O louco como a agente político consciente

Por Eduardo Henrique Nascimento Silva.

“Mas como justificar a volta de uma prática tão nefasta que, com a Revolução de Outubro havia sido abolida, para os tempos soviéticos? Stálin se apoiou no próprio Artigo 58 para justificar que era necessário um tratamento médico aos seus opositores.

Maria Spiridinova, uma das maiores expressões camponesas durante o processo revolucionário, antes de ter seu corpo arrastado pelas ruas moscovitas, foi jogada em clínicas de controle social e submetida a inúmeros testes que danificaram sua mente.”


1. Introdução

Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada, em busca de uma dose violenta de qualquer coisa (…) que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz, que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos, que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de Blake entre os estudiosos da guerra, que foram expulsos das universidades por serem loucos & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio (GINSBERG, p.25)[1].

Carl Solomon, poeta e discípulo de Antonin Artaud, passou parte de sua vida como seu mestre, jogado em clínicas psiquiátricas que mais pareciam um centro de detenção onde os policiais usavam aventais brancos e tinham em seus nefastos e irônicos uniformes[2] um crachá escrito “doutor”. Desde pequeno foi marcado como um alguém que estivesse fora dos padrões aceitos na sociedade. Um indivíduo que tinha sua vida um evidente confronto ao esperado do chamado sonho americano: formar-se em um curso universitário, de preferência em exatas (porque dá dinheiro!), trabalhar, casar, ter filhos e filhas, os matricular na escola primária, e em uma parcela de seu tempo ir votar no estéril binarismo político estadunidense republicanos versus democratas. Vindo de uma família judia que emigrara aos Estados Unidos, formando sua raiz familiar no bairro do Bronx, em Nova Iorque, presenciou o comportamento reacionário e patriótico de seu pai, que o obrigava a saudar a bandeira do país cada vez que a visse. Marinheiro na Segunda Guerra Mundial, ao desembarcar em Paris, em 1947, decidiu se filiar ao Partido Comunista Francês, rompendo todo o ensinamento repressivo patriótico que seu pai havia o empurrado desde criança.

Solomon, assim como outros, teve sua personalidade entorpecida e destruída nas clínicas psiquiátricas, tanto com eletrochoques tanto com drogas. Sua loucura era apenas a aparência de algo que o Estado queria esconder. Um inconformista de sua realidade, de seu presente, de seu país, não poderia ser tratado como alguém que estivesse na normalidade. Tudo aquilo que fugisse do maior, ou seja, do padrão da sociedade: sexo masculino, branco, europeu (ou estadunidense), heterossexual, chefe de família, neoliberal, e um longo etecetera; seria tratado como aquele que está fora do eixo, está fora do padrão, está fora da projeção de quem deve estar no centro da sociedade. E nesse momento, como Foucault aponta, todo aquele que estiver fora do que é aceito na sociedade será tratado como louco.

E o louco, como veremos nesse trabalho, faz parte do devir-menor, pois é a ele que é destinado o conjunto de privações na vida. Se podemos entender o devir-menor como aqueles que ficam de fora do padrão aceito, mas fazem parte do conjunto de contradições que é nossa realidade, a loucura não poderia ficar fora dessa discussão. Qual o papel da loucura ao longo da história da humanidade? A quem a figura do louco se aproxima, do branco-rico-europeu ou do negro-pobre-latino? Questões que estão longe de serem selecionadas nesse simples trabalho, mas começaremos a abrir a reflexão sobre esse tema.

2. Sobre o Padrão Majoritário e o Devir-Menor

Deleuze e Guattari, em sua obra Mil Platôs: esquizofrenia e capitalismo, volume 4, traçam um perfil do que viria ser o maior. O homem (dentro da compreensão política antropológica de ser humano), como ponto central que “se desloca em todo o espaço ou sobre toda a tela”, possui a característica de “organizar as distribuições binárias nas máquinas atuais”. Então, a organização do maior, ou padrão majoritário, será: homem – sexo masculino – adulto – branco – europeu (ou estadunidense) – com formação de ensino superior, será totalmente diferente do devir-menor, que poderia ser organizado como: sexo feminino – criança – negra/indígena – latino-americana/africana – sem formação básica (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.78-79).

