Luxemburgo só reconheceram realmente esse poder do imperialismo quando puderam dizer que ele tinha seguido seu curso, ou seja, quando o reconhecimento não contradissesse a ideia de que a revolução é objetivamente iminente. A provocação de Hirschman levanta a seguinte questão: a orientação do desejo revolucionário dos marxistas – na medida em que é sustentado pela teoria da verdadeira teleologia do capital que segue em curso – orienta-os para longe do problema de que ainda pode haver espaços para a expansão capitalista tal como outras circunstâncias modificadoras da lei geral? [19] Mais ainda, o capital não tem a capacidade de re-subsumir áreas e populações que ele já cuspiu fora como se fossem novas para ela – uma vez que foram suficientemente desvalorizadas? O problema com a tese da exaustão é que para dar esperanças ela precisa sugerir um aprofundamento uniforme do antagonismo proletário com o capital. Isso permite à teoria evitar a questão da estratégia e da organização e permite que ela “resolva” o problema da condição proletária por meio de um simples esquema dialético à la “expropriação dos expropriadores”. Embora concordemos que esse é de fato o conceito formal da revolução comunista, ele nada diz sobre o movimento real que abole o estado atual das coisas.

Em sua crítica à teoria da comunização, Alberto Toscano relaciona sua “negligência quase total da questão da estratégia” ao “colapso ou atenuação” dos corpos coletivos capazes de projetar uma estratégia.[20] Como teoria da revolução comunista, a comunização é uma teoria da insuficiência de todas as práticas reais, mas curiosamente uma teoria da esperança. Este é o caso, porque é especulativamente derivada da observação de que o desenvolvimento capitalista implica uma contradição profunda entre a reprodução da classe operária e a reprodução do capital. Sob tais condições, o trabalho deve abolir o capital ou sofrer sua própria morte lenta como população excedente. Esta é uma teoria das “condições de possibilidade do comunismo”, na formulação kantiana da Endnotes. Como as Endnotes se concentram na “contradição movediça” entre reprodução capitalista e da classe trabalhadora, tendem a colocar a questão da composição do ponto de vista clássico de unificar “o” proletariado para produzir um sujeito histórico adequado à abolição do capital, definindo muitas vezes o proletariado de maneira excessivamente formalista, totalmente atomizado e mutuamente competitivo e desconfiado, enquanto que o problema de sua coordenação torna-se tão radicalizado que até a luta só pode ser pensada como um evento de espontaneidade e não como um processo baseado na união e no aumento da conectividade de redes já existentes de solidariedade e confiança.[21]

Como com Marx e Engels no Manifesto, o aprofundamento da miséria torna-se a ocasião para uma crença condicional no progresso, uma espécie de fé perversa de que a história progredirá pelo seu lado mau – ou talvez a tese seja meramente que se progredir pelo seu lado ruim, o fará de uma forma mais comunista desta vez, sem mediação por sindicatos e partidos, e livre do produtivismo laborista de épocas anteriores. Mas libertando-se do peso do passado desta forma, também nos encontramos no vácuo, fixando nossas esperanças na ausência da tendência positiva em que Marx e Engels penduravam seus chapéus, ou seja, na crescente organização e poder produtivo do proletariado, o veículo através do qual a miserabilização significava a possibilidade de ação em massa em vez da barbárie da guerra de todos os proletários contra todos.

Ao abordar essa tensão, as Endnotes não fornecem nenhum conceito ou táticas operacionais que possam permitir a composição ou a abolição dessas diferenças, exceto a “luta em si mesma”, que espontaneamente irá suprimir o duplo vínculo no qual os trabalhadores se encontram: “ele podem agir coletivamente se eles confiarem um no outro, mas eles podem confiar uns nos outros – em face dos riscos maciços para si e para os outros – apenas se essa confiança já tiver sido realizada na ação coletiva “. Em vez de participar do desenvolvimento coletivo e da partilha de táticas e instrumentos de luta, as Endnotes admitem o caráter especulativo de sua teoria, que eles consideram uma “terapia contra o desespero”, a resposta (revolução) para a qual os proletários ainda não formalizaram a questão. Em suma, a comunização é uma resposta cuja única questão é abstrata, ela responde não ao problema concreto da formação de classes, mas ao problema abstrato de afastar o desespero dos teóricos da revolução.

No entanto, o debate que interessa aqui não é entre formas de esperança e a possibilidade da revolução ser descoberta nas tendências históricas gerais boas ou ruins. Nem da população excedente para a comunização, nem da multidão para a comunidade, por assim dizer. É fácil entender que uma indicação teórica de esperança é necessária para evitar que a razão prática ceda ao cinismo, à melancolia ou ao oportunismo. [22] Mas tais narrativas correm o risco de nos deixar presos na problemática kantiana acerca da orientação no pensamento, segundo a qual o sujeito racional só se comprometerá com a ação prática moral se tiver esperança de que sua ação venha a promover materialmente ou espiritualmente a moralidade – e segundo a qual apenas o tipo de ação que se direciona às tendências que dão esperança pode ser vista como portadora de uma promessa histórica, que é uma promessa de algo mais do que ganhos de curto prazo e de uma eventual derrota. Para Kant, a necessidade prática do otimismo torna-se em última instância um argumento para a necessidade prática da ideia de Deus, para o Endnotes ela se torna um argumento para a contínua meditação sobre a revolução, ou seja, uma resposta para a qual os proletários não formularam a questão. Mesmo que o conceito de comunização, ao contrário do Deus de Kant, se baseia numa compreensão materialista e dialética sistemática das leis do movimento do capital, tal teoria não fornece, como vimos, uma orientação estratégica e prática da formação de classes e estratégias de reprodução, nem com um conceito de violência estatal.

Mesmo se a análise sistemática de Marx da tendência para a produção de excedentes populacionais é confirmada empiricamente, como sugerido pelas Endnotes e Aaron Benanav – Marx ainda é inflexível quanto ao fato de que ela possui muitas circunstâncias modificadoras de que ele abstrai no Capital. [23] De toda forma, enquanto Marx está certo ao excluí-los de sua exposição por razões metodológicas, não podemos extrair nenhuma lição política de uma lei sem considerar suas tendências contrárias que não só trabalham contra a tendência, mas que até mesmo a suspende. Algumas delas são internas, como a desvalorização periódica do trabalho ao ponto do trabalho tornar a produção altamente mecanizada não competitiva, o que reduziria a composição orgânica do capital. Outro moderador mais significativo é o declínio das taxas de natalidade, que Marx não leva em consideração já que considera metodologicamente o crescimento demográfico como uma variável dependente unicamente dos níveis salariais. Assim, por causa da desindustrialização, da diminuição das taxas de natalidade devido às lutas das mulheres pela saúde reprodutiva e à recusa ao cuidado da criança, à supressão violenta das taxas de natalidade pelo estado, etc. – é possível que a tendência para a população excedente seja periodicamente revertida. Além disso, o estoque disponível de mão-de-obra tem sido historicamente reduzido pela guerra, epidemias, fome e pela morte lenta provocada pela pobreza, declínio dos padrões de saúde pública e o policiamento assassino dos bairros e periferias pobres.

O que é interessante e desafiador sobre a re-atualização da teoria das populações excedentes hoje é que, ao contrário da tese da miserabilização do Manifesto Comunista, ela não se baseia numa tese do gradual emburguesamento do mundo ou na homogeneização do proletariado. A realidade das populações excedentes coloca, em vez disso, a questão de uma crise generalizada da reprodução, e a multiplicidade de estratégias de sobrevivência que dela surgem, incluindo modos de apropriação da riqueza muito aquém da revolução propriamente dita, lutas das mulheres, e de várias formas de violência estatal e para-estatal.[24] Invertendo a relação entre teoria e prática, ela coloca uma questão bastante não-kantiana: o que significa orientar a prática revolucionária do ponto de vista do problema da condição proletária e dos múltiplos modos de vivê-la?

4. O problema comum da reprodução

Vimos como a condição proletária é melhor compreendida como uma separação dos meios de reprodução. Esta é a condição para o capital organizar os proletários como trabalhadores assalariados. Novas separações são constantemente produzidas pelo impulso expansivo do capital pela mais-valia absoluta, uma tendência através da qual novas populações são sempre incluídas na força de trabalho – as mulheres e os produtores agrícolas em primeiro lugar. [25] Além disso, vimos como o impulso pela mais-valia relativa tende a cuspir fora mais trabalhadores, tornando-os supérfluos à produção capitalista. No curso de longos períodos de desemprego em massa, e como efeito do declínio secular do emprego, vemos um crescimento da população excedente consolidada, isto é, uma população incapaz, relutante a trabalhar, devido à saúde precária, à idade; ou – o que Marx só menciona – porque adotou outro modo de reprodução.

