Trump e as mulheres: uma crítica marxista

Por Sam Miller, via Jacobin Magazine, traduzido por Gabriel Landi Fazzio

Trump definiu a dialética de seu feminismo como algo entre o “doce por fora” mas implacável por dentro. Pode-se dizer que o Trumpismo e feminismo corporativa são dois lados da mesma moeda. No feminismo corporativo, o patriarcado celebra o seu domínio como feminino.


Sabemos que Donald Trump é um misógino. Mas a história não acaba ai. Trump usa as mulheres de uma forma calculada para promover a sua imagem política e seu império econômico.

Esta promoção faz parte de uma dinâmica mais ampla, em que a construção da feminilidade é exercida como um cimento ideológico para os capitalistas: as mulheres são necessárias no mundo dos negócios e da política a fim de manter uma imagem de suavidade, de ternura assistencialista [não seria disparatado pensar aqui em Marcela Temer] na aparência externa, ao mesmo tempo em que é preciso ser dura, brutal e cortadora-de-cabeças no trato interno para chegar ao topo. A maneira pela qual Donald Trump se associa a mulheres em sua vida profissional e pessoal é um microcosmo de tendências maiores. A filha de Trump, Ivanka, e sua adversária política (e ex-amiga) Hillary Clinton, ambas representam o mesmo feminismo corporativa.

Em “The Art of the Deal”, Trump descreve seu pai como arrojado, implacável e trabalhador; sua mãe, por outro lado, é descrita como “a dona de casa perfeita”, que “cozinhava, limpava, remendava meias e fez trabalho de caridade no hospital.” De acordo com Donald, sua mãe era glamourosa, solidária e bonita – como muitas mulheres na vida de Trump, Mary era subordinado a um marido dominador e apenas desempenhou um um papel acessório na família.

É claro que Trump internalizou a dinâmica de seus pais, que ele carregou para seu primeiro casamento com Ivana Zelníčková, um imigrante da Checoslováquia. Ivana relata um incidente com o pai de Donald, Fred, no jantar, em que este insistiu em controlar as escolhas de menu dela: “’Eu gostaria do peixe”, disse ao garçom, e Fred disse: ‘Não, Ivana não vai querer peixe. Ela vai querer bife’. Eu disse, ‘Não, eu vou querer o meu peixe.”” Donald insistiu para Ivana que Fred estava agindo por “amor”.

Fred Trump era contra a contratação de mulheres para posições gerenciais, que ele considerava ser “trabalho de homem”. Mesmo que Donald tenha rompido com a atitude de seu pai mediante a contratação de mulheres, ele ainda as explora e prepara a seu gosto. Quando Donald contratado Ivana como presidente do Plaza Hotel ele disse aos repórteres: “Minha esposa, Ivana, é um gestora brilhante. Vou pagar-lhe um dólar por ano e todos os vestidos que ela puder comprar!” Ivana sentiu-se humilhada.

No longo prazo, Donald reverteu em direção a algumas das atitudes de seu pai no tocante às mulheres, dizendo que seu maior erro com Ivana tinha sido “tirá-la do papel de esposa e permitir que ela gerenciasse um dos meus casinos em Atlantic City.” Donald preferiria voltar para casa depois de um longo dia para uma mulher pronta para discutir “os temas mais suaves de vida”, em vez de uma mulher que tratasse o seu trabalho a sério. Como ele disse: “Eu nunca mais vou dar uma a uma esposa qualquer responsabilidade dentro do meu negócio.”

Ao longo de seus livros, Trump entra em detalhes sobre suas várias “façanhas” sexuais. O que torna essas passagens tão perturbadoras é o modo pelo qual ele projeta sua bizarrice predatória sobre as mulheres. Um exemplo é contado em “The Art of the Comeback” (1997), relativa a um jantar com uma mulher não nomeada, com poder e prestígio:

“De repente eu senti sua mão no meu joelho, então na minha perna. Ela começou a me acariciar de todas as maneiras diferentes… Ela então me pediu para dançar, e eu aceitei. Enquanto estávamos dançando ela se tornou muito agressiva, e eu disse: “Olha, nós temos um problema. Seu marido está sentado naquela mesa, bem como minha esposa”. “Donald”, ela disse, “eu não me importo. Eu simplesmente não me importo. Eu tenho que ter você, e eu tenho de tê-lo agora”.”