O padrão majoritário, como pudemos ver, está ligado com a ideia universal, que é aceita pela maioria. Por exemplo, a história da humanidade é composta por guerras, logo, ela relatará em sua maioria a história do ponto de vista dos vencedores. Durante muitos séculos acreditou-se que os povos no continente africano eram primitivos e incapazes de se organizar. Já o devir-menor, é aquele que sempre escapa do maior padrão, ele tem um caráter minoritário. No mesmo exemplo citado acima, mas usando o devir-menor, argumentaríamos que mesmo que a África tenha sido colonizada, saqueada e seu povo escravizado pelos europeus, nela vemos o início do domínio da metalurgia e também em seu continente foi onde nasceu um dos maiores pensadores que ajudou a organizar a estrutura ocidental-cristã, o filósofo argelino Agostinho de Hipona.

O devir-menor, age como algo fora do que é ideal. Ele tem um caráter bastante dinâmico. O devir-menor de ontem não necessariamente ocupará o mesmo lugar hoje. Na década de 40, os judeus pertenciam ao devir-menor. Já hoje, no século XXI, os palestinos ocupam esse posto, com suas terras invadidas e suas vidas saqueadas pelo sionismo. Ou até mesmo durante o século XVIII, onde o devir-menor era tudo que estivesse fora do binarismo clero e nobreza, mas com a Revolução Francesa esse quadro se alterou. E o devir-menor passou a ser, principalmente nas colônias francesas, tudo que não fosse burguesa e branca[3].

A ideia de minoridade (devir-menor) também pode ser ressaltada em personagens no cinema. Um excelente exemplo é o filme Willard[4] – que muito lembra um romance edipiano de nosso século -, contando a história de um homem na sua terceira década de vida que vive com sua mãe, numa relação complexamente íntima mas conflitante, tendo que trabalhar na empresa de seu falecido pai onde é lembrado diariamente pelo sócio da empresa que é um fardo tê-lo lá como empregado, pois era um favor.

Então, Willard Stiles descobre no porão de sua casa um rato, muito simpático, que logo o cativa, chamando-o de Ben. Também começa a construir uma relação amorosa com uma funcionária que foi contratada para o substituir. Aqui, Willard cumpre um papel de devir-menor, pois mesmo que se enquadre no padrão homem-sexo masculino-heterossexual, o restante de suas características foge do que seria o padrão majoritário na sociedade. Um homem de aparência taciturna, tímido, que não tem qualquer ambição em realizar o american way, o coloca como fora do padrão ideal do que um homem em sua posição deveria ser. Com o tempo, Stiles descobre que tem uma grande ligação com os ratos de seu porão, fazendo-os como seus conselheiros-na-solidão.

O desfecho do filme por si só contribui para uma série de análises, com resultados variantes. Mas antes disso, de se abrir a diversidade de análises (que depende dos olhares de quem as observará), é necessário pontuar que Willard é o ideal de personagem fora do eixo. Ele em momento algum é aceito pela sociedade, seja por sua estranheza na aparência seja por sua singularidade, que é capaz de mergulhar na realidade e tirar dela o que está escondido, deixando de lado o indivíduo que em nada se difere da massa popular. O singular agiria contra teu infortúnio, a razão (ou pelo menos uma das) de seu tormento. Willard, com seu amigo-rato, Ben, decide mudar sua vida.

Willard conduz a matilha de ratos, sob o comando de Ben, para a casa do homem de negócios[5], e o faz morrer atrozmente. Mas, ao levar seus dois preferidos para o escritório, comete uma imprudência, e é obrigado a deixar os empregados matarem a branca. Ben escapa, depois de um longo olhar fixo e duro sobre Willard. (…) Com todas as suas forças, tenta ficar entre os humanos. Até aceita as insinuações de uma garota do escritório que “parece” muito uma rata, mas justamente só parece. Ora, um dia em que convida a garota, disposto a se fazer conjugalizar, re-edipianizar, ele revê Ben, que surge rancoroso. Tenta enxotá-lo, mas é a garota que ele enxotará, e desce ao porão para onde Ben o atrai. Lá, uma matilha inumerável o espera para despedaçá-lo. E como um conto, não é angustiante em momento algum (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.9).

Willard assumiu o devir-animal, ao dedicar seu tempo livre aos ratos, e cada vez mais se distanciando de outros humanos, costura seu destino como uma colcha de retalhos, onde cada parte é um devir em sua vida. Fazendo com que ele, cada vez mais, se veja mais animal-rato do que homem-razão.

O devir tem um caráter dinâmico, podendo ser alterado a qualquer momento, relacionado com as necessidades da sociedade. Nos filmes hollywoodianos, ao longo das décadas, presenciamos inúmeros casos de devir que se modificam ao longo dos anos. O devir de antes era a ameaça comunista, marcada pela Guerra Fria; hoje é o árabe, que é retratado de forma pejorativa nos filmes como aquele que insanamente decide destruir o Ocidente.