A acumulação primitiva violentamente destruiu e destrói modos anteriores de reprodução. Na Europa Feudal como no Sul Global de hoje e nos tempos coloniais, a acumulação primitiva rompe os laços habituais de autoridade, bem como o vínculo orgânico dos camponeses com a terra e deixa os indivíduos atomizados e desprovidos dos meios e relações necessários para sobreviver e efetivar seus potenciais. A análise retrospectiva de Marx sobre a acumulação primitiva no Capital concentra-se em como esse processo leva à criação de uma massa de proletários, que tiveram de se combinar com o capital como trabalhadores para sobreviver. No entanto, vemos também em sua narrativa o esboço de um conjunto diferente de histórias de lutas contra os cercamentos, greves de fome, e das estratégias criminalizadas, e portanto subversivas, de sobrevivência e reprodução. A impotencialidade dos indivíduos teve e tem de ser reforçada pela violência privada e pública, a sua propensão a se combinar autonomamente ou dentro e contra os seus locais de trabalho tornaram o processo de integração do proletariado na vida laboral um processo prolongado.[26]

Em conjunto com a repressão de outros modos de sobrevivência, o dinheiro se desenvolve como uma condição geral para a participação na sociedade: se você não tem, você é obrigado a obtê-lo, seja trabalhando, roubando, vendendo a si mesmo ou casando com alguém que tem dinheiro. Em outras palavras, os proletários têm de se reproduzir através da troca. Entretanto, isso não nos dá senão a forma social abstrata pela qual o trabalho é reproduzido; de fato, as maneiras pelas quais o trabalho assume essa forma são inumeráveis. Por trás do problema comum dos proletários (expropriação dos meios de re/produção) e da sua “solução” comum (dinheiro) reside uma multiplicidade de modos heterogêneos de vida através dos quais a condição proletária pode e precisa ser vivida. Assim, como mostra Silvia Federici:

“(…) a acumulação primitiva … não era simplesmente uma acumulação e concentração de trabalhadores exploráveis e capital. Foi também um acúmulo de diferenças e divisões dentro da classe operária, em que as hierarquias construídas sobre o gênero, assim como a “raça” e a idade, se tornaram constitutivas do domínio de classe e da formação do proletariado moderno.” [27]

O que também está implícito aqui é que como a reprodução do proletariado se tornou mediada pelo salário, ela não aboliu a auto-reprodução proletária; o salário raramente foi suficientemente alto para que os trabalhadores pudessem obter todos os meios de sua reprodução (alimentos prontos para consumo, sexo, limpeza, cuidados de saúde) diretamente no mercado [28]. Ao contrário, o salário se tornou uma forma através da qual o trabalho reprodutor não remunerado das mulheres, mas também das crianças e outros dependentes, foi mediado através do salário majoritariamente masculino, produzindo o que Mariarosa Dalla Costa chama de patriarcado do salário.[29] Enquanto a análise de Marx se concentra primeiro na acumulação de “homens”, e depois na produção e reprodução do capital através da sua exploração, autores como Federici, Fortunati, Dalla Costa e James fornecem uma teoria da condição de possibilidade da análise de Marx: a produção e reprodução da própria força de trabalho.[30] Para entender a história de como as lutas pela reprodução começaram a declinar, não basta analisar a integração dos proletários no trabalho assalariado e a criminalização das práticas reprodutivas alternativas. Nós devemos entender com Federici como um dos efeitos desta guerra sobre as mulheres, cujo episódio mais violento foi a caça às bruxas, foi que o proletariado foi dividido. [31] O efeito desta guerra não foi apenas a acumulação primitiva e a disciplina dos corpos das mulheres pelo capital, estado e igreja, mas também a subordinação das mulheres proletárias aos homens proletários. Para esses homens, a luta pela reprodução era muitas vezes – e uma vez que os caminhos alternativos estavam esgotados – uma luta para encontrar mulheres que pudessem reproduzi-los. À macro-violência do clero e do Estado, acrescentou-se uma micro-violência do cotidiano, recorrendo frequentemente aos recursos discursivos e às imagens produzidas pelos primeiros. A compulsão econômica e a violência extra-econômica são inseparáveis mas ainda distinguíveis sob o capitalismo.

A destruição das diferentes formas de auto-organização reprodutiva dos proletários não implicava a destruição da reprodução proletária enquanto tal, mas a criação da família nuclear moderna, no âmbito da qual o trabalho reprodutivo não remunerado cuidava das necessidades reprodutivas das crianças e dos trabalhadores assalariados, para que os trabalhadores pudessem permanecer corpos produtivos livres mutuamente competitivos. Então podemos compreender a família moderna como uma unidade de sobrevivência essencial numa condição de insegurança, mas temos de compreender como a estabilidade deste modelo familiar nuclear está inextricavelmente ligada à estabilidade do salário masculino.

Assim, se lermos juntos os capítulos de Marx sobre a acumulação primitiva com sua análise das tendências gerais da acumulação capitalista, devemos concluir que as lutas pela reprodução estão se tornando uma questão cada vez mais importante, não apenas sob a forma de lutas sobre o salário e o dia de trabalho, mas como defesas do bem-estar (o salário social), e lutas para apropriar-se dos meios de reprodução ou contra sua expropriação. Se o proletariado é, como escrevem as Endnotes e Benanav, “antes de uma classe operária em transição, uma classe trabalhadora tendente a se tornar uma classe excluída do trabalho”, devemos notar também que ela é uma classe cada vez mais necessitada de meios alternativos para garantir sua própria reprodução. Antes que isso se torne uma questão de luta revolucionária trata-se de soluções cotidianas e de resistências ao problema da reprodução proletária.

5. Diferenciação proletária

Marx conceitua o problema da condição proletária de duas maneiras: em termos de sua exploração e em termos de sua expropriação. Se o primeiro se refere à classe trabalhadora (assalariada), este último se refere a qualquer pessoa separada dos meios de re/produção, um indigente virtual ou real. Marx reconheceu que o proletariado também tenta sobreviver fora da relação-capital, como lumpenproletariado, rural ou urbano. Esta classe vive como um insider excluído da “compulsão silenciosa das relações econômicas”, diante não da exploração, mas da “força extra-econômica direta que ainda é … usada, mas somente em casos excepcionais”. [32] Marx havia introduzido pela primeira vez o lumpenproletariado numa discussão da visão romântica de Max Stirner de ragamuffins e lazzaroni não-produtivos e que recusavam trabalho. Depois de 1848, o problema do lumpenproletariado torna-se um problema da revolução fracassada, dos proletários que se vendiam aos reacionários. Essa abordagem, que enfatiza a diferença entre a classe trabalhadora e o lumpen, e que contém certos momentos de moralização sob a perspectiva da ética do trabalho e da lei e ordem, tem sido, desde então, a corrente principal do Marxismo, com as mais notáveis exceções em Frantz Fanon e o partido dos Panteras Negras.

O foco de Marx no contraste entre a produtividade do proletariado e o “parasitismo” do lumpenproletariado reflete os critérios capitalistas de produção de valor, em vez de se questionar sobre a condição comum dos dois, e a fronteira muitas vezes turva entre eles. Teorizar o proletariado como diferenciado em operários e lumpenproletários implica não priorizar o problema da exploração sobre a dominação ou vice-versa, mas sim vê-los como diferentes maneiras pelas quais os proletários vivem sua condição: nos casos extremos apenas alguns sofrem diretamente a dominação ou exploração, mas, majoritariamente, os proletários são confrontados com um tipo de mistura de ambos. E através da mediação da competição por empregos e de carteiras de Estado, etc., todos os proletários são sempre indiretamente submetidos a ambos, mas de forma desigual, em que alguns são relativamente privilegiados sobre os outros.