Trump caracteriza as mulheres como enganadoras, manipuladoras e cruéis. “As espertas agem de modo muito feminino e carente, mas por dentro são verdadeiras assassinas. A pessoa que veio com a expressão ‘sexo frágil’ ou era muito ingênuo ou devia estar brincando. Eu vi mulheres manipularem homens com apenas uma contração de seus olhos – ou talvez outra parte do corpo.” Para Trump, mulheres bem sucedidas nunca perdem seu exterior “feminino”, que esconde seu núcleo frio e astuto.

Trump define sua personalidade como parte empresário e parte showman, e apresenta Ivana e sua segunda esposa, Marla Maples, como representando dois extremos diferentes de sua personalidade. Ambas são “loira e bonita”, mas Ivana é retratada como uma mulher de negócios “durona”, enquanto Marla é a “performer e atriz.” Seu casamento com Marla também falhou, uma vez que os negócios eram a maior prioridade. “Uma coisa que eu aprendi [sobre relacionamentos]: há a alta manutenção, há baixa manutenção. Eu não quero nenhuma manutenção.” Desta vez, com Marla, Trump fez com que o acordo pré-nupcial perfeitamente claro e sem complicações. Ele não queria uma repetição da disputa legal de seu divórcio anterior.

Trump comprou o concurso Miss Universo por $10 milhões, e levou de brinde o Miss EUA e Miss Teen EUA, “a tríplice coroa da beleza”. Trump reivindica que estes concursos tratam sobre “diversão” e “beleza, a beleza suprema – a de uma mulher”. Em uma entrevista a Howard Stern, Trump se gabou de o concurso ser o seu acesso final às mulheres, grosseiramente brincando que elas devem ser “obrigadas” a dormir com ele como o proprietário da organização. O comportamento de Trump causou estragos emocionais na primeira Miss Universo, Alicia Machado, a quem ele envergonhou e humilhou. Trump descreveu sua constante pressão sobre Machado para que perdesse peso como “cavalheiresca”. Seu controle sobre ela deixou no caminho cicatrizes psicológicas profundas e ela sofrendo de distúrbios alimentares como resultado.

Se o Miss Universo era mais sobre a beleza exterior, por sua vez “O Aprendiz” focava nos instintos assassinos das mulheres nos negócios. “O Aprendiz” durou por quatorze temporadas, com Trump como o juiz de mais de uma dúzia de empresários concorrendo ao prêmio de gerenciar uma das empresas de Trump. De acordo com Scott McLemee, “O Aprendiz” transforma “as condições normalmente precárias de emprego sob o neoliberalismo em entretenimento de um jogo de alto risco”. Trump termina cada episódio em sua sala de reuniões, gritando “você está despedido!” ao competidor desclassificado.

As mulheres, na show de TV, foram pegas em um dilema, onde agir de modo “feminino” ou “masculino” poderia ser prejudicial, dependendo da situação. Como Trump afirmou, “negociação é uma arte muito delicada. Às vezes você tem que ser duro; às vezes você tem que ser doce como torta – a depender com quem você está lidando”. No decorrer do show, comportamentos estereotipicamente “masculinos”, como insultar e interromper os outros, atacar e colocar as pessoas para baixo, e dominar a conversa foram preferidos em detrimento dos chamados “femininos”: afastar-se do conflito, falar minimamente, enfatizar relacionamentos interpessoais e fornecer “feedbacks” construtivos. O próprio Trump definiu o tom “masculino” e descreveu a si mesmo como o “ditador” do show. Era imperativo para as mulheres no show que adotassem uma mentalidade calculada para manipular os outros e ganhar. Com efeito, elas precisavam de internalizar o próprio estilo empresarial de Trump.

Se Ivana foi uma mulher “de negócios demais” para que Trump lidasse com ela como esposa, e Marla resistiu à negligência de Trump para com a sua vida familiar, sua terceira esposa, Melania, uma modelo nascida eslovena, parece preencher a lacuna e a função do jeito que Donald espera. Melania é quieta: ela suporta seu marido, tolera sua ética de trabalho e se alegra em assumir a responsabilidade de criar seu filho de dez anos, Barron.