O atual não é o que somos, mas antes o que nos tornamos, o que estamos nos tornando, isto é, o Outro, nosso devir-outro. O presente, ao contrário, é o que somos e, por isso mesmo, o que já deixamos de ser. Devemos distinguir não somente a parte do passado e a do presente, mas, mais profundamente, a do presente e a do atual (DELEUZE, 1996).

Enxergar o presente é olhar o que deixamos de ser e no que estamos nos tornando. Identificar isso é essencial para compreendermos o devir-menor, pois analisar habilmente o presente e o passado e identificar suas mudanças, segundo Nietzsche, é essencial para o filósofo. Observar o que se passou, e tentar tirar toda a camada de aparências no passado-e-presente é elementar.

3. A loucura como Devir-Menor

O louco faz parte do devir-menor, pois ele continua irremovível no mesmo lugar na sociedade ao longo da história.

A loucura, segundo Foucault, é um saber que atrai. “É saber, de início, porque todas essas figuras absurdas são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico”, logo, o louco é diferente do homem racional que se limita a conhecer e reconhecer somente o que lhe é dado. “Enquanto o homem racional e sábio só percebe desse saber algumas figuras fragmentárias”, conclui “o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível” (FOUCAULT, 2010, p.20-21).

“O louco é o outro em relação aos outros: o outro – no sentido da exceção – entre outros – no sentido do universal”, ou seja, ele é reconhecido como louco por conta da identificação do outro. Dificilmente veremos alguém que jura de pé junto que é Napoleão afirmar que é louco, pois se isso ocorresse, ele teria que negar sua identificação com Napoleão. O reconhecimento da loucura vem da negação do fato dado, o “maluquinho” que acha que é uma personalidade histórica, jamais afirmaria que isso não passava de um fetiche (FOUCAULT, 2010, p.183).

(…) a loucura é a ausência de razão, mas ausência que assume forma de positividade, numa quase-conformidade, numa semelhança que engana sem que no entanto consiga engana. O louco afasta-se da razão, mas pondo em jogo imagens, crenças, raciocínios encontrados, tais quais, no homem de razão. Portanto, o louco não pode ser louco para si mesmo, mas apenas aos olhos de um terceiro que somente este, pode distinguir o exercício da razão da própria razão (FOUCAULT, 2010, p.186).

Mas para a sociedade não basta somente identificar quem é o louco, é necessário “afastar o louco do convívio social”, para que ele não contagie a ordem, por isso que “o sistema procura coagi-lo através do uso de armas que, na maioria das vezes, são completamente desumanas”, entupindo-os de drogas e – quando há a possibilidade – eletrochoques. O louco muitas vezes passa a ter um caráter político, como se sua simples existência representasse uma transgressão (OLIVEIRA, ROCHA & LEAL, p.3).

O filme Bicho de Sete Cabeças[6] narra a história de um jovem chamado Neto, que após seu pai descobrir uma cigarrilha de maconha em seu casaco, decide interna-lo em uma clínica psiquiátrica. O cenário de fundo do enredo cinematográfico passa por inúmeras torturas que esse jovem passava dentro da clínica psiquiátrica, vendo sua personalidade ser dilacerada violentamente e em fragmentos. Após o tempo inicial como interno ter acabado, ao ser jogado no mundo-fora-da-clínica, sua mente não se adapta ao condicionamento das emoções da sociedade. Novamente volta ao local onde sua humanidade foi ceifada.

Em 1945, Artaud escreve uma carta ao seu médico-psiquiatra relatando o sofrimento no manicômio, chamando a atenção ao eletrochoque e seus resultados em sua mente que cada vez mais o impossibilitava de produzir algo intelectualmente.

A doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal. Daí cada cultura formará da doença uma imagem cujo perfil é delineado pelo conjunto das virtualidades antropológicas que ela negligencia ou reprime (…). Nossa sociedade não quer reconhecer-se no doente que ela persegue ou que encarcera; no instante mesmo em que ela diagnostica a doença, exclui o doente (FOUCAULT, 1975, p.71-74).

Portanto, a patologização da loucura tem um caráter político. A partir do momento em que você trata aquele que condiciona suas ações fora do ideal humano como um doente, você pressupõe que há uma cura, pois para toda doença esperasse um antídoto.