Assim, o trabalho assalariado é uma das muitas maneiras pelas quais os proletários tentam resolver o problema da separação. Se o proletário é um indigente virtual, então na condição proletária (para levar esta palavra no sentido da “condição humana”, mas histórica e negativa), o proletariado é estratificado em diferentes estratégias para lidar com esse problema:

proletariado II

Na análise de Marx, a análise do proletariado não se limita ao proletariado industrial que trabalha ativamente, que era tão central na estratégia sindical, socialista e comunista nos séculos XIX e XX. Se o proletariado consiste, como afirmou Engels em 1888, na ” classe dos trabalhadores assalariados modernos que, não tendo meios de produção próprios, são reduzidos a vender sua força de trabalho para viver”, devemos notar que isto não implica que eles encontrem compradores dispostos.[33] O proletariado consiste, portanto, tanto nos empregados como nos desempregados. Se o proletariado e o lumpenproletariado não são aglomerações de indivíduos concretos, mas modos de vida nos quais os indivíduos entram e saem de acordo com a necessidade e a disponibilidade de trabalho ou outras estratégias de sobrevivência, as distinções começam a borrar. No entanto, é certo que conflitos frequentes entre essas populações podem surgir, tanto por razões morais (por exemplo, a ética de trabalho protestante) quanto pelo impacto negativo da criminalidade na vida cotidiana dos trabalhadores. [34] O que distingue o lumpenproletariado dos desempregados é seu modo de vida, suas estratégias cotidianas de agressão, roubo e trabalho sexual, uma subjetividade ou conduta que tende a torná-lo “inimpregáveis”, ao passo que o desempregado obediente a lei procura permanentemente trabalho. De maneira similar, há conflitos entre os desempregados e os empregados, mais obviamente a pressão descendente sobre os salários e as condições de trabalho exercidas pelos primeiros, ou as lutas pela segurança de emprego por parte dos últimos. Esses grupos não podem portanto compartilhar as mesmas estratégias para lidar com sua condição de classe: os trabalhadores rejeitam o “parasitismo e a criminalidade” do lumpen. Os desempregados competem uns com os outros e pressionam os salários dos empregados. Muitos trabalhadores empregados lutam contra a inclusão no mercado de trabalho de novos grupos (mulheres, lumpen, imigrantes, negros) para manter sua posição. Finalmente, aqueles que reproduzem a força de trabalho – principalmente as mulheres – estão sob pressão da própria força de trabalho, para reproduzi-la. Isto é o que significa que diferentes partes do proletariado vivem a condição proletária de forma diferente. Agora se torna mais claro o que está em jogo no problema da formação de classes.

6. A formação das classe através das lutas

Marx distingue entre as formas que subsumem as classes (a forma-valor, a forma-dinheiro, a forma-capital, a forma-estado, etc.) e o processo ativo de formação das classes em luta. [35] Essa distinção reaparece na noção de composição de classe do “Operaismo”, que tem tanto uma forma passiva como ativa: a composição da classe como trabalhadores, e o esforço ativo de compor os elementos da classe, autonomamente. “A composição da classe política … é determinada pelo modo como as condições “objetivas” de exploração são apropriadas ‘subjetivamente’ pela classe e dirigidas contra essas mesmas condições.”[36] É útil aqui recuperar uma passagem da Ideologia Alemã descrevendo a formação ativa e passiva de classe:

“Os indivíduos separados formam uma classe somente na medida em que têm de realizar uma batalha comum contra outra classe; caso contrário eles são termos hostis uns com os outros como competidores. Por outro lado, a classe por sua vez alcança uma existência independente contra os indivíduos, de forma que estes encontram suas condições de existência predestinadas e, portanto, têm sua posição na vida e seu desenvolvimento pessoal atribuído a eles por sua classe, se tornam subsumidas sob ela. Este é o mesmo fenômeno que a sujeição dos indivíduos separados à divisão do trabalho e só pode ser removida pela abolição da propriedade privada e do próprio trabalho.” [37]

Os indivíduos são formados como uma classe, através de sua subsunção e limitação na rede de necessidades de sua condição social, mas estão formando uma classe através de uma luta comum. Quando não há uma luta comum, aqueles que poderiam formar uma classe recaem na competição interna ou na indiferença mútua. Na ausência de lutas comuns, os “interesses de classe objetivos” tornam-se slogans abstratos em comparação com a realidade concreta dos interesses do indivíduo e das famílias em competir com os outros por recursos escassos. Isso deveria nos dizer porque as tentativas de “elevar a consciência proletária” são geralmente encontradas com escárnio. Dizer que as pessoas compartilham um problema comum para o qual há uma solução comum é uma verdade abstrata, que por si só convencerá muito poucos a compor na luta comum; isto requer confiança mútua e na tática da luta. Um problema comum é apenas um problema se uma solução pode ser imaginada; se não, é simplesmente uma condição, um fato dado, preocupante, que pode também imbuir cinismo e oportunismo. As lutas só surgem onde as pessoas acreditam – racional e afetivamente – que a resposta coletiva a um problema é melhor do que ou complementar à maneira como lidam com sua condição no cotidiano.

A última parte da citação indica que o problema da condição proletária não pode ser finalmente “resolvida”, mas apenas dissolvida, através da “abolição da propriedade privada e do próprio trabalho”. Assim, o problema persistirá e insistirá através de todas as tentativas de soluções, sejam elas individuais ou coletivas. Esta é uma das razões para o investimento de esperança em representantes políticos que podem resolver o problema, as religiões que prometem a salvação do outro mundo e as drogas que ajudam você a esquecer toda a bagunça. Isso também fornece uma justificativa para as projeções da teoria comunista, na medida em que projeta uma solução que, pelo menos, repousa sobre a auto-atividade coletiva dos crentes.

Mas é importante que este horizonte comunista não seja construído como uma questão de superar e negar estratégias individuais de reprodução, no sentido de elevar-se ao nível da universalidade da classe na uniformidade de seu antagonismo com o capital. Ao contrário, a tarefa prática da composição de classe – que é necessária para colocar o problema da abolição da condição proletária concretamente em vez de permanecer presa na competição mútua e na esperança abstrata – consiste em desenvolver estratégias coletivas de vida e sobrevivência que combinem, suplementem ou tornem supérfluas formas de reprodução individualizadas.

“Se o primeiro objetivo da resistência era meramente a manutenção dos salários, as combinações, inicialmente isoladas, se constituíam em grupos à medida que os capitalistas de seu lado se uniam para fins de repressão, e diante do capital cada vez mais unido, a manutenção da associação se tornava mais necessária do que os salários. Isso é tão verdadeiro que os economistas ingleses ficam espantados ao ver os trabalhadores sacrificarem uma boa parte de seus salários em favor das associações que, aos olhos desses economistas, são estabelecidas unicamente em favor dos salários.” [38]

Marx faz este argumento, que é claramente orientado pela prática dos trabalhadores ingleses, contra a rejeição teórica de Proudhon das combinações dos trabalhadores. Proudhon argumenta contra as combinações dos trabalhadores pelo o que eles alcançarão, mesmo se ganharem aumentos de salários: a classe capitalista vai empurrar salários para baixo para compensar os lucros perdidos, o custo da organização será maior do que o ganho, e no fim do dia os trabalhadores ainda serão trabalhadores, os mestres ainda mestres. Quando questiona o lado econômico do argumento de Proudhon, o foco de Marx nas experiências dos trabalhadores de Bolton sugere que algo mais, e mais importante do que os salários, podem ser obtidos com as combinações e a luta.[39]

No entanto, o problema da condição proletária é muito mais amplo do que qualquer organização existente ou mesmo possível do trabalho assalariado. Em face do excesso de população, os sindicatos terão o seu poder de negociação minado pela concorrência crescente dos não-empregados ou dos sub-empregados, e alguns se empenharão numa batalha perdida para diminuir a concorrência reforçando a exclusão de alguns grupos por razões de raça, gênero, ou status de cidadania. W.E.B Du Bois apontou para esse problema, quando escreveu sobre a classe trabalhadora negra nos Estados Unidos:

“Teoricamente, somos uma parte do proletariado mundial no sentido de que somos a principal classe explorada de trabalhadores baratos; mas do ponto de vista prático nós não somos parte do proletariado branco e não somos reconhecidos por esse proletariado em nenhuma grande medida. Nós somos vítimas da sua opressão física, do ostracismo social, da exclusão económica e do ódio pessoal; e quando em auto-defesa nós buscamos a pura subsistência absoluta nós somos empurrados para baixo como ‘sarnas’.” [40]

O problema da separação proletária somente pode ser atacado nesses pontos nodais onde soluções comuns podem ser produzidas e as formas de competição – racializadas, de gênero, nacionalistas, etc., podem ser minadas. Isto implica, de forma bastante significativa, o desafio de pensar as condições da composição daqueles que não fazem parte de um local de trabalho, o que, na escrita de Marx, é quintessencialmente o problema dos camponeses e dos lumpen-proletários levantados no 18 Brumário.

7. As condições materiais da composição

Enquanto o Manifesto Comunista, escrito pouco antes das Revoluções de 1848, foi uma meditação sobre a tendência histórica para a miserabilização, o poder de classe proletário e a revolução, Marx escreveu O 18 Brumário em 1852 como um reflexo do fracasso dessa revolução, particularmente um fracasso que foi devido ao fracasso do proletariado em compor com os lumpen e os camponeses.[41] É útil retornar a este texto hoje, quando é claro que a tendência geral para o excesso de população nos deixa com uma teoria da dificuldade da revolução, como também de sua urgência. Nele Marx desenvolveu uma teoria materialista da composição de classes, como um corretivo das projeções gerais, historicistas, do Manifesto. O Brumário é muitas vezes lido como um texto em que o problema das divisões de classe – entre proletários e entre o proletariado e seus aliados – é sobre proletários esclarecidos se organizando em torno de seu interesse e objetivo comum, sobre estabelecer alianças com as organizações de outras classes, e sobre encontrar maneiras de representar politicamente os resíduos desorganizados e “não esclarecidos” do proletariado e de outras classes subalternas. Assim a questão da estratégia e da força se reduz à questão da recomposição das forças políticas com vista a estabelecer novas alianças de classe. No entanto, se olhamos cuidadosamente as reflexões de Marx sobre as classes no texto, vemos que é uma profunda reflexão sobre a relação entre as classes como categorias constituídas de pessoas, e as respostas cambiantes e inerentemente práticas e existenciais à contingência da reprodução proletária através das quais as classes se cristalizam ou dissipam. A análise de Marx do caos da crise revolucionária somente em termos de sua contingência política está implicitamente mas indiscutivelmente moldada por pressuposições sobre a questão da contingência reprodutiva.