Mas mesmo Melania teve que condenar os comentários lascivos de seu marido em 2005 sobre apalpar mulheres. Trump fez esses comentários enquanto Melania estava grávida de Barron, mas eles não são um desvio em relação a outras piadas cruéis que ele fez às custas de Melania. Por exemplo, Howard Stern perguntou a Trump durante uma entrevista de rádio se ele iria ficar com Melania se ela sofresse um terrível acidente de carro ficando incapacitada. Trump respondeu: “Como é que estão os seios?” “Os seios estão bem,” Stern respondeu. Trump respondeu em seguida com certeza, “porque isso é importante.” Não é nenhum segredo que a aparência física de Melania importa para seu marido. Quanto à sua vida profissional, Melania pode ter sua própria linha de joias, mas o seu negócio e seu estilo de vida não são ameaças para as ambições do marido.

As perturbadoras ofensas sexistas não terminam com as esposas de Trump: ele tem sido conhecido ao longo do tempo por sexualizar publicamente sua filha Ivanka. Quando ela tinha apenas dezesseis anos, Trump disse ao New York Times: “Não acha da minha filha gostosa? Ela é gostosa, certo?” A coisa fica ainda mais assustadora: em uma gravação, em 1994, de Trump com sua então esposa, Marla Maples, o entrevistador Robin Leach perguntou sobre sua filha de um ano, Tiffany, ao que Trump respondeu: “Bem, eu acho que ela puxou muito a Marla, ela é realmente um lindo bebê, e ela é, uh, ela tem as pernas de Marla. Não sabemos se ela puxou ou não essa parte ainda”, disse Trump, apontando para seu peito “mas o tempo dirá”.

Quando confrontada com as observações obscenas de seu pai, Ivanka recusou-se a criticá-lo, descartando as alegações de que ele é um misógino e, em vez disso fazendo a discussão se tornar sobre quantas mulheres ele contratou para a construção e desenvolvimento ao longo dos anos.

Com a idade de trinta e quatro anos, Ivanka Trump é vice-presidente executiva de desenvolvimento e aquisições na Trump Organization e tem a sua própria linha de artigos de moda. Ela também é casada e tem três crianças. Ela fala frequentemente sobre a interligação entre a vida profissional e pessoal, com forte ênfase nos negócios. Ela é uma forte defensora de um feminismo de estilo corporativo, cunhando a hashtag #WomenWhoWork (MulheresQueTrabalham) como parte da campanha de sua marca para promover o empreendedorismo feminino. Ivanka está cumprindo o papel que seu pai havia previsto para os seus filhos no livro de 1990, “Surviving at The Top”: o de seguidor gerencial.

“Talvez eu esteja apenas sendo um pai superprotetor, mas se eu tiver alguma influência na questão, os meus filhos podem muito bem ser os gestores, não empreendedores. Me daria uma grande alegria saber que eles estavam apenas vivendo uma boa vida e mantendo o império Trump – seja lá o que este acabar por ser quando esta minha estranha aventura estiver concluída”.

Ironicamente, Ivanka remete à ética profissional de sua mãe Ivana como sua principal fonte de inspiração– a mesma ética profissional que Donald Trump detestava durante o casamento. Para Trump, a diferença entre Ivana e Ivanka é que Ivana aparecia como uma competidora para Donald, enquanto Ivanka foi preparada como sua sucessora, motivo pelo qual ela não representa uma ameaça. O feminismo corporativa de Ivanka não é de forma alguma exclusivo dela. Na verdade, vemos em seus discursos os mesmos jargões neoliberais de outras mulheres de topo no mundo dos negócios, como Sheryl Sandberg – mulheres que endossaram Hillary Clinton. Na verdade, sem o acidente do nascimento, poderia-se imaginar Ivanka Trump como sendo  ela mesma uma firme apoiadora de Hillary. A sua mensagem de empoderamento feminino em uma sociedade profundamente estratificada é uníssono ao feminismo apoiado por Wall Street de Hillary Clinton.

A mensagem é simples: “de um gás” em seu local de trabalho; “use a incerteza em sua vantagem;” “se ergue e seja notada”; “tiro o máximo proveito de qualquer negociação”. Em seu livro “O Cartão Trump”, Ivanka cita Arianna Huffington e Russell Simmons como inspirações: duas firmes partidárias de Clinton.

Mas tal feminismo desprovido de classe não está tão longe assim daquele de seu pai. Suas vulgaridades podem ser chocantes mas, em sua prática comercial diária, ele definiu a dialética deste feminismo como algo entre o “doce por fora”, mas implacável por dentro. Pode-se dizer que o Trumpismo e feminismo corporativa são dois lados da mesma moeda. No feminismo corporativo, o patriarcado celebra o seu domínio como feminino.

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