No século XIX, o médico Cartwright elaborou uma (doentia) justificativa para os negros escravizados terem uma tendência à fuga das fazendas de algodão e dos açoites. O médico então construiu o conceito patológico de drapetomania[7]. Com o diagnóstico de Cartwright, a fuga dos escravos seria vista como uma desordem neural dos próprios negros, por isso que seria necessário, segundo o doutor, a aplicação de medidas preventivas para conter a desordem neural. O método preventivo seria expor qualquer negro que apresentasse algum sentimento de fugir da escravidão ao açoite. E em alguns casos, seguia até a amputação dos pés.

Os escravos que decidiam fugir eram classificados como loucos, pois – dentro do imaginário branco – era injustificável o desejo de colocar fim à sua escravidão. “Onde já se viu, alguém não querer ser escravo?”, questionavam os senhores donos das plantações de algodão.

Mas não dava para colocar os negros ditos como loucos em espaços psiquiátricos, como faziam com os loucos brancos, por dois motivos. O primeiro é que até o século XIX, os negros eram coisificados e animalizados, tratados como animais de carga, logo não mereciam qualquer gasto do Estado em sua possível cura. O segundo, pelo fator econômico, colocar escravos em espaços de tratamento os retiraria por um tempo indeterminado da produção, e se não houvesse produção não haveria produto a ser comercializado pelo dono da fazenda. Restando apenas os troncos da vergonha humana como lugares para a cura dos “doentes”.

A taxação de alguém em ser louco, também foi muito usado no regime burocrático da URSS.

George Orwell, em seu romance distópico 1984, aponta que em governos totalitários não bastava somente o controle do agir, mas também do pensamento. Todo o thoughtime[8] deveria ser contido, e para que isso ocorresse, seria necessário criar mecanismos que buscasse combater a crimideia[9]. Infelizmente, os relatos contidos no romance orwelliano, tinham mais realidade do que qualquer notícia em um grande jornal.

Stálin, com a homologação do vergonhoso e nefasto Artigo 58[10], tendo como eixo a prisão dos opositores de seu governo, usou a repressão psiquiátrica como importante ferramenta política de dominação. A dissidência política, em muitos casos, se resolvia com métodos psiquiátricos, e assim, reproduzindo os mesmos instrumentos que o czar Nicolau I utilizava para coibir opositores[11].

Mas como justificar a volta de uma prática tão nefasta que, com a Revolução de Outubro havia sido abolida, para os tempos soviéticos? Stálin se apoiou no próprio Artigo 58 para justificar que era necessário um tratamento médico aos seus opositores. Maria Spiridinova, uma das maiores expressões camponesas durante o processo revolucionário, antes de ter seu corpo arrastado pelas ruas moscovitas, foi jogada em clínicas de controle social e submetida a inúmeros testes que danificaram sua mente.

Com o desenvolvimento do Instituto Serbsky de Psiquiatria Social e Forense, médicos soviéticos elaboraram uma nova psicopatologia, que deveria ser imediatamente tratada: a chamada esquizofrenia progressiva, que em síntese era atribuir aos opositores do Estado a ideia de que eles estavam mentalmente incapazes de questionar o governo.

A URSS internava nos hospitais psiquiátricos intelectuais que criticavam o regime. Um dos mais notórios desses hospitais era o Instituto Serbsky de Psiquiatria Social e Forense, em Moscou. Com o importante auxílio de psiquiatras completamente comprometidos, desprovidos de todo e qualquer senso ético, os opositores eram julgados e condenados por Moscou, tidos como “irresponsáveis/incompetentes”, o que lhes tirava a condição de estar presente à própria sessão de simulacro de juri. “O castigo psiquiátrico era dado principalmente a transgressores do capcioso artigo 58 do código criminal, que lidava com atos ‘antissoviéticos’”, explica Félix Maier, escritor e ensaísta brasileiro. Entre os alvos preferenciais estavam os cristãos, trotskistas sobreviventes dos vários expurgos promovidos por Stálin, escritores que de alguma forma criticavam o governo, pintores e músicos, letões, lituanos, ucranianos e poloneses, esses últimos vítimas frequentes por conta do ódio especial que Stálin lhes devotava, e toda a sorte de pessoas comuns, tidas como “reacionárias, capitalistas”, rotuladas como “inimigos do povo”, denunciadas não raramente por membros da própria família (MARIANO, 2013)[12].