7.1 O campesinato

O 18 Brumário conceitua o problema da separação em suas formas mais radicais, mais dispersas e isoladas: os pequenos camponeses, uma massa de semi-proletários que estão sendo minados pelo desenvolvimento dos mercados de comida, impostos e o lumpenproletariado. A análise de Marx da parte contra-revolucionária do lumpenproletariado, organizada por Bonaparte, toca bastante profundamente na questão da reprodução. Ele não somente lhes ofereceu representação e proteção parcial, mas uma solução temporária para sua condição de insegurança e pobreza: pagamento, camaradagem e uma missão. Enquanto o lumpenproletariado assegurava o domínio de Louis Bonaparte nas ruas parisienses, foi o campesinato que o elegeu em dezembro de 1848. Marx pergunta o que existe na vida camponesa que os tornou suscetíveis a eleger um líder tão estranho para eles. Diferentemente da pequena burguesia, o campesinato não produz trabalho intelectual ou entra facilmente em contato com intelectuais mais ou menos orgânicos. Isso nos dá a base da declaração muitas vezes criticada de Marx de que os pequenos camponeses são:

“Incapazes de afirmar seu interesse de classe em seu próprio nome, seja através de um parlamento ou de uma convenção. Eles não podem representar [vertreten] a si mesmos, eles precisam ser representados [vertreten]. Seu representante precisa, ao mesmo tempo, aparecer como seu mestre, como uma autoridade sobre eles, um poder governamental ilimitado que os protege das outras classes e lhes envia chuva e luz do sol de cima. A influência política dos pequenos camponeses, portanto, encontra sua expressão final no poder executivo que subordina a sociedade a si mesma”. [42]

Mas o que é isso no modo de vida dos camponeses que os faz suscetíveis a esse modo de representação, ‘Vertretung’? Aqui devemos perguntar como Bonaparte se tornou uma resposta à necessidade de orientação e representação do campesinato. Compreendendo esta necessidade, entendemos como ela poderia ser satisfeita por um movimento de composição revolucionária. A investigação de Marx sobre este problema começa não com a consciência dos camponeses, mas com uma descrição do modo de vida específico dos camponeses, seus problemas e as possíveis soluções:

“Os pequenos camponeses formam uma vasta massa, cujos membros vivem em condições semelhantes mas sem entrar em múltiplas relações uns com os outros. Seu modo de produção os isola um do outro, em vez de levá-los a relações mútuas. O isolamento é favorecido pelos meios de comunicação ruins da França e pela pobreza dos camponeses. (…) Cada família camponesa individual é quase auto-suficiente … e assim [o campesinato] adquire seus meios de vida preponderantemente através de um intercâmbio com a natureza do que com as relações com a sociedade. Uma pequena propriedade para exploração, o camponês e sua família; ao lado deles outra pequena exploração, outro camponês e outra família. Algumas dessas constituem uma aldeia, e algumas aldeias compõem um Departamento. Desta forma, a grande massa da nação francesa é formada pela simples adição de magnitudes homólogas, assim como batatas em um saco formam um saco de batatas.”[43]

Assim, o cotidiano e o modo de (re) produção dos camponeses os separa uns dos outros, tornando difícil a constituição de quaisquer coletividades políticas. E ao contrário dos proletários urbanos isolados que vivem em estreita proximidade e frequentam os mesmos locais de trabalho, as famílias camponesas vivem vidas estacionárias com poucos vizinhos. [44] De onde um discurso que parte da necessidade da ciência e da ideologia pergunte: como os camponeses podem ser representados e como eles podem ser esclarecidos sobre as condições em que vivem, um inquérito que começou com a forma como os camponeses estão vivendo sua condição termina com resultados diferentes:

“Na medida em que milhões de famílias vivem em condições de existência que separam seu modo de vida, seus interesses e sua cultura das demais classes, e as colocam em oposição hostil a estas últimas, elas formam uma classe. Na medida em que existe apenas uma interconexão local entre esses pequenos camponeses e que a identidade de seus interesses não forma uma comunidade, nenhum vínculo nacional, nem organização política entre eles, eles não constituem uma classe.” [45]

O campesinato vive esse problema comum, mas o próprio caráter do problema em si, assim como os meios de comunicação limitados dos camponeses e seu modo de vida localizado, significa que, embora formado como uma classe, ele não pode formar uma classe. Isso mostra o caráter estritamente relacional e auto-referencial do conceito de classe de Marx; os camponeses compartilham certos problemas (as flutuações de mercado dos preços de seus produtos, a competição, sua escravização ao capital por meio da dívida), mas as maneiras pelos quais estes são formulados e tratados são locais. [46] Embora isso possa criar ou manter fortes laços de comunidades locais e economias morais, a população camponesa como um todo é uma mera massa. Ela não encontra a coletividade em que esses problemas poderiam ser articulados como interesses comuns, onde as lutas cotidianas de cada família ou aldeia camponesa poderiam se tornar uma luta comum.

O isolamento dos pequenos camponeses significava que eles estavam perdidos para a revolução: em vez disso eles foram unidos por Bonaparte, um homem em cuja fama e poder estes camponeses individuais encontraram um protetor. Sua confiança nele como seu representante se baseava na memória histórica de sua aliança com o velho Napoleão. Uma massa, heterogênea e conectada por localidade (como o lumpen) ou relativamente uniforme e separada (como o campesinato), é mais facilmente unida sob um mestre ou significante-mestre. No entanto, o isolamento também aponta para o fato de que um movimento que desenvolve os meios técnicos e formas organizacionais através das quais os camponeses podem se comunicar e se ligar é aquele que abolirá a necessidade de um representante e permitirá ao campesinato se representar a si mesmo. E, na verdade, a maioria das revoluções e das lutas anticoloniais bem-sucedidas do século XX – na China de forma mais paradigmática – foram em grande parte bem-sucedidas devido ao envolvimento central de camponeses, em parte devido a uma reavaliação comunista do campesinato, em parte devido ao aumento da capacidade de transporte e comunicação e, portanto, de coordenação devida a telégrafos, telefones, vias férreas, automóveis, etc.

Embora as mudanças nos meios de comunicação e de transporte não fossem uma variável relevante na descrição de um período revolucionário e contrarrevolucionário de quatro anos, ele considerou o devir revolucionário do campesinato. Assim, ele investiu suas esperanças na organização revolucionária do pequeno campesinato em função do agravamento de sua condição, apontando para a possibilidade de que uma mudança no caráter do problema dos camponeses poderia levá-los a procurar seu representante no proletariado. Em suma, Marx não sugeriu que os camponeses não pudessem ser revolucionários:

“A dinastia Bonaparte representa não o revolucionário, mas o camponês conservador; não o camponês que ultrapassa a condição de sua existência social, a pequena propriedade, mas sim aquele que quer consolidar sua propriedade; não os camponeses que em aliança com as cidades querem derrubar a velha ordem por suas próprias energias, mas, ao contrário, aqueles que, em sólida reclusão dentro desta antiga ordem, querem ver a si mesmos e a suas pequenas propriedades salvas e favorecidas pelo fantasma do Império.” [47]

Marx define os revolucionários como aqueles que buscam abolir a velha ordem, em vez de melhorar sua posição dentro dela, aqueles que optam por um futuro diferente ao invés de uma repetição do passado no presente. Além disso, ele observa que as fileiras dos camponeses revolucionários tendem a inchar com o crescimento do lumpenproletariado rural, “os cinco milhões que pairam na margem da existência e que possuem suas sombras no próprio campo” ou que se movem em vai e volta entre cidade e campo com “seus trapos e seus filhos”, lembrando-nos das análises contemporâneas de Jan Breman sobre a circulação e migração de mão-de-obra sem ou pobre em terra no Sul e Sudeste da Ásia. [48] À medida que a pequena classe camponesa é atraída para a ordem burguesa, a consolidação conservadora se tornará uma opção para ainda menos camponeses; em outras palavras, as estratégias e os modos de viver a condição camponesa mudarão à medida que essa condição muda. Agora, Marx escreve (no que certamente foi também uma intervenção estratégica num processo de composição de classe), os interesses dos camponeses estão próximos aos do proletariado urbano, onde encontrarão um “aliado natural e líder” – enquanto muitos jovens camponeses lumpen serão perdidos para o exército.[49] O terreno da luta e da composição política da classe também muda – a maioria dos camponeses não mais encontra seus interesses alinhados com a burguesia, como sob Napoleão, mas se voltando contra ela. Assim, enquanto Bonaparte gostaria de aparecer como o “benfeitor patriarcal de todas as classes … ele não pode dar a uma classe sem tirar de outra”, restringindo severamente sua capacidade de unir classes diferentes sob sua representação. [50]

Curiosamente, a liderança proletária sobre o campesinato defendida por Marx parece instalá-la em posição de representação do campesinato isolado, semelhante ao do príncipe moderno Bonaparte, por um lado, ou um certo automatismo por parte deles para se juntar ao proletariado da cidade – em vez do lumpen. Parece, portanto, que nossa leitura nos leva à interpretação bastante tradicional de que Marx – de acordo com a lógica de ferro de seu próprio argumento – só poderia ser o campeão do proletariado industrial. No entanto, Marx não é hostil aos camponeses per se, nem, como vimos, apresenta os camponeses como necessariamente contra-revolucionários. Os argumentos em torno de sua subordinação à liderança proletária referem-se principalmente ao desenvolvimento dos meios de comunicação e combinação, ou seja, os meios de se relacionar e compor na luta, e de se representarem a si mesmos. Como vemos no caso da pequena burguesia, é o caráter de seu modo de vida, seus problemas e soluções, que os mantém conformistas: na medida que seu problema está mudando, então também sua orientação política irá mudar. Em A Guerra Civil na França, escrita em 1871, Marx pergunta: “como poderia [a lealdade anterior dos camponeses a Bonaparte] ter resistido ao apelo da Comuna aos interesses vivos e aos desejos urgentes do campesinato?” A assembleia rural reacionária de proprietários de terras, oficiais, rentistas e negociantes…

“Sabia que três meses de comunicação livre da Paris Comunal com as províncias levaria a um levantamento geral dos camponeses, e daí a sua ansiedade para estabelecer um bloqueio policial em torno de Paris, como para impedir a propagação da peste bovina.” [51]

No 18 Brumário, Marx era hostil ao lumpenproletariado, cético das capacidades revolucionárias do campesinato, e esperançoso com o proletariado urbano. Toda a questão aqui é ter em mente que as reflexões de Marx, embora informadas por uma análise estrutural, são antes de tudo conjunturais. Elas se concentram nas condições materiais de combinar ou aliar o que está separado em torno de lutas comuns, e na invenção e construção de novas soluções para os problemas dos tempos e da vida. As tecnologias de comunicação (meios de contágio, por assim dizer) e a capacidade de superar ou contornar a força do Estado são decisivas. Mas antes de tudo, trata-se de alinhar e moldar os interesses das populações sob a pressão do tempo. Em sua refutação da crítica de Bakunin de que ele deseja tornar o proletariado o mestre dos camponeses, Marx observa que é simplesmente uma questão de interesses de composição. Com os camponeses proprietários é uma questão do proletariado fazer com eles ao menos o que a burguesia é capaz de fazer, enquanto os trabalhadores agrícolas proletários podem se organizar com os proletários imediatamente, na medida em que aí estratégias reprodutivas podem ser compostas. Finalmente, no que se refere aos trabalhadores rurais, o objetivo não é uma mera aliança de classe, mas uma reorganização de sua reprodução em direção à propriedade comunal, sem antagonizar os camponeses, isto é, sem coletivá-los à força ou remover seus direitos à terra. [52] Nós vemos aqui como Marx entende a composição de classe como uma questão de compor diferentes lutas em torno da reprodução, e não de fingir que essa diferença é simplesmente uma ilusão escondendo sua essência, identidade ou problema comum.

7.2 Compondo com o lumpen

Levantar o problema da composição de classe do campesinato hoje e já nos tempos de Marx, é discutir as lutas em torno do risco ou da realidade da falta de terra ou da pobreza e da dívida. Em conjunto com a questão das populações excedentárias produzidas pela mecanização (o que também acontece na agricultura industrial), isso nos leva ao problema do lumpenproletariado, como condição extrema, informal, e como modo de sobrevivência e morte.

Já no Manifesto Marx e Engels advertiram contra esse grupo:

“A “classe perigosa”, a escória social, essa massa passivamente apodrecida jogada fora pelas camadas mais baixas da velha sociedade pode talvez, aqui e ali, ser tragada para o movimento por uma revolução proletária; suas condições de vida, entretanto, preparam-na muito mais para ser parte de uma ferramenta subordinada à intriga reacionária.” [53]

No 18 Brumário, o lumpenproletariado retorna como uma figura problemática para o esquema de revolução de Marx: como classe os lumpen são irrefutavelmente um produto da sociedade burguesa e sua dinâmica, e uma classe de necessidades radicais, porém organizada contra a revolução de 1848 na França.

“A Revolução de Fevereiro expulsou o exército para fora de Paris. A Guarda Nacional, ou seja, a burguesia em suas diferentes gradações, constituía o único poder. Sozinha, no entanto, não se sentia em condições de competir com o proletariado. Mais ainda, forçou-se gradualmente e de forma fragmentária a abrir suas fileiras e admitir proletários armados, ainda que após a resistência mais tenaz e depois de criar uma centena de obstáculos diferentes. Consequentemente, restava apenas uma saída: jogar parte do proletariado contra o outro.” [54]

Assim entra o lumpenproletariado na narrativa do fracasso da revolução, que se tornou historicamente relevante em função dos 24 mil jovens recrutados pela Guarda Móvel para suprimir o proletariado revolucionário. O ceticismo de Marx relativamente ao lumpenproletariado é o resultado de sua consciência de como as alianças políticas de uma classe são moldadas pelas maneiras através das quais essa classe se reproduz. Embora isto não o tenha levado a sugerir que a recomposição política pode ser alcançada através da recomposição da reprodução, nós veremos que tais conclusões podem e devem ser tiradas de seus escritos sobre o lumpen.

No 18 Brumário, pode parecer que Marx recai na ideia organicista de parasitismo quando, invocando a nação, escreve que os lumpen, como seu chefe Louis Bonaparte, “sentiram a necessidade de se beneficiar às custas da nação trabalhadora.”[55] No entanto, a “nação” de Marx como vítima aparece ironicamente, em relação à auto-representação consistente de Louis Bonaparte como salvador da nação. O que Bonaparte e o lumpenproletariado têm em comum é o seu caráter de elementos flutuantes na situação – se Bonaparte eventualmente se torna a figura que une interesses de classe contraditórios é precisamente por causa de sua aparente elevação acima das classes. Por outro lado, o lumpenproletariado foi explorado exatamente como um elemento que não tem estabilidade ou participação estável na sociedade. Para Bonaparte – como para a aristocracia financeira – é preciso abstrações e dinheiro para explorar uma situação instável. Um exemplo significativo é o caso dos jovens membros da Guarda Móvel, que foram cativados pelas “fanfarronices sobre a morte pela pátria e a devoção à República” [56] dos oficiais bonapartistas. Além dessa sedução ideológica, foi necessária a corrupção monetária (1 franco e 50 centimes por dia) para trazer os maleáveis jovens lumpenproletários para as fileiras bonapartistas.[57] O problema do lumpenproletariado pode não ser que eles sejam o produto paradoxal da sociedade burguesa que se interpõe no caminho da revolução histórica mundial, mas que seu intempestivo desraizamento é tão contemporâneo nos momentos em que “todo que é sólido se desmancha no ar”, que sua organização na revolução requer um modo totalmente diferente de composição política.