Estava inaugurado os chamados Psikhushka[13], que funcionaram como importantes centros de controle social da URSS. Não havia mais a necessidade de se eliminar imediatamente o opositor, bastava o classificar como louco e depois o entupir com drogas que agiriam em suas mentes como uma manada de búfalos pisando em flores. Para depois, o louco, já desmoralizado por sua própria estigmatização, não ser mais escutado por ninguém. Afinal, quem em sã consciência daria ouvidos a um louco?

A lógica do encarceramento mental, como vimos, tem um fundamento político para a sustentação da ordem. Os choques elétricos detonaram a mente de Artaud, as inúmeras torturas psicológicas destruíram qualquer traço de humanidade de Spiridonova, logo, não é à toa o caráter sincero e atual da afirmação de Solomon de que ele era, como seu mestre, um “suicidado” da sociedade.

4. Conclusão

Como vimos, a loucura é um devir-menor, já que ela não pertence ao que é aceito na sociedade. O louco é tratado como aquele que está à margem, enfrentando-se diretamente com seus ceifadores. Deleuze, ao pontuar sobre o papel do menor, na obra Mil Platôs, trouxe de forma majestosa a atualidade da discussão sobre aqueles que são jogados para fora da maioria (negros, mulheres, homossexuais, árabes, latinos, pobres, miseráveis, analfabetos e loucos), mas ainda tem uma função dentro do capitalismo como base essencial para se manter o status quo da classe dominante.


BIBLIOGRAFIA:

  • DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. “O que é a Filosofia?” Editora 34, 1997.
  • Mil Platôs, capitalismo e esquizofrenia (volume 4). Editora 34, 1997.
  • DOREA, Guga. Gilles Deleuze e Felix Guattari: heterogênese e devir. Revista Margem, número 16. Dezembro de 2002.
  • FOUCAULT, Michel. História da Loucura. Editora Perspectiva, 2010.
  • _________________ . Loucura e cultura (in Doença mental e psicologia). Editora Tempo Brasileiro, 1975.
  • Microfísica do Poder. Edição Graal, 1985.
  • GINSBERG, Allen. Uivo, Kadish e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 1984.
  • MARIANO, José Antônio. Os perversos porões de uma psiquiatria psicótica. Feveriro de 2013. https://psicologado.com/psicopatologia/psiquiatria/os-perversos-poroes-de-uma-psiquiatria-psicotica
  • OLIVEIRA, William Vaz, ROCHA, Cecília de Castro e LEAL, Mara de Souza. As relações de poder e a construção da loucura: uma análise do livro Canto dos Malditos de Austregésilo Carrano Bueno. http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_128.pdf

FILMOGRAFIA:

  • Bicho de sete cabeças. Dirigido por Laís Bodanzky. 74 minutos, ano 2000.
  • Dirigido por Daniel Mann. 95 minutos, 1971.
  • A vingança de Willard. Dirigido por Glen Morgan. 100 minutos, 2003.

 

[1] Poema “O Uivo”, de Ginsberg, dedicado ao seu amigo – já internado – Solomon. A lucidez dos versos de Ginsberg relata um sentimento de incerteza com o futuro. Todos aqueles de sua geração foram perseguidos moralmente, taxados de “loucos” e marginais.

[2] A cor branca é conhecida universalmente como a cor da paz. O que no caso das clínicas, dentro do ponto de vista dos pacientes, não tinham nenhuma ligação.

[3] Como no caso do Haiti, que mesmo com a Revolução Francesa, continuou sendo colônia dos autores de “liberdade, fraternidade e igualdade” até arrancar sua emancipação com suas próprias mãos.

[4] Filme remake lançado em 2003, sob direção de Glen Morgan. A primeira versão foi lançada em 1971, sob a direção de Daniel Mann.

[5] Sócio de seu falecido pai.

[6] Filme produzido em 2000, sob direção de Laís Bodanzky.

[7] Drapetomania: δραπετης (drapetes, “um [escravo] fugido”) + μανια (mania, “loucura, frenesi”). Logo, a expressão seria “loucura de fuga”.

[8] Crime de Pensamento.

[9] Termo usado no romance de Orwell com o significado de “ideia criminosa”.

[10] Entrou em vigor 25 de fevereiro de 1927.

[11] Após o filósofo Pyotr Chaadayev publicar uma carta fazendo duras críticas ao czar, ele foi taxado como insano.

[12] https://psicologado.com/psicopatologia/psiquiatria/os-perversos-poroes-de-uma-psiquiatria-psicotica

[13] Clínicas psiquiátricas soviéticas.

*Imagem: Agnolo Bronzino, Alegoria com Vénus e Cupido (1540/45)

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