É claro que o caráter contrarrevolucionário desse grupo de lumpenproletários majoritariamente jovens e homens não permite que se faça qualquer pontuação geral sobre o lumpenproletariado como tal. Considere os números de Marx: 25.000 na Guarda Móvel em comparação com 4 milhões de “reconhecidamente pobres, vagabundos, criminosos e prostitutas na França” – grande parte destes mulheres.[58] Ainda mesmo, mesmo esta particular seção que se matriculou na Guarda Móvel, “capaz de os atos mais heroicos e os sacrifícios mais exaltados, como o banditismo mais vulgar e a corrupção mais suja”, não podem ser considerados contra-revolucionário per se [59]. De fato, enquanto Marx não sugere nenhuma tática pela qual os lumpenproletários pudessem ser conquistados para a causa revolucionária, sua descrição de como eles se tornaram contra-revolucionários implica que outras articulações ideológicas e outras formas de satisfazer suas necessidades poderiam levá-los a outra causa. Aqui temos necessidades radicais que não são definíveis em termos de interesses de classe estáveis, mas sim como interesses hesitantes de um grupo heterogêneo que pode compor com quem puder ajudar a satisfazer suas necessidades e desejos, com quem puder compartilhar um slogan, uma ideia e uma refeição (tal como, devemos acrescentar, a própria classe trabalhadora antes de ser ideologicamente e organizacionalmente homogeneizada pelo movimento operário). A partir dessa perspectiva das necessidades e da sede de ideias e convívio, o problema dos lumpenproletários para a revolução já não é que seus modos de vida sejam essencialmente contra-revolucionários, mas que eles, ao contrário dos trabalhadores alimentados pelo capital, não serão satisfeitos por slogans, mas apenas por pagamento em dinheiro e alimentos (e por um pouco de licença moral). Não há, portanto, nenhuma razão estrutural para que a orientação estratégica de Marx não pudesse atender à urgência do apelo de Frantz Fanon para organizar o (na maior parte sem terra, rural) lumpenproletariado, cujas alianças nunca são dadas antecipadamente, mas que sempre participarão do conflito: “Se esta reserva disponível de esforço humano não for imediatamente organizada pelas forças da rebelião, elas serão encontradas lutando como soldados alugados ao lado das tropas coloniais.” [60] E não há nenhuma razão estrutural – muito pelo contrário – para que os comunistas não devessem olhar para as práticas das Panteras Negras, que partiram da questão da auto-deferência armada e legal de uma população excedente contra o policiamento racista de suas formas alternativas de sobrevivência – suas economias informais e apertadas – e avançou para a implementação de programas de sobrevivência que atraíram dezenas de milhares para a luta e para as poderosas campanhas eleitorais municipais em Oakland, Califórnia.[61]

A vontade dos jovens lumpenproletários de se alistar na Guarda Móvel faz surgir não apenas a questão das necessidades radicais e do seu potencial revolucionário, mas a questão da sua organização prática em torno de soluções concretas: o problema de todos aqueles que não podem ou não irão trabalhar é de um caráter imediato e cotidiano. As necessidades do lumpenproletariano são mais imediatas do que as dos empregados, e mais não-conformistas do que as dos desempregados; na ausência de exploração seus modos de vida são criminalizados, seus bairros colonizados, nos termos das Panteras Negras, pela polícia. [62] Assim, a demanda programática de uma abolição da propriedade burguesa será ineficaz se não atender às necessidades imediatas daqueles que de outra forma irão vender-se à contra-revolução.

A história do proletariado fora da relação de emprego, dos proletários que se tornaram supérfluos à produção capitalista (se não necessariamente, indiretamente premeditados como um exército de reserva) e dos proletários que sempre foram supérfluos, é uma história de tentativas constantes de criar outros modos de reprodução, sua vitória, cooptação ou supressão. Se a auto-reprodução proletária contra o capital – ou seja, uma reprodução que prepara para a auto-abolição do proletariado como proletariado – deve entrar na agenda, não basta afirmar que tal comunização é um invariável projeto revolucionário do proletariado (Gilles Dauvé e Karl Nesic) ou um projeto possível apenas hoje, em uma necessidade radical cada vez mais profunda (Théorie Communiste, Endnotes).[63] Para abrir a orientação histórica da teoria da comunização à questão prática da organização, torna-se inevitável relacioná-la com as práticas em curso de des-proletarização. Para ir além disso precisamos ver não apenas a possibilidade e a crescente necessidade existencial, mas também as potencialidades que podem ser – ou estão se esforçando para ser – atualizadas. Fazer isso é abrir para a questão da composição, emulação, organização e contágio, entre estratégias heterogêneas de reprodução, como elas existem ou são necessárias para satisfazer as necessidades práticas dos proletários em relação às muitas maneiras diferentes de viver essa condição-problema.

Enquanto a reprodução de grandes setores do proletariado da Europa Ocidental foi mediada pelo Estado de bem-estar social, o que Balibar chama de “estado nacional-social”, outras lutas se aglomeraram entre os migrantes na Europa e os proletários no “Sul Global”. [64] O trabalho informal e as atividades ilegais, os assentamentos e ocupações de terras mais significativamente, mas também o que Asef Bayat chama de invasões silenciosas, uma versão popular do que os autonomistas italianos chamaram de auto-redução em bairros e favelas pobres do Levantine e do Norte da África.[65] Mesmo quando tais atividades são empreitadas por grupos pequenos ou individuais, as tentativas de reprimir esses modos de reprodução resultaram muitas vezes em resistência popular em massa, como salienta Bayat; em suma, podemos falar delas como emergentes economias morais do proletariado.[66] Do mesmo modo, as formas muitas vezes “individualizadas” – se altamente interligadas – dos migrantes se moverem convergem frequentemente em lutas comuns quando eles se encontram com uma cerca. Bayat mostra que as estratégias de invasão silenciosa, juntamente com as organizações de resistência existentes como os sindicatos de trabalhadores, as comunidades informais em torno das mesquitas e dos clubes de fãs de futebol, eram todas condições práticas da capacidade do levante espontâneo para colocar a existência do regime de Mubarak como um problema prático.

O que importa são as estratégias que podem construir a capacidade proletária de resistir e assim projetar soluções para sua miséria, isto é, ver esta como um problema e não um destino. Hoje, as táticas e estratégias para lidar e abolir a condição proletária só podem ser reduzidas às questões do Estado-Providência e dos sindicatos por meio de negligência grosseira. Além disso, essas estratégias que têm sido relevantes há muito tempo onde o “desenvolvimento” sempre foi uma ficção, serão cada vez mais importantes em uma Europa que está provincificando-se a si mesma e abolindo os direitos sociais em pacotes. As formas de organização e composição de classe possíveis e necessárias sob condições de população excedente e o aperto na reprodução proletária começam com programas de “sobrevivência”. Caso contrário, a atual aniquilação violenta e econômica da capacidade proletária de resistir e combinar impedirá qualquer cristalização revolucionária.

8. Conclusão

Começar com a questão da reprodução proletária tem várias vantagens: ela conecta imediatamente a macroanálise do capital com a urgência existencial das estratégias individuais e coletivas de vida e sobrevivência. Além disso, permite evitar sociologias positivistas de classe baseadas na compartimentação de uma população, bem como definições economicistas de classe em termos de funções econômicas dentro da divisão do trabalho. Ela nos permite pensar os aspectos estruturais e existenciais da formação de classe em conjunto, e compreender como a composição e a diferenciação são respostas ao mesmo problema.

Argumentei que o problema proletário deve ser definido mais amplamente do que pela exploração. Os lumpen, os desempregados, os trabalhadores reprodutores não pagos, e a classe trabalhadora vivem a mesma condição-problema – a separação dos meios de (re) produção. No entanto vivem-na de modo diferente, e essas diferenças de práticas cotidianas criam uma diferenciação de necessidades e desejos que está profundamente entrelaçada com processos de gênero, de poder e de racialização, etc. A orientação comunista das condições de possibilidade do comunismo coloca a questão de uma solução adequada à generalidade deste problema: o proletariado se torna o nome de todos aqueles que idealmente compartilham o interesse em abolir esse problema. A partir de uma distância espectatorial, essa abordagem aponta as limitações das lutas existentes do ponto de vista da totalidade capitalista, o que lhe fornece uma teoria da forma que essa revolução deve necessariamente considerar adequada. Para os intelectuais esta é uma teoria da forma lógica e da possibilidade da revolução; para os proletários é uma teoria da inadequação de seus esforços. Simplesmente apontar a limitação de qualquer luta por referência à radicalidade de época de um problema é uma receita de cinismo e indiferença. Não é suficiente enfrentar um problema comum; isso só produz a compreensão da condição proletária como uma desgraça. A menos que haja o desenvolvimento de táticas comuns e estratégias para lidar com problemas concretos, as diferentes estratégias mutuamente concorrentes para lidar com ela prevalecerão. Qualquer prática revolucionária deve começar com soluções que sejam situacionalmente mais convincentes ou desejáveis do que as existentes. Em vez de se afastar do seu próprio nicho na divisão do trabalho por hábito ou por medo de violar a pureza das lutas, a teoria, considerada como parte de tais movimentos, é o esforço ativo para disseminar estratégias de combinação e luta e de elaborar pontos comuns e transversais de conexão entre diferentes lutas. Levar a sério o fato de que resistências e redes de solidariedade preexistem irrupções de luta aberta significa ir além da fé na espontaneidade. Isso envolve uma ética da pesquisa militante, incorporada, da produção do conhecimento e da pedagogia popular, que prossegue através de práticas de mapeamento coletivo das possibilidades de composição e reflexões sobre como conectar e ampliar redes de confiança e solidariedade.[67] Isso implica o compartilhamento de ferramentas de organização e táticas de luta, tomando medida dos rumores e sussurros, e engajar-se em pequenas lutas de maneiras que podem ajudá-las a transformar medo e desconfiança em coragem e solidariedade.

O problema da organização revolucionária da diferença proletária consiste em inventar soluções comuns para o problema comum do proletariado, seja ele lumpen, empregado ou desempregado. Mas isso deve começar com o reconhecimento de que as estratégias da luta serão significativamente diferentes, de acordo com as muitas maneiras que o problema é vivido e sobrevivido. Nossa tarefa não pode ser a de buscar a equação que nos dará o resultado que desejamos, mas explorar as possibilidades máximas de abolições das separações aqui e agora, entre nós e entre nós e nossos meios de reprodução – seja por meio de revoltas e grupos de afinidade, ajuda mútua e zonas autônomas ou através da tomada do poder municipal ou estatal. Tudo isso depende de avaliações situadas das possibilidades de composição, do estado dos inimigos e das relações de forças. Se a luta prossegue com êxito, as diferenças de classe serão abolidas gradualmente e em saltos. Os proletários ficarão cada vez menos presos no modo de vida que desenvolveram para lidar com o problema de sua separação, abolindo esta separação e então sua existência como proletários. As lutas pela des-separação não são meras lutas corajosas pelo amor, mas implicam também muitas vezes uma busca terrível pela segurança. A atmosfera afetiva do comunismo não pode ser dada senão pela sensibilidade às dimensões micro e nanopolíticas de qualquer movimento. Além disso, se o comunismo deve ser pensado novamente como um movimento real, devemos aceitar que ele não pode ser um processo unitário, mas apenas a combinação de múltiplos desejos e necessidades de proletários mais ou menos separados, unindo-se por razões egoístas, mas produzindo um telos em excesso relativamente ao seu egoísmo, uma sublimação transindividual de sua individualidade. Marx viu isso claramente quando participou da convivência dos proletários parisienses. Ele notou que o meio para criar o comunismo é o próprio comunismo: isto é, o comunismo praticado em si mesmo se produz como uma necessidade e um fim.[69] O comunismo não é um “ideal” kantiano abstrato nem um plano, nem um horizonte universal e global a partir do qual julgarmos todas as lutas ou encontrar a esperança. O comunismo, ao contrário, é melhor descrito como um possível telos emergente em processos de combinação, quando eles se dobram sobre si mesmos e tornam-se auto-reprodutores, auto-organizados e capazes de se defenderem a si mesmos. Essa des-separação somente pode ser eficaz quando envolve o mundo das coisas e começa a abolir a propriedade como uma forma de separação. O que é necessário para que isso aconteça não é o sustento da esperança, mas práticas de composição e experimentação com necessidade, desejo e possibilidade. A globalidade ou universalidade não são terrenos de ação coletiva, mas níveis de abstração teórica. As questões da ampliação e da universalidade permanecerão irrelevantes praticamente até que sejam colocadas como questões concretas das condições de reprodução, combinação e defesa dos movimentos reais.


*Daniel Alves Teixeira é membro do Círculo de Estudos da Ideia e da Ideologia.


Notas

1. Karl Marx e Friedrich Engels, “Manifesto of the Communist Party,” in Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1973); 118. Karl Marx, “A Contribution to the Critique of Hegel’s Philosophy of Right. Introduction,” in Early Writings, (London: Penguin, 1992), 252.

2. Karl Marx, Capital: Volume I, trans. Ben Fowkes (London: Penguin Books, 1976) 762-872.

3. Fredric Jameson, Representing Capital (London: Verso, 2012)

4. Michael Denning, “Wageless Life,” New Left Review 66 (November-December 2010): 79-97.

5. Marx coloca aqui entre parênteses o papel do Estado, o que complica este quadro, sem abolir a dinâmica geral, particularmente sob condições de forte concorrência interestatais por investimentos de capital.

6. Carta de Marx para Vogt e Mayer, Abril de 1970 em MECW – Marx and Engels: April 1868-July 1870, vol. 43 (Moscow: Progress Publishers, 1988), 475.

7. Karl Marx, Grundrisse: Foundations of the Critique of Political Economy (Rough Draft), The Pelican Marx Library (Harmondsworth: Penguin, 1973), 398–9.

8. Deve-se notar que Marx não tem nada a ver com as teorias pretéritas de Thomas Mathus sobre a população excedente. Enquanto Malthus presumiu que fatores naturais como o crescimento demográfico e a escassez de terra e alimento levariam ao excesso de população, Marx analisou o surgimento de populações excedentes como um efeito estritamente histórico do modo de produção capitalista. Eles compartilham, no entanto, uma cegueira quanto ao fato de que as lutas das mulheres iria aumentar significativamente a sua capacidade de limitar a quantidade de crianças nascidas.

9. Marx, Capital: Volume I, 798. Marx não apresenta o que tais circunstâncias modificadoras podem ser, e deixa isso como uma simples cláusula ceteris paribus. Henryk Grossman tem uma lista útil dos fatores econômicos dos quais Marx abstrai em sua análise sistemática. “3. Modifying countertendencies “in Law of the Accumulation and Breakdown, trans. Jairus Banaji (Marxists.org, 1929).

10. Marx distingue entre quatro diferentes modos de existência de populações excedentes: 1. forma flutuante: urbana dentro e fora do trabalho. 2. forma latente: as massas que podem ser chamadas das áreas rurais. 3. Estagnação: emprego extremamente irregular. 4. Pauperismo: lumpenproletariado; constituídos por desempregados, quer porque se recusam a trabalhar, quer porque não podem trabalhar. Isto é o que podemos chamar de população excedente absoluta. Marx, Capital: Volume I, 794–97.

11. Ibid., 782.

12. Ibid., 783-4.

13. Ibid., 786.

14. Endnotes e Aaron Benanav, “Misery and Debt,” Endnotes 2 (2010), 32.

15. Endnotes, “Spontaneity, Mediation, Rupture,” Endnotes 3 (2013), 230.

16. Endnotes, “Crisis in the Class Relation,” Endnotes 2 (2010), 19.

17. Albert O. Hirschman, “On Hegel, Imperialism and Structural Stagnation,” in Journal of Development Economics, vol. 3 (1976), 1-8.

18. Karl Marx, “British Rule in India,” in Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1969). Mas Marx rapidamente retificou sua posição sobre o colonialismo: ver evin B. Anderson, Marx at the Margins: On Nationalism, Ethnicity, and Non-Western Societies (Chicago: University Of Chicago Press, 2010.), Lucia Pradella, Globalization and the Critique of Political Economy New Insights from Marx’s Writings (London: Routledge, 2015).

19. Hirschman, “On Hegel, Imperialism and Structural Stagnation,” 6-7.

20. Alberto Toscano, “Now and Never,” em Communization and its Discontents, ed. Benjamin Noys (Wivenhoe/New York/Port Watson: Minor Composition, 2013), 92.

21. Esta é uma crítica da tentativa explícita de desenvolver conceitos para pensar a composição em “Mediation, Spontaneity, Rupture”, 230-232. Nos textos em que Endnotes se engajam em discussões empíricas, das insurreições de 2011 em “The Holding Pattern”, ibid, vemos uma concepção muito mais rica e mais flexível da luta dialeticamente articulada com sua análise do movimento do capital e da contradição de classe, mas assim que as Endnotes focam na questão da comunização, sua concepção de luta torna-se formalista. Minha esperança é que esse tipo de dificuldade possa nos sintonizar com a importância de discutir as limitações do método marxista de “níveis de abstração”, particularmente a maneira pela qual o privilégio da crítica da economia política tende à esconder o que mais é preciso na teorização orientada pela prática, ou, pior ainda, colocá-lo em algum domínio do “puro particular”, que é indigno do pensamento, ou apenas digno de uma forma que sustente um dualismo entre ele e a universalidade da crítica da economia política.

22. Immanuel Kant, “What Is Orientation in Thinking?,” em Political Writings, trans. H.B. Nesbit, 2nd ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1990).

23. “Misery and Debt,” in Endnotes 2 (2010); Mike Davis, Planet of Slums (London: Verso, 2007). “Como todas as outras leis, ela é modificada em seu funcionamento por muitas circunstâncias, cuja análise não nos interessa aqui.” Capital vol.1, 798.

24. Ver por exemplo Melinda Cooper “Workfare, Familyfare, Godfare: Transforming Contingency into Necessity,” South Atlantic Quarterly 111, no. 4 (Outono 2012): 643-61.

25. Esta análise será baseada na análise de Rosa Luxemburg da teoria de Marx da reprodução expandida. Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital (London: Routledge, 2003).

26. Marx, Capital: Volume I, 897, Silvia Federici, Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Autonomedia, 2004), particularmente 87-91. Peter Linebaugh e Marcus Rediker, The Many-Headed Hydra: The Hidden History of the Revolutionary Atlantic (London: Verso, 2002), 15-29. Para os escavadores, ver Christopher Hill, The World Turned Upside Down: Radical Ideas During the English Revolution, new ed. (London: Penguin, 1991), 110ff.; Sobre revoltas, ver Roger B. Manning, Village Revolts: Social Protest and Popular Disturbances in England, 1509-1640 (Oxford: Clarendon Press, 1988).

27. Federici, Caliban and the Witch, 64.

28. Ivan Illich, Shadow Work (Boston: Marion Boyars Publishers, 1981), K. Hart, J.-L. Laville, & A.D. Cattani, The Human Economy, (London: Polity Press, 2010).

29. Mariarosa Dalla Costa e Selma James, The Power of Women and the Subversion of the Community (Bristol: Falling Wall Press, 1973).

30. Ibid. Ver também Mariarosa Dalla Costa, “Capitalism and Reproduction,” The Commoner 8 (Autumn/Winter 2004).

31. Federici, Caliban and the Witch; Leopoldina Fortunati, The Arcane of Reproduction: Housework, Prostitution, Labor and Capital (New York: Autonomedia, 1995).

32. Marx, Capital: Volume I, 899. Quanto à inclusão dos excluídos como excluídos, ver Colectivo Situaciones, 19&20 Notes for a New Social Protagonism, trans. Nate Holdren and Sebastián Touza (Wivenhoe: Minor Compositions, 2011), 103-106.

33. Em uma nota à edição inglesa de ibid., 108. Denning, “Wageless Life.”

34. A análise de Marx sobre a interação entre o senso comum e a sensibilidade diária do trabalho e o comportamento respeitoso relativamente à lei entre os “trabalhadores” foi utilmente atualizada em Stuart Hall et al., Policing the Crisis: Mugging, the State and Law and Order (London: Macmillan, 1993), 142, 149.

35. Em termos da filosofia da natureza, o vocabulário da composição sugere exterioridade, justaposição e conjunção, enquanto os conceitos de forma sugerem uma interiorização da organização, seja como subsunção ou como auto-organização. O conceito inicial de Marx da cristalização e auto-organização da massa nos dá uma lógica da passagem da composição de classe para a formação de classe.

36. Matteo Mandarini, “Translator’s Introduction,” em Time For Revolution, by Antonio Negri (London: Continuum, 2004), 265

37. Marx e Engels, “The German Ideology,” em Selected Works. Vol. 1. (Moscow: Progress Publishers, 1969), 65.

38. Karl Marx, “The Poverty of Philosophy,” in MECW. Vol. 6. (Moscow: Progress Publishers, 1976), 211.

39. Ibid.

40. W.E.B. Du Bois, “The Class Struggle,” The Crisis 22, no. 4. (August 1921), 151.

41. Karl Marx, “18th Brumaire of Louis Bonaparte,” em Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1973).

42. Marx, “18th Brumaire,” 479.

43. Ibid., 478.

44. Na frase muitas vezes mal interpretada “idiotice da vida rural”, Hal Draper observa a ideia de que “idiotice” ser igual a estupidez é baseada em uma má tradução. “No século XIX, o alemão ainda conservava o significado grego original de formas baseadas na palavra idiotas: uma pessoa privada, afastada das preocupações públicas (comunais), apolítica no sentido original de isolamento da comunidade em geral”. O atraso do campesinato não tem nada a ver com a rejeição da vida rural, mas com o fato de que eles – na ausência de meios de comunicação e transporte – não podem participar facilmente da vida social organizada e suas lutas, exceto por procuração, exemplificada pela longa representação do campesinato francês pela família Bonaparte. Hal Draper citado em “Notes from the Editors,” Monthly Review 55, no. 5 (October 2003).

45. Marx, “18th Brumaire,” 479.

46. “… a obrigação feudal foi substituída pela hipoteca …” Ibid., 481.

47. Marx, “18th Brumaire,” 479.

48. Ibid., 482.  Então o número de pobres rurais na França, de acordo com os números de Marx, é maior do que o lumpenproletariado urbano, que ele fixa em 4 milhões; também Fanon encontra o grupo mais importante de lumpenproletários nas colônias e pós-colônias entre os camponeses sem terra. Frantz Fanon, The Wretched of the Earth, 1st Evergreen Black Cat Edition (New York: Grove Press, n.d.), 111. O número total de pobres, 11 milhões, seria assim quase um terço (32,7 por cento) de todos os habitantes na França metropolitana, que no período de 1848-52 era de cerca de 36 milhões. Isto, incidentalmente, é exatamente a mesma porcentagem daqueles que vivem na “pobreza extrema” (menos de $ 1.25 por ddia) na Índia em 2010, como estimado pelo Banco Mundial. “Poverty & Equity Data | India,” Banco Mundial, 2010.

49. Marx, “18th Brumaire,” 482–3.

50. Ibid., 486.

51. Karl Marx, “The Civil War in France,” em Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1969), 226.

52. Karl Marx, “From Comments on Bakunin’s Book, Statehood and Anarchy,” em Selected Works, vol. 2 (Moscow: Progress Publishers, 1969), 410–411

53. Marx e Engels, “The Communist Manifesto,” 118.

54. Karl Marx, “The Class Struggles in France,” em Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1973), 219.

55. Marx, “18th Brumaire,” 442.

56. Karl Marx, “The Class Struggles in France,” em Selected Works, vol. 1 (Moscow: Progress Publishers, 1973), 220.

57. Marx, “18th Brumaire,” 422.

58. Marx, “18th Brumaire,” 482.

59. Mesmo que, como mencionado por Trotsky e Fanon, permaneça o perigo de uma cooptação direitista dos lumpenproletários. Trotsky: “Através da agência fascista, o capitalismo põe em movimento as massas da burguesia enlouquecida e os bandos de lumpenproletariado desclassificados e desmoralizados – todos os incontáveis seres humanos que o próprio capital financeiro trouxe ao desespero e ao frenesi”. Leon Trotsky, “Fascism: What It Is and How to Fight It,” Pioneer Publishers, August 1944.

60. Frantz Fanon, The Wretched of the Earth, 1st Evergreen Black Cat Edition (New York: Grove Press, 1968), 137.

61. Eldridge Cleaver até mesmo explicitamente desenvolveu uma teoria da população excedente causada pelo deslocamento colonial e automação, que ele chamou de lumpenização da humanidade.ldridge Cleaver, “On the Ideology of the Black Panther Party,” 1970. Ver Também Elaine Brown, A Taste of Power: A Black Woman’s Story (New York: Anchor Books, 1993), Joshua Bloom and Waldo E. Martin, Jr., Black Against Empire: The History and Politics of the Black Panther Party (Los Angeles: University of California Press, 2013).

62. Cf. Bobby Seale, Seize the Time: The Story of the Black Panther Party and Huey P. Newton (Baltimore, MD: Black Classic Press, 1991).

63. Para uma coleção de textos do debate entre a Théorie Communiste e Dauvé & Nesic ver Endnotes, Gilles Dauvé e Karl Nesic, e Théorie Communiste, Endnotes, vol. 1 (London, 2008).

64. Étienne Balibar, Masses, Classes, Ideas: Studies on Politics and Philosophy before and after Marx (New York: Routledge, 1994), 134.

65. Asef Bayat, Life as Politics: How Ordinary People Change the Middle East, (Stanford: Stanford University Press, 2013)

66. Para falar com Edward P. Thompson, “The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century,” Past & Present no. 50 (February 1, 1971): 76-136.

67.  Ver por exemplo a edição sobre “Workers Inquiry” https://www.viewpointmag.com/2013/09/30/issue-3-workers-inquiry/

Da Viewpoint Magazine, edição 3, editada por Asad Haider and Salar Mohandesi. Ver também Marta Malo de Molina, “Common Notions, part 1: Workers-inquiry, Co-research, Consciousness-raising,” em eipcp, April 2004, Colectivo Situaciones, “On the Resercher-Militant”, in eipcp, Setembro 2003. Para uma extensa bibliografia, ver http://fuckyeahmilitantresearch.tumblr.com/

Para uma pedagogia popular pode-se começar com o The Pedagogy of the Oppressed (London: Penguin, 1996) de Paulo Freire. Countercartography, outro exemplo de pesquisa militante, desenvolve contra-mapas de fluxos de dinheiro, bens e subjetividades, e formas de luta e organização dentro de um campo de poder. Ver, por exemplo, o trabalho do 3Cs-Collective and Countermapping Qmary.

68. Sobre a questão da construção do poder, ver minha contribuição com Manuela Zechner “Building Power in a Crisis of Social Reproduction” na próxima edição da Roar Magazine.

69. Karl Marx, “Economic and Philosophical Manuscripts, Paris 1844,” in Early Writings (London: Penguin, 1992), 365.


Bue Rübner Hansen é pesquisador pós-doutorado e membro do coletivo editorial da Viewpoint.

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3 comentários em “População excedente, reprodução social, e o problema da formação de classe”

  1. Texto muito bom! Mas não há nenhuma menção à teoria marxista latino-americana da marginalidade econômica (José Nun, Anibal Quijano), que nos anos 1960/1970 tratou da função do excedente de população nos países de capitalismo dependente e monopólico, como o são os países da região. É uma pena que os gringos façam grandes exegeses e não se deem ao trabalho de procurar referências nos países do Sul Global.

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